Um mar de guarda-chuvas molhados. Essa imagem praticamente acompanhou os cinco dias de shows da 10ª edição do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival. A chuva intermitente impediu que o evento repetisse a média de 20 mil espectadores por noite, verificada em 2011. Por outro lado, o mau tempo mostrou também que a população local e muitos turistas, que mais uma vez foram a essa cidade fluminense para ouvir música de alta qualidade, não se incomodaram de enfrentar a chuva e o chão enlameado. Certamente, não se arrependeram.
Mário Sève e David Ganc, solistas da Orquestra Kuarup / Photo by Carlos Calado
A noite de estreia, no palco principal, em Costazul, destacou atrações nacionais. Projeto pedagógico-musical da Fundação Rio das Ostras de Cultura, a Orquestra Kuarup Cordas & Sopros abriu o evento com uma saborosa seleção de arranjos instrumentais de temas da bossa nova, de “Samba do Avião” a “Garota de Ipanema” (Tom Jobim), além de clássicos de outras fases da música popular brasileira, como “O Ovo” (Hermeto Pascoal). À frente da orquestra, o maestro e violonista Nando Carneiro e os solistas convidados, Mário Sève e David Ganc, nos sopros.
Naipe de saxofones da Big Band 190 / Photo by Carlos Calado
Surpresa da noite, a afiada Big Band 190, formada por músicos da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, deliciou a plateia com suingados arranjos de temas de jazz e da música instrumental brasileira, como “Spain” (Chick Corea) e “Melancia” (Rique Pantoja), além do soul-jazz “John Brown’s Other Body” (Woody Herman), com destaque para o solo de sax tenor do sargento Geovani, do Exército. Uma big band muito bem ensaiada, com um repertório moderno, que merece ser ouvida no resto do país.
Helio Delmiro / Photo by Carlos Calado
Com a categoria de sempre, apesar de ter enfrentado há pouco uma cirurgia cardíaca, o mestre do violão Hélio Delmiro foi outro destaque da noite de abertura. Homenageou o saudoso maestro Moacir Santos, tocando “Nanã”. Lembrou também o grande Baden Powell, com uma versão instrumental de “O Morro Não Tem Vez”. Até se arriscou a cantar a sinuosa “Ilusão à Toa” (Johnny Alf). “Como cantor, tenho um ‘handicap’ que outros não têm: o acompanhamento do violão de Hélio Delmiro”, brincou, bem humorado. E não fez feio nos vocais.
Celso Blues Boy / Photo by Carlos Calado
A noite de abertura trouxe ainda o blues-rock de Celso Blues Boy, veterano carioca do gênero, dono de um grande fã clube em seu Estado. Mesmo se movimentando com certa dificuldade no palco, sem o vigor físico de outras épocas, o guitarrista e cantor desfiou seus sucessos, com a plateia bastante animada, acompanhando-o nos vocais. Claro que não faltou o hit “Aumenta Que Isso Aí É Rock’n’Roll”. E para ajudar o colega a recuperar o fôlego, também entraram em cena os ‘bluesmen’ Joe Manfra e Jefferson Gonçalves.
Mauricio Einhorn / Photo by Carlos Calado
A programação de quinta-feira (7/6) foi a mais prejudicada pela chuva, que não deu sossego à plateia, literalmente, encharcada. O grupo instrumental mineiro Plataforma C iniciou a noite, tocando arranjos próprios de sucessos da MPB dos anos 60 e 70, assinados por Milton Nascimento (“Vera Cruz”) e Edu Lobo (“Ponteio”), entre outros. Em seguida, o veterano gaitista e compositor Mauricio Einhorn também viu sua plateia encolher por causa da chuva. Quem ficou deliciou-se com sua bagagem jazzística, exibida tanto em clássicos instrumentais da bossa nova, como “Batida Diferente” (sua parceria com Durval Ferreira), como na emotiva versão da balada “Autumn Leaves”.
Kenny Barron / Photo by Carlos Calado
A chuva aumentou tanto, na hora da apresentação do quarteto de jazz do pianista norte-americano Kenny Barron, que alguns músicos, como o guitarrista Mike Stern e os integrantes de seu grupo, foram ouvi-lo nas laterais do palco. Indiferente aos ruídos provocados pela tempestade, Barron comandou uma das apresentações mais inspiradas do festival, com destaque para os improvisos do trompetista Mike Rodriguez e do furioso baterista Johnathan Blake. Ao recriar dois conhecidos standards jazzísticos, “Softly, as in a Morning Sunrise” e “My Funny Valentine”, o pianista esbanjou sensibilidade musical, deixando muita gente de queixo caído.
Michael Hill / Photo by Carlos Calado
Fechando a noite, o bluesman norte-americano Michael Hill e sua banda Blues Mob, já conhecido pela plateia do festival, fez mais um de seus shows ecléticos. Tocou vários estilos de blues, rock, até o reggae “No Woman No Cry”, de Bob Marley. E ainda chamou ao palco a cantora brasileira Lica Cecato para uma canja, em “Georgia on My Mind”, o hit soul de Ray Charles.
Armand Sabal-Lecco / Photo by Carlos Calado
Na sexta-feira (8/6), nem a lama que já tomara conta de grande parte da área reservada à plateia, frente ao palco em Costazul, impediu os fãs mais decididos de curtirem mais uma noite com atrações eletrizantes. Ainda desconhecido no Brasil, o baixista e cantor camaronês Armand Sabal-Lecco revelou seu potencial como músico e compositor. Variado, seu repertório vai do funk ao rock, do reggae à disco – uma salada pop, que destaca seus vocais e solos ao baixo elétrico, coloridos pela percussiva técnica do slap. Não bastasse seu carisma, Sabal-Lecco ainda chamou ao palco o carioca Romero Lubambo para uma canja. Tocando a funkeada “Cuscuz Clan”, os dois excitaram a plateia.
Mike Stern (à esq.) e Romero Lubambo (à dir.) / Photo by Carlos Calado
Lubambo retornou ao palco, no show seguinte, já à frente do quarteto que lidera com guitarrista norte-americano Mike Stern. Para quem ainda desconhecia o passado roqueiro desse carioca radicado nos Estados Unidos, foi uma preciosa chance de vê-lo tocar guitarra, em sanguíneos duelos com o parceiro. Elementos do jazz e o peso sonoro típico do rock se misturaram, em vários números. O mais original, no set da dupla, foi “Bachião”, um baião instrumental de Lubambo, que serviu de veículo para alguns dos improvisos aplaudidos da noite.
Duke Robillard / Photo by Carlos Calado
Depois de uma apresentação tão quente, só restou ao bluesman e guitarrista norte-americano Duke Robillard diminuir a temperatura em seu set, para tentar conquistar aos poucos a atenção da plateia, que ainda se refazia do show anterior. Com seu toque elegante, ele destaca em seu repertório velhos blues de mestres do gênero que o influenciaram, como T-Bone Walker e B.B. King.
A Big Time Orchestra / Photo by Carlos Calado
Também já conhecida pelo público de Rio das Ostras, a banda curitibana Big Time Orchestra fechou a noite com uma apresentação descontraída, recheada de sucessos do rock, do rhythm’n’blues e do swing, coloridos por divertidas coreografias.
Mais shows e atrações nas próximas edições
Já na manhã do sábado, o idealizador e produtor do festival, Stenio Matos, e o prefeito de Rio das Ostras, Carlos Augusto, fizeram um balanço dos 10 anos do evento, em uma coletiva de imprensa. Inicialmente, o prefeito comentou que o mau tempo serviu para confirmar o sucesso do festival, já que mesmo com a previsão de chuvas, uma semana antes, a cidade voltou a ter seus hotéis totalmente ocupados durante o evento.
“Não fosse o festival, com essas chuvas, muitos turistas teriam mudado seus planos de vir a Rio das Ostras”, observou Matos. “Em nossa cidade, acabou aquele preconceito de dizer que jazz é coisa de rico. O melhor de tudo é ver a alegria do povão, participando e se divertindo”, completou o prefeito.
Carlos Augusto disse também não acreditar que o resultado das eleições deste ano para a prefeitura local possa ameaçar a continuidade do festival. “Ele já está consolidado como um evento de ação cultural”, afirmou o prefeito. Citou também uma pesquisa do Cebrae, que mostra que o evento atraiu cerca de R$ 6 milhões para a economia da cidade, no ano passado.
Já o produtor Stenio Matos disse que tem planos de levar os shows do festival a outros locais da região, além de estender a duração do evento para duas semanas, aumentando também o número de atrações musicais, nas próximas edições.
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