Cesária Évora (1941-2012) foi a maior estrela musical de Cabo Verde. Sem sua voz emotiva e seu discreto carisma, a música popular desse arquipélago africano, ex-colônia de Portugal, não seria hoje tão conhecida mundialmente.
Pelo que representou na cena musical do último século, é justo equipará-la a outras grandes divas do canto, como Amália Rodrigues (1920-1999), principal intérprete do fado português, Bessie Smith (1894-1937), maior cantora do blues clássico norte-americano, ou Celia Cruz (1925-2003), “rainha” da salsa cubana.
Sobrinha do compositor B. Leza, que ajudou a dar forma à moderna canção cabo-verdiana, Cesária nasceu no porto de Mindelo. Sua carreira musical levou décadas para engrenar. Chegou a fazer gravações em Portugal, na década de 1970, mas só alcançou o sucesso quando já era cinquentona. Lançado em 1992, “Miss Perfumado” foi o álbum que a projetou mundialmente.
Nenhum dos gêneros musicais que faziam parte de seu repertório identificou-se tão bem com sua imagem artística como a “morna”. Hoje um símbolo cultural de seu país, essa modalidade de canção em andamento lento caracteriza-se por versos carregados de melancolia, que falam de amores frustrados, saudade e exílio – como “Sodade”, o maior sucesso de Cesária.
O hábito de entrar nos palcos sem sapatos, que a tornou conhecida como “a diva dos pés descalços”, não era apenas uma idiossincrasia. Soava também como um gesto que expressava seu apego às raízes da música que cultivou por toda a vida.
“Quem quiser se afastar da tradição, que se afaste. Sempre cantei e vou continuar cantando música típica de Cabo Verde”, afirmava, quando lhe perguntavam se não pensava em “modernizar” seu repertório ou trocar por instrumentos eletrônicos o cavaquinho, os violões, o piano e a percussão que costumavam acompanhá-la.
Essa determinação não a impediu de se aproximar da música brasileira, pela qual tinha grande admiração. Fã da fluminense Angela Maria, cantora da chamada “era de ouro” do rádio brasileiro, Cesária gravou dois de seus sucessos: o samba-canção “Negue” e o bolero “Beijo Roubado” (ambos de Adelino Moreira). Também fez parcerias com Caetano Veloso, Gal Costa e Marisa Monte.
Em uma entrevista que fiz com ela para a "Folha de S. Paulo", em 2005, ao revelar que gostava das folias do Carnaval, Cesária me disse que não era tão melancólica quanto faziam supor as mornas que cantava. “Posso não ser muito alegre, mas triste também não sou. A alegria e a tristeza são vizinhas”, filosofou com sabedoria a diva descalça.
(texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 20/12/2011)
Cesária Évora: diva de Cabo Verde dizia que "a alegria e a tristeza são vizinhas"
Marcadores: angela maria, Cabo Verde, caetano veloso, cesária évora, gal costa, marisa monte, morna | author: Carlos CaladoPosts Relacionados:
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