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Zé Miguel Wisnik: compositor aborda horror que assombra o país, em 'Vão', seu novo álbum

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                                                   Show de Zé Miguel Wisnik, no Sesc 24 de Maio, em São Paulo 


Disco novo de Zé Miguel Wisnik é sempre boa notícia para aqueles, como eu, que acompanham a trajetória desse original pianista, cantor e compositor, além de conceituado escritor e professor de Literatura. Personalíssimas, suas canções combinam referências eruditas e populares. E costumam ganhar uma camada extra de sensibilidade, quando são interpretadas por ele mesmo, ao vivo.

Quem não conseguiu ingressos para os primeiros shows de lançamento do disco “Vão”, no último final de semana (no Sesc 24 de Maio, em São Paulo), já pode ao menos recorrer às plataformas de streaming para ter acesso às 11 canções desse álbum – 10 delas são inéditas. Outra possibilidade é a edição em CD, que acaba de ser lançada pelo selo Circus.

Se você é paulistano e não se emocionar ao ouvir “O Jequitibá”, a bela canção que abre o álbum, sugiro que procure um terapeuta. A experiência é mais completa ao escutá-la por meio do videoclipe já disponível no YouTube. Dirigido pelo coletivo Bijari, ele inclui centenas de imagens paulistanas em preto-e-branco, captadas pelo fotógrafo Bob Wolfenson. Neste link:




O letrista Carlos Rennó, parceiro de Wisnik, escreveu os versos dessa canção depois de ler uma reportagem sobre um centenário jequitibá, que vive no Parque Trianon, na região da avenida Paulista, em São Paulo. Ícones dessa agitada área da cidade, como o Masp, o Conjunto Nacional ou a Passeata Gay, sem falar nas inúmeras manifestações políticas já realizadas ali, misturam-se na letra de “O Jequitibá”, com certa nostalgia. Pela reação da plateia no show de lançamento, essa canção parece já ter nascido emblemática.

Parceira frequente de Wisnik desde seus primeiros shows, Ná Ozzetti canta com ele na gravação dessa canção e está presente no videoclipe. Já no show de lançamento, o compositor e pianista dividiu os vocais com a filha Marina Wisnik (sua parceira também nas canções “Roma” e “Avesso Vão”) e Celso Sim, ex-integrante do Teatro Oficina.

Ambos se destacam como cantores, no disco e no show, mas a experiência teatral de Celso roubou a cena em um dos momentos mais brilhantes da apresentação do último sábado: sua performance em “Eu Disse Sim” (outra parceria de Wisnik com Rennó), canção inspirada pelo monólogo de Molly Bloom, de “Ulisses”, o romance vanguardista de James Joyce.

Emocionante também é a interpretação de Celso para “Terra Estrangeira”, o fado que Wisnik compôs para o filme homônimo de Walter Salles e Daniela Thomas – já incluído em seu álbum “São Paulo Rio” (2000), na interpretação de Jussara Silveira. Agora apoiada na voz de Celso (cujo timbre lembra o de Caetano Veloso, em algumas passagens), a regravação destaca um inspirado arranjo do violonista João Camarero, que cita a “Bachiana Brasileira nº 5”, de Villa-Lobos.

Outra grande canção do novo álbum de Wisnik é “Chorou e Riu”, samba de sua autoria, influenciado por um clássico da música brasileira. “Meditação” (de Tom Jobim e Newton Mendonça), para quem não se lembra, inclui alguns dos versos mais tristes da era da bossa nova: “Quem acreditou /No amor, no sorriso, na flor /Então sonhou, sonhou /E perdeu a paz /O amor, o sorriso e a flor /Se transformam depressa demais /Quem, no coração” /Abrigou a tristeza de ver /Tudo isto se perder”.

Os versos de Wisnik em "Chorou e Riu" são melancólicos, ainda mais tristes. “Quem acreditou /Ao ver o encanto se quebrar /O coração despedaçar /E despencar /No vão do horror /Sem nem lembrar /O que sonhou /E não sonhou /Ao ver o inferno se rasgar /Pra dar o monstro a se mostrar /E confirmar que estava em nós /Nos nossos nós”. É preciso dizer que essa canção se refere ao sentimento de milhões de brasileiros, que viram, nos últimos anos, seu país ser transformado em pária mundial e ainda correr o risco de retroceder aos tempos da ditadura militar?

Outra ferida atual é cutucada em “Estranha Religião” (parceria do compositor com seu filho, o professor de Arquitetura e crítico de arte Guilherme Wisnik), canção que disseca a mercantilização da vida contemporânea. “Desejo louco de ter e deter /Sem saber pousar /Gostar demais de gastar /E mais de gastar /Do que ter do que gostar”, diz a letra. O arranjo, em ritmo dançante, com teclado, guitarras, batidas eletrônicas e percussão, termina com risos e os vocais improvisados de Zahy Guajajara, em Ze’eng eté, língua do povo Tentehar-Guajajara.

Já que textos longos, nos domínios da internet, hoje são considerados desrespeitosos com os leitores, vou parar por aqui. Mas não sem registrar que “Vão” inclui também saborosas canções de Wisnik com Luiz Tatit, Paulo Neves e Arnaldo Antunes. E ainda destacar a escolha dos ótimos instrumentistas que acompanham o pianista no show: Alê Ribeiro (clarinete), Swami Jr. (baixo), Alexandre Fontanetti (guitarra) e Sérgio Reze (bateria).

Tomara que a canção “Chorou e Riu” seja um mantra para nos acompanhar durante a superação destes angustiantes tempos de insensatez. E que "os imbecis e os imbecis dos imbecis" que hoje desgovernam este país sejam despachados em muito breve para a lata do lixo da História, de onde nunca deveriam ter saído.


Arte como Respiro: festival do Itaú Cultural exibe diversidade musical do país

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                                                                                    O trio instrumental sergipano Taco de Golfe  

O Itaú Cultural lançou editais de emergência durante as primeiras semanas da quarentena estabelecida para enfrentar a pandemia do Covid-19. O objetivo era movimentar o setor da economia criativa, dando apoio a artistas de diversas áreas, que ficaram sem alternativa de trabalho durante o período de distanciamento social. 

Hoje (23/9) começa mais uma fase do Festival Arte como Respiro - Edição Música, que exibe até domingo (27/9) pocket-shows pré-gravados de artistas contemplados em um dos editais. A programação desta semana inclui 15 atrações de diversos gêneros musicais, da MPB ao jazz instrumental, com três apresentações diárias que começam às 20h.

Destaque na programação desta noite, o cantor, pianista e compositor paulista Breno Ruiz tem sido festejado como uma brilhante revelação na área da canção brasileira. Vai exibir três composições de sua autoria, em parcerias com os letristas Cristina Saraiva e ninguém menos que Paulo Cesar Pinheiro.

Outra atração de hoje é o Taco de Golfe, jovem trio sergipano formado por Gabriel Galvão (guitarra), Filipe Williams (baixo elétrico) e Alexandre Damasceno (bateria). Eles mostram um trabalho autoral, que mistura influências do jazz e do rock. Mais maduro, o contrabaixista baiano Nino Bezerra combina ritmos nordestinos com influências da bossa nova e do jazz, em seu som instrumental.

A programação musical do Festival Arte como Respiro inclui também: o Macaxeira Jazz, quinteto instrumental de Natal (RN), que toca na quinta (24/9); as canções do trio carioca Pietá, que destaca a voz de Juliana Linhares (sexta, 25/9); o cantor e violonista Luiz Tatit, expoente da chamada vanguarda paulista (sábado, 26/9); e o talentoso violeiro e compositor paulista Neymar Dias, no domingo (27/9).

Acesso aos shows no site do Itaú Cultural, em www.itaucultural.org.br, onde você também encontra detalhes sobre a programação de outros editais desse projeto.

 

Branca Lescher: compositora e cantora revela afinidades com a vanguarda paulista

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                                     A compositora Branca Lescher e seu disco "Eu Não Existo" / Foto: Laryssa Fraga

É fácil perceber que Branca Lescher é paulistana. Basta ouvir a canção “Eu Não Existo”, que dá título ao segundo disco autoral dessa cantora, compositora e poeta. Com a voz delicada, ela entoa os versos irônicos (“eu não existo /faça de conta /não perca o sono /dorme tranquilo”), quase como se estivesse falando. Seu canto contido contrasta com os pesados sons eletrônicos do arranjo, que destaca um solitário clarinete. 

Branca comenta que escolheu essa canção para abrir seu disco com uma espécie de provocação, já que a letra se relaciona de maneira paradoxal com as outras 11 canções que a seguem. “Todas elas falam de como eu quero ser livre, de como a mulher tem o direito de fazer o que ela quer”. Não é à toa que a triste canção “Desisto” (parceria com Edmiriam Modolo) termina em tom de redenção: “que se dane o bom senso /só me encontro de novo /com a liberdade”.

Como outros adolescentes paulistanos de sua geração, nos anos 1980, Branca foi a shows e ouviu discos de Arrigo Barnabé, de Itamar Assumpção e dos grupos Premê e Rumo 
expoentes da chamada “vanguarda paulista”. Influência que ela reconhece no seu jeito falado de cantar e em composições de sua autoria marcadas por um certo minimalismo. 

Quem assina a produção musical e os arranjos do disco é Marcelo Segreto, também parceiro de Branca em várias canções. “Como eu convivo com ele há muito tempo, conheço bem sua estética musical. Eu já disse ao Marcelo que este disco é tanto meu como dele”, ela comenta, ciente de que os arranjos com instrumentos de cordas trouxeram unidade e uma sonoridade original ao álbum.

Os dois se conheceram em 2013, nos círculos da Faculdade Santa Marcelina, onde compositores ligados à chamada vanguarda paulista, como Luiz Tatit ou Zé Miguel Wisnik, eram referências constantes. Antes de ingressar no curso de pós-graduação em canção popular, Branca teve aulas de canto com Regina Machado, cantora e compositora também influenciada pela estética dessa vertente musical.

“Sou muito paulistana. Não me sinto uma cantora e compositora de samba ou de música brasileira mais tradicional”, admite Branca, que chegou a gravar canções de Ary Barroso e Tom Jobim, em seu disco de estreia (“Intimidade e Silêncio”, lançado em 2005). Dissonante e quebrado, o único samba no repertório do novo álbum, “Antes de Mim”, confirma a declaração da autora.

Essencial no conceito do álbum, a sombria canção “O Dia da Mulher” (parceria com Segreto) sintetiza a temática feminina presente em várias faixas. Nos versos (“mulher é bicho esquisito /todo mês sangra /a Rita disse uma vez”), Branca expressa a indignação da mulher madura que se sente invisível quando não se submete a certas expectativas sociais, como tingir os cabelos brancos.

Já a divertida “Bigode Chinês” (outra com Segreto) brinca com a “mulherada” que malha nas academias e encara artifícios para reduzir os efeitos do envelhecimento (“contra a lei da gravidade /a idade tá subindo / mas o resto, bem /o resto tá caindo”). O arranjo de Segreto, que divide os vocais com Branca, traz leveza e um toque teatral a esse tema incômodo.

Bem-humorada também é “Dia das Mães”, sobre a frustração das mulheres que, ao terem filhos, se veem obrigadas a abrir mão de aspirações pessoais. “Meus filhos ficaram meio chocados”, comenta Branca, referindo-se ao tom sarcástico de seus versos (“tua mãe não tem tempo pra perder /tua mãe não tem tempo pra você /tua mãe já aguentou teu papai / teu avô, teu bisavô, tataravô e o patrão”).

O contraponto desse desabafo materno vem em outras duas canções. A doce “Violeta” (parceria com Edmiriam Modolo), dedicada à filha recém-casada, ganhou, na gravação, uma dose extra de lirismo graças ao acordeom de Toninho Ferragutti. Com batida de rock e um inusitado clarone no arranjo, “Salvo Conduto” inclui um típico conselho de mãe ao filho (“o teu amor leva contigo /mas não beba, não fume, não sofra, não durma demais”).

O álbum inclui também belas canções de temática amorosa, como “Taj Mahal” e “Lisboa” (parceria com Edmiriam). Mais inusitada, “Bailado” (outra com Edmiriam) é um fado leve cuja letra Branca escreveu ao retornar, ainda inebriada, de uma viagem a Portugal. As participações da cantora Cristina Clara e de Bernardo Couto, na guitarra portuguesa, garantem a sonoridade tipicamente lusitana.

Finalmente, a emotiva “Je Suis Nelson Mandela” ganhou um belo arranjo com quarteto de cordas. Admiradora do líder negro sul-africano, que lutou contra a segregação racial, ela o incluiu nos versos como um exemplo de superação. Em suas canções, Branca sugere que a mulher precisa enfrentar o machismo sem perder o humor e a ternura.

Ao perguntar a ela como compararia as letras de suas canções e seus poemas (“Fibromialgia”, seu primeiro livro, saiu em 2016), acabei ouvindo uma autodefinição pessoal. “Poesia e letra de música são diferentes: a forma é diferente, a preocupação com a métrica é diferente, mas minha poesia, assim como minhas canções, têm uma coisa sucinta, econômica. Até ao cozinhar eu sou assim”, compara Branca, rindo. “Esse é o meu jeito de ser. Acho que quanto mais simples são as coisas mais elas são legais”.


(Texto escrito a convite da assessoria de imprensa da cantora)






Funarte Musical: programação especial comemora 40 anos da Sala Guiomar Novaes

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                                                 A banda paulistana Isca de Polícia abre série de shows na Funarte SP

Quem acompanhou a cena musical de São Paulo durante os anos 1980 e 1990 sabe que a Sala Guiomar Novaes desempenhou um importante papel de apoio às novas tendências musicais. Foi nesse palco do complexo cultural da Funarte que artistas da geração conhecida como “vanguarda paulista” – Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e os grupos Rumo, Premê e Língua de Trapo, entre outros – consolidaram suas carreiras musicais.

Comemorando 40 anos de atividades em 2017, a Funarte paulista vai exibir durante este semestre uma série especial de shows de música popular e concertos de música erudita, sempre aos sábados. Entre as atrações programadas estarão artistas que fazem parte da história da Sala Guiomar Novaes e destaques de gerações mais recentes.

A série Funarte Musical 2017 começa no dia 26/8, com o show da Isca de Polícia. A banda paulistana que acompanhava o compositor Itamar Assumpção (1949-2003) acaba de retornar aos palcos para lançar “Isca - Volume 1”, primeiro disco sem a presença de seu inspirador. O projeto inclui no repertório canções de Tom Zé, Zeca Baleiro e Arnaldo Antunes.

O mês de setembro trará uma programação bem eclética. Ex-integrante da banda de Arrigo Barnabé, o trombonista e compositor Bocato exibe fusões de jazz e música brasileira com seu grupo (em 2/9). Na semana seguinte (9/9), o quinteto de clarinetes Sujeito a Guincho mostra que não acredita em fronteiras musicais, misturando choros, sambas e peças da tradição clássica.

A cantora Ná Ozzetti e o compositor e violonista Luiz Tatit relembram divertidas pérolas do repertório do grupo Rumo (em 16/9), além de mostrar canções de fases mais recentes de suas carreiras. No sábado seguinte (23/9), o acordeonista Toninho Ferragutti, que acaba de ser eleito melhor instrumentista do ano pelo Prêmio da Música Brasileira, toca clássicos da música caipira, em duo com o violeiro Neymar Dias.

A programação de setembro termina com o show da banda Quartabê (30/9). Revelação recente da música instrumental brasileira, esse quinteto já gravou dois discos com releituras da obra do maestro e compositor pernambucano Moacir Santos (1926-2006). 



Os shows na Sala Guiomar Novaes incluem também, até dezembro, outros destaques do cenário musical paulistano, como a cantora Fabiana Cozza (28/10), o multi-instrumentista Arismar do Espírito Santo (4/11), a dupla Os Mulheres Negras (18/11; à esquerda, André Abujamra e Maurício Pereira, em foto de Gal Oppido) e a cantora Anelis Assumpção (2/12), além de um espetáculo especial para o público infantil com o grupo Manuí (7/10).

Os apreciadores da música clássica não foram esquecidos na programação do Funarte Musical, que inclui concertos do oboísta Alexandre Ficarelli com o violoncelista Raiff Dantas Barreto (14/10), da pianista Luciana Sayuri (21/10), do trio do pianista Gilberto Tinetti com o clarinetista Luis Montanha e o violoncelista Robert Suetholz (11/11). E ainda um concerto de percussão comandado pelo maestro Ricardo Bologna (25/11).

Feita em parceria com a equipe da Funarte SP, a curadoria da série Funarte Musical 2017 leva as assinaturas do
músico e professor Robert Suetholz e deste jornalista musical, que desde os anos 1980 frequentou bastante a plateia da Sala Guiomar Novaes.

Onde: Sala Guiomar Novaes, na Funarte (Al. Nothmann, 1058, tel. 3662-5177, Campos Elíseos, São Paulo)
Ingressos: R$ 20,00 e R$ 10,00 











Izabel Padovani e Ronaldo Saggiorato: dupla tira fôlego do ouvinte com seus improvisos

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                                                       A cantora Izabel Padovani e o baixista Ronaldo Saggiorato

Parceiros há uma década e meia, a cantora Izabel Padovani e o baixista Ronaldo Saggiorato formam um duo surpreendente. Não bastasse o talento que exibem em suas performances, os arranjos dos dois para o álbum “Aquelas Coisas Todas” (lançamento independente) são capazes de tirar o fôlego do ouvinte. Isso acontece logo na canção de abertura, “Baião de Quatro Toques” (de Zé Miguel Wisnik e Luiz Tatit): voz e baixo elétrico compõem um ágil contraponto que evolui para o final arrebatador.

As 13 canções são revestidas por uma refinada abordagem instrumental, com bastante espaço para improvisos. Do frevo “Vô Alfredo” (de Guinga e Aldir Blanc), com o baixo fraseando como um frenético passista, à percussiva releitura do samba “É Preciso Perdoar” (Alcyvando Luz & Carlos Coqueijo), na qual Izabel improvisa com onomatopeias, a dupla confirma que a canção só tem a ganhar quando se abre para a riqueza harmônica e rítmica da música instrumental. Tomara que esse duo sirva de inspiração a muitos cantores por aí.

(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 30/04/2016)

Luiz Tatit: compositor revela novas musas e personagens em 'Palavras e Sonhos'

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                                                           O compositor e cantor Luiz Tatit / Foto de Gal Oppido

Só um compositor diverso dos padrões convencionais concluiria seu disco contando como cria as canções. É o que faz Luiz Tatit em “Palavras e Sonhos” (lançamento Dabliú), a canção que empresta o título a seu novo álbum, o sexto individual. “Uso palavras picadas no som /Palavras magoadas de tantas paixões /Palavras idiotas e alguns palavrões”, entoa o cancionista paulistano, detalhando nos versos essa receita pessoal, com o humor e a simplicidade que o identificam.

Trata-se de um tema recorrente na obra desse músico incomum. Líder do grupo Rumo, expoente da chamada vanguarda paulista, na virada dos anos 1970 para os 1980, Tatit revelou por meio de suas canções o conceito do “canto falado”. Além das aulas que ministra na Universidade de São Paulo, paralelamente à carreira artística, ele continua a desenvolver pesquisas na área da semiótica da canção, que já renderam vários livros.

A temática da criação também está presente em “Mais Útil”, canção em troteado ritmo country que abre o disco. Como em outras de suas composições, Tatit inventou personagens pitorescas para tratar da inspiração: a negativa Palmira (“Quando sofre é de mentira / Mas adora suspirar”) e a entusiasmada Elvira (“Quando sofre ela se vira /Seu costume é se inspirar”).

Outros saborosos perfis femininos são delineados em canções do álbum. Em “Diva Silva Reis” (“Muito positiva /Mas só quando quer /Viva Diva Silva /Que mulher!”), num divertido flerte com o brega, o arranjo de sopros cria uma passarela sonora para que a diva idealizada por Tatit possa desfilar pelos versos.

Em “Das Flores e das Dores” (parceria com Emerson Leal), não é apenas uma, mas dez as divas retratadas nos versos sintéticos – quase todas com nomes de flores. Já na sentimental “Estrela Cruel” (“Vem vendaval /Vem cascavel /Faz desse mal /Fonte de mel”), o cantor e pianista Marcelo Jeneci, outro parceiro de Tatit, divide com ele os vocais.

Ainda que seja cantada no masculino pelo próprio Tatit, a letra da canção “Do Meu Jeito” (parceria com Vanessa Bumagny) parece discorrer sobre inseguranças e contradições típicas das mulheres. Mas não falta nesse álbum ao menos um mítico personagem masculino: no descontraído foxtrote “Matusalém” (parceria com Arthur Nestrovski), Tatit imagina como é viver após os cem anos.

Outras canções retomam o tema da inspiração. Já gravada por Ná Ozzetti, a dançante “Musa da Música” (parceria de Tatit com Dante Ozzetti) conta com vocais de Juçara Marçal e da moçambicana Lenna Bahule. A queixosa “Musa Cruza” (“Cruza as coxas e aproveita /Minha musa é musa /Nunca satisfeita”) destaca o arranjo de cordas de Fabio Tagliaferri.

Intérprete essencial para a obra de Tatit desde os tempos do Rumo, Ná assume os vocais em “Planeta e Borboleta”, canção sensível sobre as angústias do cantar. O arranjo de Jonas Tatit (filho do compositor), que também assina a produção musical do álbum, combina violões, guitarra e efeitos eletrônicos.

Também já gravada antes pelo parceiro Zé Miguel Wisnik, “Tristeza do Zé” surge agora com a letra completa, com Tatit dividindo os vocais com Juçara Marçal. Melancolia e beleza, numa canção que envereda pelo universo caipira.

Ao ler o título de “Feitiço da Fila”, os fãs da primeira fase do grupo Rumo podem até imaginar uma resposta ao clássico samba “Feitiço da Vila”, de Noel Rosa. Não, o que se ouve é outra daquelas canções agridoces e reflexivas bem ao estilo de Tatit (“E eu entro na fila outra vez /Só por você /Que deixou o mundo /Melhor do que era /Vivo na fila de espera”). Para um paulistano, é irresistível a ironia desse trocadilho.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 26/3/2016)  


 

 

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