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Sesc Jazz: pianista sul-africano Nduduzo Makhathini traz ritual sonoro ao festival

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                                                         O pianista e compositor Nduduzo Makhathini, no festival Sesc Jazz 

Mais uma noite emocionante na quarta edição do festival Sesc Jazz, em São Paulo. Quem foi ao teatro do Sesc Pompeia, no feriado de 12/10, para assistir à apresentação do pianista e compositor Nduduzo Makhathini, logo percebeu que não se tratava propriamente de um show, mas de um ritual sonoro.

A disposição no palco do quinteto do jazzista sul-africano era reveladora. Em vez de se voltarem para os dois lados da plateia, os cinco músicos formaram um círculo para que todos do grupo pudessem se olhar durante a apresentação. Ao final, antes mesmo de agradecerem os aplausos eufóricos da plateia, os músicos do quinteto se abraçaram, sorrindo, ainda numa roda.

Carismático, Makhathini lidera o grupo com muita simpatia. Não à toa, ele e o circunspecto saxofonista Linda Sikhakhane costumam citar o mítico jazzista norte-americano John Coltrane entre suas principais influências, ao lado de outros grandes músicos do jazz da África do Sul, como Abdullah Ibrahim e Bheki Mseleku. Como no “spiritual jazz” de Coltrane, as composições de Makhathini alternam momentos líricos e outros mais dramáticos, com amplos espaços para improvisações.

Dois anos atrás, por ocasião do lançamento de seu álbum “Modes of Communication: Letters from the Underworlds” (selo Blue Note), o compositor e pianista explicou que sua intenção musical é criar pontes e canais para dialogar com os reinos de seus ancestrais. Por isso compara suas composições a cartas que, graças aos sons e silêncios, lhe servem de veículos para essa mística comunicação.

Mesmo que a relação de Makhathini com seus ancestrais não tenha ficado clara para parte da plateia, a beleza e o magnetismo de sua música já foram suficientes para que muitos saíssem dali com a impressão de tinham acabado de presenciar uma das grandes noites deste Sesc Jazz. Neste sábado (15/10), o sul-africano e seu quinteto voltam a se apresentar no Sesc Presidente Prudente, no interior paulista. 


Abdullah Ibrahim: pianista sul-africano enfrentou racismo com belezas musicais

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Num momento em que o preconceito racial volta a chamar atenção no noticiário, os concertos do pianista e compositor sul-africano Abdullah Ibrahim – hoje e amanhã, no festival Jazz na Fábrica, em São Paulo – ganham um sentido maior. 

Aos 82 anos, Ibrahim é um remanescente da luta contra o infame regime político do apartheid, que durante quase cinco décadas (1948-1994) segregou a população majoritariamente negra e extinguiu seus direitos civis, na África do Sul. Em outras palavras, o racismo chegou a ser transformado em lei nesse país. 


Maior símbolo da resistência contra essa segregação racial, o ativista Nelson Mandela (1918-2013) passou 27 anos na prisão, até se tornar o primeiro presidente negro sul-africano após a instauração do regime democrático. 


“Entendemos desde cedo que a luta era por nossa própria humanidade”, disse Ibrahim, no ano passado, em entrevista ao jornal irlandês “Irish Times”. Quando decidiu se exilar na Europa, em 1962, seu grupo Jazz Epistles (do qual também fazia parte o trompetista Hugh Masekela) já enfrentava duras restrições do governo separatista, mesmo sem exercer atividades políticas explícitas. 


Nessa época, Ibrahim ainda era conhecido como Dollar Brand (seu nome original era Adolph Johannes Brand). Em 1963, um encontro quase casual elevou sua carreira musical a outro nível. Ao tocar no Africana Club, em Zurique, na Suíça, foi ouvido pelo pianista e compositor norte-americano Duke Ellington (influência marcante em sua música), que fazia uma turnê pela Europa. 


Impressionado, Ellington o ajudou a gravar um disco, intitulado “Duke Ellington Presents the Dollar Brand Trio”, que o introduziu na cena internacional do jazz. Dois anos depois já estava tocando nos Estados Unidos. Ao se converter ao islamismo, em 1968, adotou o nome Abdullah Ibrahim. 


“The Song Is My Story” (2015), sua gravação mais recente, mostra como sua original concepção musical evoluiu ao longo de seis décadas. Nas composições de Ibrahim, líricas melodias de ascendência africana são tratadas com a sofisticação das harmonias do jazz. Sem dispensar, naturalmente, o recurso da improvisação. 


“Improvisação é meditação em movimento”, ele reflete na capa desse álbum, fornecendo uma chave para se penetrar em seu universo sonoro. Na música meditativa de Ibrahim, o silêncio desempenha um papel quase tão importante quanto o das notas musicais ou o dos ritmos. 


Hoje, o veterano pianista e compositor alterna períodos na Alemanha, onde mora, e na bela Cidade do Cabo, onde nasceu. Pode-se dizer que é mais que um vencedor: superou o preconceito e a segregação racial do apartheid com a beleza de sua música. 


(Texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 19/08/2017)



 

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