Mostrando postagens com marcador festival. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador festival. Mostrar todas as postagens

Pablo Milanés e Maria Rita: até quando o Brasil vai esnobar a música cubana?

|

                                                                              Foto de Marcos Hermes/Telefônica Sonidos
 
Pablo Milanés, 67, expoente da moderna canção cubana, já estava sentado no palco do Jockey Club paulistano, prestes a iniciar seu show pelo festival Telefônica Sonidos, quando uma garota de vinte e poucos anos se virou para perguntar: “Sabe de que país ele é?” Como outros jovens da platéia, ela estava ali para ver Maria Rita, a convidada do compositor e cantor cubano.

Essa ignorância é justificável. Nas últimas décadas, com raras exceções, as gravadoras e rádios brasileiras simplesmente ignoraram a riqueza e a diversidade da música produzida em Cuba. E o isolado fenômeno Buena Vista Social Club, no final dos anos 90, só veio confirmar esse descaso.

Mostrando que não se aferra ao passado, Milanés já abriu a noite avisando que faria um apanhado de sua obra mais recente. Para isso escolheu canções que gravou na última década, como as líricas “Los Dias de Gloria” e “Nostalgias”, ou a romântica “Soñando”. Talvez tenha decepcionado um pouco os fãs da velha guarda, que preferem suas canções de temática social.

Discreta, Maria Rita entrou no palco com a devida reverência. Cantou o sucesso “Samba Meu”, com seu anfitrião, gentilmente, tentando acompanhá-la em português. Mais feliz foi a versão em duo de “Yolanda”, clássico da obra de Milanés, que a platéia identificou de cara e voltou a aplaudir durante o solo de violino.

“Viva Cuba!”, festejou Maria Rita antes de sair de cena. Para terminar a apresentação, no mesmo tom intimista de antes, Milanés recordou ainda duas canções mais antigas: a dançante “Son para Despertar una Negrita” (dedicada à sua filha) e a nostálgica “Años”.

Mas foi mesmo um verso de “Tristesse”, a bela canção de Milton Nascimento interpretada com emoção por Milanés e Maria Rita, que melhor sintetizou esse encontro da música cubana com a brasileira: “Pára de fingir que não sou parte do seu mundo”. Que venham outros encontros como esse.

(texto publicado na “Folha de S. Paulo”, em 24/09/2010, sobre show realizado em 22/09)



            

 

8º Tudo é Jazz: festival de Ouro Preto promove tributo a Billie Holiday

|



O cinquentenário da morte de Billie Holiday (1915-1959), maior cantora de jazz de todos os tempos, será lembrado em alto estilo, na cidade histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais. Destaque da 8ª edição do festival Tudo É Jazz (de 18 a 20 de setembro), o concerto-tributo vai contar com os vocais de Madeleine Peyroux, assumida discípula de Billie, e da carioca Mart’Nália. Elas serão por uma banda de figurões do gênero, que inclui o baixista Ron Carter, o guitarrista Bucky Pizzarelli e o pianista Mulgrew Miller. Os arranjos são assinados pelo pianista e maestro israelense Oded Lev-Ari

Outros nomes de prestígio na cena do jazz estarão no elenco desse festival mineiro, como o grupo do baixista israelense Avishai Cohen, a Paris Jazz Big Band e o acordeonista francês Richard Galliano, este ao lado dos brasileiros Hamilton de Holanda e Jaques Morelembaum. O elenco destaca ainda os grupos de dois talentosos brazucas radicados em Nova York: o baterista Duduka da Fonseca e o baixista Leonardo Cioglia.

Considerado um dos melhores eventos do gênero no país, o Tudo É Jazz tem uma fórmula irresistível: combina música de alta qualidade com o charme das ladeiras e igrejas barrocas de Ouro Preto. Depois de perder seu principal patrocinador, neste ano marcado pela crise econômica, o Tudo é Jazz assume um novo formato nesta edição: todos os shows serão ao ar livre e gratuitos.

(publicado parcialmente na revista “Homem Vogue”, nº 25)

New Orleans: a volta por cima de uma cidade que vive em clima de festa

|


A proximidade do 7º Bourbon Street Fest, que começa no dia 15, em São Paulo (a programação completa está disponível no site do festival), me fez lembrar do show de encerramento, em 2005.
Naquele domingo ensolarado, já se sabia que New Orleans corria um grande perigo, por causa da iminente aproximação do furacão Katrina. Não foi por outra razão que, ironicamente, em meio à música festiva que cantores e instrumentistas da cidade exibiram no palco instalado à frente do Bourbon Street Music Club, era possível sentir uma certa preocupação no ar.

Muitos daqueles artistas nem conseguiram voltar para New Orleans, no dia seguinte. A tragédia desencadeada pelo Katrina é conhecida e deixou sequelas das quais a cidade ainda não se livrou, especialmente em suas áreas periféricas.
Dezenas de milhares de habitantes não retomaram suas casas até hoje, seja por falta de condições econômicas ou de auxílio do Estado norte-americano.

Por outro lado, o Jazz & Heritage Festival, um dos pilares do turismo da cidade, voltou a atrair as grandes multidões que costumavam frequentá-lo antes do Katrina. Não importa que o evento esteja recorrendo hoje a figurões do rock, como Jon Bon Jovi ou Robert Plant, para inflar suas bilheterias. Um festival tão eclético e gigantesco não corre o risco de se descaracterizar por meia dúzia de atrações mais apelativas.

O texto que vou postar em seguida foi escrito quatro anos atrás, ainda sob o impacto da tragédia provocada pelo Katrina. Fico satisfeito por ter conseguido
vislumbrar, naquele momento de dor e tristeza, que os artistas e moradores comuns de New Orleans teriam força suficiente para enxugar as lágrimas e dar a volta por cima.


UMA CIDADE CAPAZ DE DANÇAR EM SEU ENTERRO

Quem teve a sorte de conhecer Nova Orleans sabe que, além da impressionante diversidade musical que a cidade transpirava a cada esquina, ali também havia um ambiente especial. Sem a sisudez de outras cidades dos Estados Unidos, Nova Orleans cativava pela descontração, pelos sorrisos freqüentes que se viam tanto nas ruas do turístico French Quarter, como entre os edifícios do Central Business District.

Na verdade, nem seria preciso ir até à cidade para se captar essa atmosfera. Basta ouvir algum dos vários gêneros musicais cultivados ali, seja o rhythm & blues, o funk, o gospel, o zydeco ou o jazz das bandas de metais, todos eles marcados por uma carga de alegria que praticamente seduz o ouvinte, levando-o a sorrir ou mesmo dançar. Não era à toa que, até a chegada do furacão, qualquer dia era dia de festa, nas ruas, bares e clubes noturnos da capital musical da Louisiana.

Dois anos atrás, recém-chegado à cidade para cobrir mais uma vez o gigantesco New Orleans Jazz & Heritage Festival, evento que levava anualmente cerca de 500 mil pessoas ao Fair Grounds (o hipódromo local), tive a sorte de presenciar um dos rituais mais originais e característicos da cultura de Nova Orleans.

Ao cruzar a Canal Street, a longa avenida que se estende do rio Mississipi ao lago Pontchartrain, encontrei um ruidoso cortejo. Centenas de pessoas, incluindo grandes astros da música local, como os cantores Dr. John, Irma Thomas e Deacon John, desfilavam pela avenida, numa homenagem ao veterano guitarrista Earl King, mestre do blues de Nova Orleans, que morrera na véspera.

Celebração
Animada pelo som estridente dos trompetes e trombones das bandas Rebirth Brass Band e Young Men Olympian Junior Benevolent, incluindo alguns índios do Mardi Gras (o Carnaval local), a procissão prosseguiu por outras ruas da cidade, em direção ao Armstrong Park. Fechando o cortejo, dentro de uma carruagem negra puxada por cavalos, vinha o caixão do saudoso bluesman. Porém, em vez de lágrimas e olhares tristes, o que se via era uma celebração festiva, com os seguidores dançando e cantando pelas ruas. Alguns até portavam sombrinhas coloridas, além de grandes fotos do homenageado.

Rituais como esse, que pouco tinham a ver com as compenetradas tradições britânicas, eram bastante comuns em Nova Orleans já no século 19. Trata-se, segundo antropólogos e historiadores, de uma espécie de sincretismo, que teve origem em rituais e práticas semelhantes existentes em algumas regiões da África e da Europa.

Assim como algumas expressões musicais bem características de Nova Orleans, esse festivo ritual funerário reforça as diferenças culturais que a cidade revela frente ao resto dos Estados Unidos. Para isso contribuiu sua formação étnica e social. Uma das cidades mais cosmopolitas do mundo, New Orleans tornou-se um borbulhante caldeirão cultural graças às contribuições de franceses, espanhóis, ingleses, irlandeses, eslavos, italianos, gregos e cubanos, além, é claro, dos africanos que chegaram até ali na condição de escravos.

O ambiente cosmopolita que já dominava a cidade, no final do século 19, explica seu distanciamento da conservadora doutrina luterana que proliferou pelo resto do país. Em Nova Orleans, graças ao contato direto entre negros e brancos, a música e a dança integravam a vida social. O prazer era visto como algo saudável e legítimo.

Incubadora do jazz
Traços culturais como esses também ajudam a explicar o papel essencial que Nova Orleans desempenhou na gestação do jazz. Hoje já se sabe que chamá-la de “berço do jazz” é um exagero que virou senso comum, mas não há dúvida de que a cidade desempenhou o papel de grande incubadora nessa criação musical.

Tendo isso em mente, ao ver hoje as tristes imagens de uma Nova Orleans submersa e devastada, penso que nem tudo está perdido. Essa cidade tão original e criativa existiu até hoje graças às pessoas, especialmente os artistas que ali nasceram e trabalharam, relacionando-se de uma forma inédita naquele país, em meio a contexto cultural e racial muito particular.

Lembrando da alegria sonora de John Boutté, Ivan Neville, Davell Crawford, Terrance Simien e Corey Henry, músicos de Nova Orleans que se apresentaram aqui em São Paulo, no último domingo (ironicamente, horas antes de verem sua cidade ser destruída), torço para que, enxugadas as lágrimas, eles e seus conterrâneos sejam capazes de cantar e dançar no aparente enterro de sua cidade. E que usem a animação de sempre para fazê-la reviver.

(Artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, em 4/09/2005)


 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB