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Kastrup: utopia poética inspira 'Ponto de Mutação', ambicioso álbum do percussionista

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O momento não poderia ser mais apropriado. Às vésperas da tragédia que vem sendo anunciada pelas pesquisas eleitorais, o percussionista, produtor e compositor Guilherme Kastrup lançou ontem, com show no Sesc Pompeia, em São Paulo, o ambicioso álbum “Ponto de Mutação”.

Para veicular essa obra musical de essência filosófica e experimental, Kastrup evitou o tradicional formato do CD. Ao abrir a caixinha plástica que embala o suposto disco, você encontra um encarte com um texto sobre o projeto, a ficha técnica das gravações e um QR code que dá acesso a um hotsite na internet. Nele, uma espécie de mapa orienta a audição das nove faixas do álbum, incluindo informações sobre os músicos que participaram das gravações.

Kastrup antecipou o lançamento de seu álbum com o single-clipe “Reaction” (veja abaixo), no qual faz uma reflexão sobre a decadência política e econômica da humanidade e as crescentes reações de movimentos sociais pelo mundo. Samples das vozes dos pensadores norte-americanos Noam Chomsky e Malcolm X misturam-se a um explosivo e violento painel de cenas de manifestações públicas e repressão policial, incluindo o Brasil.

Segundo o compositor e percussionista (na foto abaixo), conceitualmente, sua obra “parte do caos de nossos dias para uma virada da nova era. O início é a constatação do colapso do ideal capitalista”. Inspirado pelo livro homônimo do físico e ambientalista austríaco Fritjof Capra, Kastrup desenvolve nas composições de “Ponto de Mutação” a ideia de que nossa civilização deixará de ser comandada por paradigmas masculinos, como a competição e o individualismo, para ser regida pela égide feminina, que valoriza a solidariedade, a sensibilidade e o afeto. 


O projeto começou a ser realizado em 2016, quando Kastrup convidou diversos parceiros, como o guitarrista Kiko Dinucci, o saxofonista Marcelo Monteiro ou o acordeonista Ricardo Prado, para sessões de improvisação livre. Utilizando o recurso da colagem, ele usou esse material sonoro como base para as composições do álbum, cujas gravações contaram, numa segunda fase, com outras contribuições improvisadas, tanto de vocalistas (Alessandra Leão, Ná Ozzetti, Elza Soares, Lenna Bahule, Arícia Mess), como de instrumentistas (o violonista Swami Jr., o clarinetista Alexandre Ribeiro e o flautista Henrique Albino).

Como seria quase impossível contar com os 25 músicos que participaram do álbum, Kastrup reuniu um elenco mais compacto para o show de lançamento: Ricardo Prado (acordeon e teclados), Rafa Barreto (sampler e guitarra), Marcelo Monteiro e Henrique Albino (sopros), além de Alessandra Leão e Ná Ozzetti (vocais). Sem falar nas projeções e na iluminação de Anna Turra, que contribuíram para levar ao palco um pouco da atmosfera do álbum.

“Me deixei conduzir pela inspiração desta bela ideia poético-filosófica para construir o roteiro sonoro-imagético que resultou nesta obra. Este meu ‘Ponto de Mutação’ é um Oxalá musical para que essa profecia se realize”, diz Kastrup, no texto de apresentação do álbum. Tomara mesmo. Mais do que nunca, no Brasil de hoje, precisamos de uma utopia para encarar os próximos anos.






Funarte Musical: programação especial comemora 40 anos da Sala Guiomar Novaes

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                                                 A banda paulistana Isca de Polícia abre série de shows na Funarte SP

Quem acompanhou a cena musical de São Paulo durante os anos 1980 e 1990 sabe que a Sala Guiomar Novaes desempenhou um importante papel de apoio às novas tendências musicais. Foi nesse palco do complexo cultural da Funarte que artistas da geração conhecida como “vanguarda paulista” – Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e os grupos Rumo, Premê e Língua de Trapo, entre outros – consolidaram suas carreiras musicais.

Comemorando 40 anos de atividades em 2017, a Funarte paulista vai exibir durante este semestre uma série especial de shows de música popular e concertos de música erudita, sempre aos sábados. Entre as atrações programadas estarão artistas que fazem parte da história da Sala Guiomar Novaes e destaques de gerações mais recentes.

A série Funarte Musical 2017 começa no dia 26/8, com o show da Isca de Polícia. A banda paulistana que acompanhava o compositor Itamar Assumpção (1949-2003) acaba de retornar aos palcos para lançar “Isca - Volume 1”, primeiro disco sem a presença de seu inspirador. O projeto inclui no repertório canções de Tom Zé, Zeca Baleiro e Arnaldo Antunes.

O mês de setembro trará uma programação bem eclética. Ex-integrante da banda de Arrigo Barnabé, o trombonista e compositor Bocato exibe fusões de jazz e música brasileira com seu grupo (em 2/9). Na semana seguinte (9/9), o quinteto de clarinetes Sujeito a Guincho mostra que não acredita em fronteiras musicais, misturando choros, sambas e peças da tradição clássica.

A cantora Ná Ozzetti e o compositor e violonista Luiz Tatit relembram divertidas pérolas do repertório do grupo Rumo (em 16/9), além de mostrar canções de fases mais recentes de suas carreiras. No sábado seguinte (23/9), o acordeonista Toninho Ferragutti, que acaba de ser eleito melhor instrumentista do ano pelo Prêmio da Música Brasileira, toca clássicos da música caipira, em duo com o violeiro Neymar Dias.

A programação de setembro termina com o show da banda Quartabê (30/9). Revelação recente da música instrumental brasileira, esse quinteto já gravou dois discos com releituras da obra do maestro e compositor pernambucano Moacir Santos (1926-2006). 



Os shows na Sala Guiomar Novaes incluem também, até dezembro, outros destaques do cenário musical paulistano, como a cantora Fabiana Cozza (28/10), o multi-instrumentista Arismar do Espírito Santo (4/11), a dupla Os Mulheres Negras (18/11; à esquerda, André Abujamra e Maurício Pereira, em foto de Gal Oppido) e a cantora Anelis Assumpção (2/12), além de um espetáculo especial para o público infantil com o grupo Manuí (7/10).

Os apreciadores da música clássica não foram esquecidos na programação do Funarte Musical, que inclui concertos do oboísta Alexandre Ficarelli com o violoncelista Raiff Dantas Barreto (14/10), da pianista Luciana Sayuri (21/10), do trio do pianista Gilberto Tinetti com o clarinetista Luis Montanha e o violoncelista Robert Suetholz (11/11). E ainda um concerto de percussão comandado pelo maestro Ricardo Bologna (25/11).

Feita em parceria com a equipe da Funarte SP, a curadoria da série Funarte Musical 2017 leva as assinaturas do
músico e professor Robert Suetholz e deste jornalista musical, que desde os anos 1980 frequentou bastante a plateia da Sala Guiomar Novaes.

Onde: Sala Guiomar Novaes, na Funarte (Al. Nothmann, 1058, tel. 3662-5177, Campos Elíseos, São Paulo)
Ingressos: R$ 20,00 e R$ 10,00 











Luiz Tatit: compositor revela novas musas e personagens em 'Palavras e Sonhos'

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                                                           O compositor e cantor Luiz Tatit / Foto de Gal Oppido

Só um compositor diverso dos padrões convencionais concluiria seu disco contando como cria as canções. É o que faz Luiz Tatit em “Palavras e Sonhos” (lançamento Dabliú), a canção que empresta o título a seu novo álbum, o sexto individual. “Uso palavras picadas no som /Palavras magoadas de tantas paixões /Palavras idiotas e alguns palavrões”, entoa o cancionista paulistano, detalhando nos versos essa receita pessoal, com o humor e a simplicidade que o identificam.

Trata-se de um tema recorrente na obra desse músico incomum. Líder do grupo Rumo, expoente da chamada vanguarda paulista, na virada dos anos 1970 para os 1980, Tatit revelou por meio de suas canções o conceito do “canto falado”. Além das aulas que ministra na Universidade de São Paulo, paralelamente à carreira artística, ele continua a desenvolver pesquisas na área da semiótica da canção, que já renderam vários livros.

A temática da criação também está presente em “Mais Útil”, canção em troteado ritmo country que abre o disco. Como em outras de suas composições, Tatit inventou personagens pitorescas para tratar da inspiração: a negativa Palmira (“Quando sofre é de mentira / Mas adora suspirar”) e a entusiasmada Elvira (“Quando sofre ela se vira /Seu costume é se inspirar”).

Outros saborosos perfis femininos são delineados em canções do álbum. Em “Diva Silva Reis” (“Muito positiva /Mas só quando quer /Viva Diva Silva /Que mulher!”), num divertido flerte com o brega, o arranjo de sopros cria uma passarela sonora para que a diva idealizada por Tatit possa desfilar pelos versos.

Em “Das Flores e das Dores” (parceria com Emerson Leal), não é apenas uma, mas dez as divas retratadas nos versos sintéticos – quase todas com nomes de flores. Já na sentimental “Estrela Cruel” (“Vem vendaval /Vem cascavel /Faz desse mal /Fonte de mel”), o cantor e pianista Marcelo Jeneci, outro parceiro de Tatit, divide com ele os vocais.

Ainda que seja cantada no masculino pelo próprio Tatit, a letra da canção “Do Meu Jeito” (parceria com Vanessa Bumagny) parece discorrer sobre inseguranças e contradições típicas das mulheres. Mas não falta nesse álbum ao menos um mítico personagem masculino: no descontraído foxtrote “Matusalém” (parceria com Arthur Nestrovski), Tatit imagina como é viver após os cem anos.

Outras canções retomam o tema da inspiração. Já gravada por Ná Ozzetti, a dançante “Musa da Música” (parceria de Tatit com Dante Ozzetti) conta com vocais de Juçara Marçal e da moçambicana Lenna Bahule. A queixosa “Musa Cruza” (“Cruza as coxas e aproveita /Minha musa é musa /Nunca satisfeita”) destaca o arranjo de cordas de Fabio Tagliaferri.

Intérprete essencial para a obra de Tatit desde os tempos do Rumo, Ná assume os vocais em “Planeta e Borboleta”, canção sensível sobre as angústias do cantar. O arranjo de Jonas Tatit (filho do compositor), que também assina a produção musical do álbum, combina violões, guitarra e efeitos eletrônicos.

Também já gravada antes pelo parceiro Zé Miguel Wisnik, “Tristeza do Zé” surge agora com a letra completa, com Tatit dividindo os vocais com Juçara Marçal. Melancolia e beleza, numa canção que envereda pelo universo caipira.

Ao ler o título de “Feitiço da Fila”, os fãs da primeira fase do grupo Rumo podem até imaginar uma resposta ao clássico samba “Feitiço da Vila”, de Noel Rosa. Não, o que se ouve é outra daquelas canções agridoces e reflexivas bem ao estilo de Tatit (“E eu entro na fila outra vez /Só por você /Que deixou o mundo /Melhor do que era /Vivo na fila de espera”). Para um paulistano, é irresistível a ironia desse trocadilho.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 26/3/2016)  


 

Ná Ozzetti e Zé Miguel Wisnik: cantora e compositor celebram 30 anos de parceria

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Foi durante a cerimônia de casamento de Zé Miguel Wisnik com a artista plástica Laura Vinci, em 1985, que Ná Ozzetti interpretou pela primeira vez, em público, algumas canções desse compositor, pianista e professor de Literatura. Começou assim uma parceria que vem produzindo pérolas musicais, buriladas em shows e discos, há 30 anos.

“Ná e Zé”, álbum lançado pela dupla para festejar essas décadas de produtiva convivência musical, reúne 15 canções que Wisnik compôs entre 1978 e 2014. Algumas delas – criadas a partir de versos de Fernando Pessoa, Oswald de Andrade, Cacaso e Alice Ruiz – ainda permaneciam inéditas em discos.

O álbum inclui também novas gravações de canções conhecidas pelos apreciadores das obras de ambos. É o caso da pungente “Subir Mais” (com letra de Paulo Leminski) e da nostálgica “Orfeu”, belas canções de Wisnik incluídas no primeiro álbum solo da cantora (“Ná Ozzetti”, 1988), que até então era conhecida apenas como vocalista do grupo Rumo.

“Canções com muita personalidade”, comenta hoje a intérprete paulista, relembrando que as composições de Wisnik já “soavam redondas, num casamento perfeito entre melodias e letras”.

Essa metáfora pode ser estendida às próprias interpretações da cantora. A voz doce e cristalina de Ná soou, desde o início, como o par ideal, um instrumento perfeito para expressar o lirismo e as melodias emotivas de Wisnik, quase sempre marcados por alguma dose de melancolia.

Outra jóia dos primeiros anos da dupla, “A Olhos Nus” – canção de Wisnik que tanto ele como Ná gravaram em seus discos de estreia – ganhou mais peso sonoro na nova versão, graças às intervenções de guitarras (por Márcio Arantes, que também assina a produção de “Ná e Zé”) e percussão (Sérgio Reze e Guilherme Kastrup).

Entre as inéditas em disco, chama atenção a malemolente “Noturno do Mangue” (composta em 1994 para o espetáculo “Mistérios Gozozos”, de Oswald de Andrade, em montagem do Teatro Oficina), com vocais soturnos de Arnaldo Antunes e um suave arranjo de sopros assinado por Letieres Leite. Inédita até em shows, a encantatória “A Noite” (parceria com Paulo Neves, de 1981) soa como um irresistível mantra.

“Tudo Vezes Dois”, outra nunca antes gravada, foi composta por Wisnik em dezembro de 1986, para comemorar o aniversário duplo de Ná e da cantora Suzana Salles, que o acompanhavam em um show. Ao acrescentar uma nova estrofe à letra (“Quantos sóis e chuvas /tempo que passou /pelo que tu és, pelo que sou /quantas doses duplas /tiros para o gol /quanto choro e quantas horas-show?”), o compositor deu um novo sentido a essa canção.

O álbum termina com a singela “Louvar”, canção composta em 1984 por Wisnik, a partir de um poema de Cacaso. Ná a cantou na cerimônia de casamento que inaugurou a parceria, mas ela jamais fez parte dos shows e discos da dupla.

Numa época em que o cenário da canção brasileira revela uma fase pouco animadora, “Ná e Zé” faz pensar que essa forma musical ainda não perdeu o poder de encantar as pessoas, especialmente quando é feita com vivência e tanta sensibilidade. 

(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 30/5/2015)
 

 

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