Nailor Proveta: "Se eu não fosse músico, gostaria de ter feito cinema"

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Em “Brasileiro Saxofone” (Acari Records), seu segundo álbum solo, o músico e compositor paulista Nailor Proveta, também líder da Banda Mantiqueira, traça um primoroso panorama desse instrumento de sopro na história de nossa música instrumental. A seguir, ele comenta o repertório que escolheu e as dificuldades que enfrentou para realizar esse projeto.

Como você chegou ao conceito de “Brasileiro Saxofone”?
Nailor Proveta
- Esse conceito nasceu de meu encontro com [os violonistas e produtores] Mauricio Carrilho e Paulo Aragão. A idéia era fazer um disco em homenagem ao saxofone, instrumento de sonoridade mais camerística, que esteve presente nos antigos recitais de choro, no princípio do jazz e também na música clássica. Mas, em vez de usar o saxofone apenas como solista, pensamos em criar pequenas orquestras, formações nas quais o saxofone nem sempre é solista. Um exemplo: ao tocar “Caminho da Saudade”, valsa do Radamés Gnattali, com quatro violões, precisei buscar no sax tenor uma sonoridade adequada, como se eu fosse um quinto violão. Foi uma experiência muito enriquecedora.

Em “Tocando para o Interior”, seu CD de 2007, você resgatou choros e valsas que tocava no coreto de Leme, sua cidade natal, como num filme de época. “Brasileiro Saxofone” revela uma abordagem semelhante...
Proveta –
Sim, a idéia é trazer a música de outras épocas para os dias de hoje, recriar aquelas ambiências, usando as mesmas medidas, os parâmetros sonoros daquelas épocas. Ouvindo esse CD, você vai ouvir, por exemplo, K-Ximbinho [apelido de Sebastião de Barros, maestro e compositor norte-rio-grandense, morto em 1980], tocando saxofone em um coreto. Depois ouve um regional mais puro ou um quarteto de cordas que remete a uma música mais urbana. Cada música desse disco tem uma cor. Elas funcionam como sequências de um filme. Aliás, se eu não fosse músico, gostaria de ter feito cinema. A idéia é a mesma.

Alguma dessas gravações tem uma história especial?
Proveta -
Oito anos atrás vivi uma de minhas maiores experiências como músico, ao gravar com Moacir Santos [maestro, compositor e saxofonista pernambucano, morto em 2006, depois de viver quatro décadas nos EUA]. No estúdio, eu ficava olhando para o Moacir e me perguntava por que ele tinha ido embora do país. Antes de morrer, ele me pediu que, quando eu fizesse um disco, gravasse “Stanats”, homenagem que ele fez ao [jazzista] Stan Getz. Consegui essa partitura com um amigo dele, o [baixista] Sizão Machado, que estava com o Moacir na noite em que essa música foi composta. Então pedi ao Sizão que fizesse um solo no arranjo que escrevi.

Num projeto tão abrangente como esse, gravar só 12 faixas não é pouco?
Proveta -
Na verdade, após a pesquisa que fizemos, teríamos material suficiente para gravar pelo menos outro disco. Além de composições minhas e do Maurício Carrilho, ficaram de fora músicas do Viriato Ferreira, do Domingos Pecci, do Abel Ferreira. Esse projeto deixou uma vontade enorme de tocar esses e outros compositores de forma mais consciente. Há muitos tesouros musicais por aí que precisam ser recuperados.

Você diria que o saxofone é tão valorizado no repertório da música brasileira como é no jazz?
Proveta -
Os músicos brasileiros foram muito estimulados, de forma geral, pelos jazzistas. Até hoje sou apaixonado por Johnny Hodges, Benny Carter, Charlie Parker, jazzistas que tocavam o saxofone de forma maravilhosa. A diferença entre o repertório no Brasil e nos EUA é muito grande e já começa pelas partituras. Lá você pode comprar qualquer partitura de jazz. Aqui, se você quiser uma partitura de choro ou de samba, não consegue. Nunca tivemos uma editora de música no Brasil. Mesmo nos museus que possuem partituras, você não consegue a liberação. Ainda encontramos muita dificuldade para tocar o repertório de nossos mestres por causa do controle autoral.

O que o levou a tocar sax?
Proveta -
Meu pai tocava saxofone, clarinete, acordeom e teclado. Lembro de quando ele me pôs no colo e pediu que eu tocasse o acordeom. “Você tem ritmo. Vou botar você para estudar música”, ele disse. Eu tinha 7 anos. O saxofone chegou às minhas mãos de forma natural: como a banda estava precisando de um saxofonista, o maestro escolheu o instrumento por mim. Ele acertou.


(publicada parcialmente no “Guia da Folha – Livros, Discos e Filmes”, em 28/08/2009)



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