Dorival Caymmi: compilação mostra que o compositor é um de seus grandes intérpretes

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Tom Jobim referia-se a ele como “gênio universal”. Na canção-retrato que dedicou a esse mestre da música popular brasileira, Gilberto Gil o chamou de “buda nagô”. Já Carlos Drummond de Andrade destacou, em crônica publicada em 1984, a perenidade da obra desse compositor tão original: “Não há dia seguinte para o cancioneiro Caymmi. A flor que o vento joga no colo da morena de Itapoã não murchou ainda. Murchará um dia? Não creio.”

Cultor da espontaneidade e da síntese, Dorival Caymmi compôs pouco mais de cem canções, em seus 94 anos de vida. Algumas dessas joias musicais só foram concluídas por ele depois de passar anos à espera de uma inspiração definitiva – como o samba-canção “João Valentão”, que levou quase uma década para terminar. Sinal de preguiça no entender de detratores insensíveis, esse fato só revela o grau de perfeccionismo praticado por esse ourives da canção.

Para comemorar o centenário do influente baiano nascido em Salvador, o produtor Carlos Alberto Sion e o músico Henrique Cazes criaram a compilação “Dorival Caymmi 100 Anos”, que reúne em dois CDs um total de 28 faixas. Em meio a intérpretes prestigiosos, como Clara Nunes, Dick Farney ou Elza Soares, além dos talentos dos herdeiros Nana, Dori e Danilo, o próprio Caymmi – talvez o melhor intérprete de suas canções – surge como cantor em 17 gravações.

As faixas não estão organizadas por ordem cronológica, mas a seleção começa justamente com a mais antiga. Gravado em 1939, por Carmen Miranda, o requebrado samba “O Que É Que a Baiana Tem” serviu de veículo para apresentar ao público o então jovem compositor (na época com 25 anos), que dividiu os vocais com a cantora, discretamente, nesse histórico registro.

Algumas faixas depois, na gravação de “Saudade da Bahia” (em 1967), já surge o maduro Dorival, com sua voz grave e dicção perfeita, acompanhado pelas garotas do Quarteto em Cy e uma pequena orquestra. Enfatizando a faceta de intérprete de Caymmi, a compilação inclui também suas versões de dois sucessos de Ary Barroso: o desiludido samba-canção “Risque” e o hoje clássico “Na Baixa do Sapateiro”, ambos gravados em 1958.

Naturalmente, não faltam exemplares das canções praieiras de Caymmi, que o projetaram como um grande compositor de essência popular. “O Mar”, “Promessa de Pescador”, “O Vento (Vamos Chamar o Vento)”, “É Doce Morrer no Mar” e “O Bem do Mar” são ouvidas na voz de seu autor, em gravações originais lançadas no final da década de 1950.

Seus filhos o homenageiam em cinco faixas. Nana imprime emoção ao samba-canção “João Valentão”. Dori empresta seu vozeirão potente à trágica “Sargaço Mar”. Danilo divide com o sambista João Nogueira os vocais em “Fiz Uma Viagem”, um dançante ijexá. Já em um show realizado em 1987, na companhia do pai e dos irmãos, Nana relembra o samba- canção “Só Louco”; finalmente, Danilo e Dori se divertem com a sestrosa receita de “Vatapá”.

Há ainda gravações menos conhecidas, como a versão instrumental do samba-canção “Dora”, com Ary Barroso dedilhando o piano, extraída do inusitado álbum “Ary Caymmi / Dorival Barroso: Um Interpreta o Outro” (1958). Ou a hipnótica gravação de “Cala Boca, Menino”, com sons eletrificados, que João Donato incluiu em seu cultuado álbum “Quem É Quem” (1973).

Tomara que outros projetos voltem a lembrar, neste e nos próximos anos, como Caymmi é uma fonte essencial na cultura musical brasileira.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 26/4/2014)


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