Tord Gustavsen: pianista norueguês traz seu lirismo ao BMW Jazz Festival, em junho

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                                                                                                                    Foto: Hans-Asbjørnsen
Cinco anos atrás, um livro desencadeou uma acirrada polêmica nos meios jazzísticos. O crítico britânico Stuart Nicholson dividiu músicos, fãs e acadêmicos ao defender, em “Is Jazz Dead? (Or Has It Moved to a New Adress)”, a tese de que o jazz norte-americano teria perdido, ainda na década de 1980, seu espírito inventivo. Segundo ele, entre outros fatores, a globalização desse gênero musical contribuiu para que sua essência inovadora migrasse para outros continentes, especialmente para a Europa.

“Talvez Nicholson tenha simplificado um pouco a realidade, mas acho que há alguma verdade no que ele afirma”, diz o pianista norueguês Tord Gustavsen, em entrevista ao "Valor". Elogiado por esse crítico britânico, como “um solista excepcionalmente lúcido, com um senso de estrutura melódica e imaginação lírica”, Gustavsen é uma das atrações anunciadas para a primeira edição do BMW Jazz Festival, agendado para junho.

“Durante muito tempo era comum se dizer que o melhor jazz vinha da América do Norte ou que na Europa e em outros lugares do mundo só se faziam cópias do jazz americano. Acho importante enfatizar que houve uma mudança nesse cenário”, comenta o músico escandinavo, que vai se apresentar pela primeira vez no Brasil. “Nesse aspecto, eu concordo com Nicholson: muito do que se faz de mais fascinante e atraente, na música improvisada ou no jazz de hoje, vem da Europa, em especial da Noruega”, afirma.

Formado em Psicologia e Musicologia pela Universidade de Oslo, Gustavsen acompanhou cantoras de destaque em seu país, como Silje Nergaard e Siri Gjaere, antes de gravar “Changing Places”, o disco de estréia de seu trio. Lançado em 2003, pelo cultuado selo alemão ECM (o mesmo que já gravou os brasileiros Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, ou até jazzistas norte-americanos, como Keith Jarrett, Paul Bley e Charlie Haden), esse álbum projetou Gustavsen como revelação na cena do jazz europeu.

“Quando gravei ‘Changing Places’, eu já tinha ouvido muitos álbuns do ECM. Alguns deles me influenciaram bastante, mas, sinceramente, gravar pelo ECM não era algo com que eu tivesse sonhado antes”, diz o pianista, revelando que chegou a duvidar se seu disco se encaixaria no catálogo desse selo. “O que aconteceu é que Manfred Eicher [criador e produtor do ECM] ouviu a gravação que tínhamos feito por conta própria e me disse que gostaria de lançá-la. Hoje só posso dizer que é uma honra pertencer ao elenco desse selo”.

Influenciado tanto por pianistas norte-americanos, como Jarrett, Bill Evans e Lennie Tristano, assim como pelos escandinavos Jan Johansson e Jon Balke, Gustavsen ressalta que sua formação musical sempre foi ampla. “Nunca tive um ídolo único. Entre as influências maiores que recebi, eu mencionaria a tradição das canções folclóricas da Escandinávia, a música clássica ocidental, especialmente a dos impressionistas, além de toda a história do jazz norte-americano. Também ouvi muita música folclórica de várias partes do mundo, como a África Ocidental ou o Caribe”.

A música brasileira também entrou nessa mistura de influências, embora com um peso menor. “Minha principal ligação com a música do Brasil é mais ou menos a mesma da maioria dos músicos de jazz: a bossa nova de João Gilberto e as gravações que ele fez com Stan Getz”, aponta o jazzista norueguês. “Mesmo que a ênfase nos versos das canções, as linhas melódicas solitárias e um certo romantismo existentes em minha música tenham muito a ver com a música folclórica escandinava, acho que esses traços também passam pela influência da música brasileira”, reconhece.

Em meio a tantas referências, a afinidade de Gustavsen com o universo da Psicologia acabou ajudando-o a encontrar uma identidade musical. “Como músico de jazz, em geral, você é treinado a tocar música mais e mais complexa, conforme progride em seus estudos. Isso é interessante, mas você precisa reencontrar a criança que existe dentro de você ao tocar”, ensina o pianista e compositor. “Depois que comecei a trabalhar com canções de ninar, hinos e canções religiosas que ouvia na infância, e que descobri que a respiração também deve fazer parte da música, tudo começou a se encaixar de uma forma mais natural”.

Com quatro álbuns lançados, Gustavsen revela que sua apresentação no BMW Jazz Festival será centrada em “Restored, Returned” (ECM, 2009), seu CD mais recente, ainda inédito no Brasil. No entanto, vai tocar aqui com uma formação mais compacta do que o quinteto utilizado nessa gravação: um trio, com o baterista Jarle Vespestad (que já o acompanhava no primeiro disco) e o baixista Mats Eilertsen.

“Para mim, jazz significa simplesmente tocar a música mais fiel a um determinado momento, aqui e agora”, diz o pianista norueguês, definindo esse gênero musical pelo viés da sinceridade, uma qualidade que sua música parece transmitir com frequência. “Jazz tem a ver com integrar boas melodias e improvisação, com tocar da maneira mais honesta que você puder. Não importa de que lugar do mundo você venha”.

Com produção comandada pela cineasta Monique Gardenberg e curadoria do jornalista Zuza Homem de Melo, do músico Zé Nogueira e do produtor Pedro Albuquerque (praticamente a mesma equipe dos extintos Tim Festival e Free Jazz Festival), a primeira edição do BMW Jazz Festival vai se realizar de 8 a 10 de junho, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Uma versão mais reduzida do evento, no Rio de Janeiro, ainda pode ser definida em breve.

Entre as 10 atrações anunciadas destacam-se também o baixista e compositor Marcus Miller, com seu remake do álbum “Tutu” (que gravou com o trompetista Miles Davis, em 1986), os saxofonistas Wayne Shorter, Joshua Redman e Billy Harper, a cantora de R&B e soul Sharon Jones e a banda gospel Zion Harmonizers – todos norte-americanos. Do continente europeu vêm ainda o contrabaixista francês Renaud Garcia-Fons e a banda italiana Funk Off. Completa o elenco a única atração nacional: a big band baiana Orkestra Rumpilezz, dirigida pelo maestro e saxofonista Letieres Leite.

(entrevista publicada no caderno Eu & Fim de Semana, do jornal "Valor", em 20/4/2011)



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