O jornalista João Marcos Coelho (foto acima), grande referência no campo
da crítica musical em nosso país, apresenta em seu novo livro uma proposta que muitos
apreciadores da música contemporânea certamente aplaudiriam. Maestros, orquestras
e intérpretes preguiçosos, que insistem em repetir nas salas de concerto os
mesmos clichês do repertório clássico, como “As Quatro Estações” de Vivaldi, a “Nona
Sinfonia” de Beethoven ou “Quadros de Uma Exposição” de Mussorgsky, deveriam
ser taxados com um imposto que seria revertido à realização de projetos de
música contemporânea.
“Sei que extrapolo ao propor um novo imposto”, escreve
Coelho, que não abre mão da ironia e do humor fino nos reveladores textos reunidos
no livro “Pensando as Músicas no Século XXI” (lançamento da Editora Perspectiva).
“Sei também que só me cabe, como crítico jornalístico, a tarefa de desmontar no
dia a dia a narcótica engrenagem da vida musical convencional, cuja matriz
magna são as instituições maiores, as orquestras sinfônicas, que embalam o
público como se fosse composto de crianças sempre a fim de ouvir um milhão de
vezes a mesma obra”.
De cara, em seu texto de apresentação do livro, Coelho
sintetiza em que consiste a “duríssima” vida de um crítico musical. “Ele tem de
atuar simultaneamente em duas frentes: como catalisador, deve examinar e
descartar o lixo sonoro que nos cerca, filtrando e incentivando a música de
qualidade; e, como provocador, tem de surpreender os padrões do gosto, tirar os
leitores da zona de conforto, levá-los a experimentar, descobrir o novo”. Para
os estudantes de jornalismo, ou mesmo colegas de profissão mais jovens que
ainda se perguntam qual é exatamente a função de um crítico musical, aí está
uma definição prática e precisa.
Publicados a partir de 2009 originalmente nos jornais “O
Estado de S. Paulo” e “Valor Econômico”, ou nas revistas “Bravo” e Concerto”,
os 101 ensaios, resenhas e críticas de discos e concertos reunidos no livro de
Coelho não abrangem apenas o universo da música clássica ou contemporânea -- de Brahms e Wagner a Stravinski e Boulez. Abordam
também o jazz de Thelonious Monk, John Coltrane, Keith Jarrett e Quincy Jones,
assim como abrem espaço para artistas que flertaram com esse gênero musical,
como o ator, bailarino e cantor Fred Astaire ou o arranjador e compositor de
trilhas sonoras Henry Mancini.
Praticante da bem-humorada distinção do pianista e compositor
Duke Ellington (“Existem dois tipos de música: a boa música e a de outro tipo”),
Coelho vai buscar, sem preconceitos, a música que merece ser ouvida e analisada
nos mais diversos gêneros -- sejam as canções pungentes do “cantautor” cubano
Bola de Nieve (1911-1971), a música instrumental brasileira de Egberto Gismonti
ou os blues do cantor e pianista norte-americano Mose Allison (1927-2016).
Em outras palavras, o que interessa a João Marcos Coelho é a
música feita com criatividade, a “música de invenção”, que nada tem a ver, de modo geral, com a música descartável, fabricada para alimentar as paradas de
sucesso ou a programação das rádios comerciais. Um exemplo a ser seguido também por aqueles que ainda insistem na preconceituosa e arcaica polêmica das fronteiras entre a música erudita e a popular.
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