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Música na pandemia: projetos instrumentais em tempos de isolamento

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                                        O músico Walter Areia, no videoclipe "Ensaio sobre a Distância" / Foto de Pedro Escobar

As incertezas em relação ao futuro ainda preocupam bastante os meios musicais de nosso país, cinco meses após a decretação das primeiras medidas de isolamento social – recurso essencial no combate à pandemia. Com o fechamento dos teatros, auditórios, clubes, bares e casas noturnas, os músicos se viram obrigados a enfrentar uma situação inédita e dramática: impedidos de fazer shows, perderam da noite para o dia, literalmente, sua principal fonte de sustento.

Alguns cantores até conseguiram encontrar nas lives, veiculadas pelo YouTube e pelas redes sociais, uma alternativa financeira temporária. Já os instrumentistas – em especial aqueles que utilizam a improvisação como ferramenta de criação instantânea nos palcos – sofreram mais com o distanciamento social. Por ser essencialmente colaborativa, a música instrumental perde muito sem a proximidade física dos parceiros e o calor do público.

Expoente dessa vertente musical, o pianista e compositor paulistano Benjamim Taubkin encara essa situação com um certo humor. “Se, neste momento, o distanciamento social limitou o contato com outros músicos, por outro lado me pôs em contato diário com meu instrumento, como nunca antes na minha vida. Sentindo o benefício, eu brinco: se a pandemia tivesse acontecido na época em que comecei a tocar, teria estudado mais”.

Envolvido com diversos projetos simultâneos durante estes meses de pandemia, Taubkin é um exemplo inspirador de como os músicos têm usado sua criatividade para enfrentar esse período difícil. Dias antes da decretação da quarentena, em março, ele recebeu a notícia do cancelamento de uma turnê que faria por seis países sul-americanos. Como planejava aproveitar os encontros que teria com músicos locais, para colher depoimentos que farão parte de um complemento de seu livro “Viver de Música” (que reúne conversas com músicos brasileiros de várias vertentes), o jeito foi adaptar o projeto à realidade da quarentena.

Taubkin entrevistou músicos como o uruguaio Hugo Fattoruso, a colombiana Lucia Pulido e o venezuelano Otmaro Ruiz, usando aplicativos de videoconferência. Essas conversas vão compor a série “Vivir de Música”, com alguns vídeos já disponibilizados no canal do selo Núcleo Contemporâneo, no YouTube.

“Vidas de músicos têm muitas semelhanças: a paixão, o sonho, a criação. Os artistas que entrevistei são apaixonados pelo que fazem”, comenta Taubkin. “Nesse aspecto, é quase uma família, uma tribo. Nós nos reconhecemos como se houvesse padrões de desenvolvimento, etapas no processo que acontecem a todos, adaptados à realidade local”.





Afeto em forma de música

Também não deixa de ser uma tribo a criativa equipe do projeto A Nossa Música, que a pianista e compositora Júlia Tygel idealizou e coordena com o objetivo de gerar renda para músicos sem trabalho durante a pandemia. Esse projeto oferece um serviço inusitado: os interessados podem encomendar uma música, tanto instrumental como uma canção, pelo valor mínimo de R$ 300, no site do projeto (www.anossamusica.com.br).

Feita a partir de um mote (pode ser um poema, uma foto, a descrição de alguém), a música ou canção será composta e interpretada por dois integrantes de um coletivo de craques e estrelas da cena musical paulistana, como Ricardo Herz, Salomão Soares, Michi Ruzitschka, Daniel Grajew, Fi Maróstica, Louise Wooley, Fabiana Cozza, Vanessa Moreno e Patrícia Bastos, entre outros e outras. A edição dos vídeos com as composições é feita pela cantora Dani Gurgel. Quem indica os autores e intérpretes das futuras músicas é o curador do projeto, Benjamim Taubkin

“O projeto nasceu um pouco como uma brincadeira, uma forma de aproximar os músicos do público e gerar renda nesse período de isolamento, mas rapidamente seu escopo se mostrou muito maior”, avalia Júlia. Depois de contabilizar 60 músicas produzidas em pouco mais de um mês, ela admite que a equipe não esperava por uma demanda tão grande de pedidos. O tempo de entrega das encomendas chegou a ser aumentado, para que os autores pudessem criar com tranquilidade, sem correrem o risco de não cumprir os prazos prometidos.

Júlia considera que seu projeto tem potencial para ir muito além do período de quarentena. “Ele dá oportunidade para os músicos interagirem de uma forma nova e une artistas e público de uma maneira especial. Tem provocado novos encontros entre músicos que já se admiravam de longe, mas nunca tinham trabalhado juntos, resultando em músicas lindas e cheias de afeto”, comenta a coordenadora. “As pessoas que pedem as músicas têm ficado emocionadas ao verem seus sentimentos, memórias ou desejos tomarem a forma de músicas”.




Uma canção sobre a distância

Depois de tantos meses de quarentena e distanciamento social, já é evidente até nas conversas das redes sociais que as pessoas estão bastante carentes de contato pessoal e afeto. Curiosamente, ao abordar esse tema em um recém-lançado single, sua canção “Ensaio Sobre a Distância”, o contrabaixista e compositor pernambucano Walter Areia (ex-integrante da banda Mundo Livre S/A, que vive Portugal desde 2016) enveredou por um caminho um pouco diferente da música instrumental e do jazz que tem praticado nos últimos anos.

Embora já tenha feito parcerias com artistas da cena musical pernambucana, como Juliano Holanda, Monica Feijó ou Cassio Sette, Walter ainda não havia composto sozinho uma canção. “Era um desejo que já estava a me incomodar. Calhou de ser durante essa pandemia, talvez por eu ter mais tempo livre. Não sei ao certo”, admite. “Só sei que encontrei as pessoas certas e achei que fosse o momento certo. Tenho muita vontade de formatar um concerto que una esses dois caminhos: o da canção com o da música instrumental e o jazz”.

Certamente não foi à toa que, para gravar sua bela e emotiva canção, Areia tenha convidado músicos de Portugal e do Brasil. Aos vocais de Mara e à bateria de Joel Silva, ambos lusitanos, ele acrescentou o clarinete e o violão de 10 cordas do paulista Nilson Dourado e o lírico piano do onipresente Benjamim Taubkin. Para retribuir a camaradagem dos parceiros, que fizeram a gravação sem receber cachê, Areia organizou uma campanha de “compra voluntária” no Facebook. Além de ser lançada como single, nas plataformas digitais, “Ensaio Sobre a Distância” também rendeu um videoclipe, dirigido pelo brasileiro Pedro Escobar: 





O adeus do Duofel? Ou um até breve?

Entre tantas mortes, desemprego e outras lamentáveis perdas provocadas pela pandemia também ficará registrado um fato triste para os apreciadores da música instrumental brasileira: o anunciado fim do duo de violões Duofel, uma das parcerias mais longevas e criativas dessa vertente musical. A notícia – confirmada em uma “live” de despedida da dupla, intitulada “The End”, no final de julho – causou surpresa e comoção entre os fãs.

Além de creditar a separação às dificuldades impostas pela pandemia, o violonista Luiz Bueno também observa que, depois de 44 anos tocando com Fernando Mello, é até natural que essa parceria tenha arrefecido. “Nos tornamos adultos, envelhecemos e tomamos rumos diferentes. Fomos perdendo a alegria, elemento químico necessário para uma parceria criativa”, observa o violonista e compositor.

Ainda assim, felizmente, Bueno avisa que a interrupção da parceria não é definitiva. “Não vamos parar de tocar. Quando recebermos um convite, vamos ensaiar e interpretar a nossa obra. A música continua, nossa amizade continua”, diz. De todo modo, os fãs do Duofel não ficarão sem novidades: Bueno lançou em junho seu álbum solo “De Volta à Velha Casa” e Mello também está preparando um projeto solo.





Mesmo abatida pelas drásticas restrições e dificuldades que a pandemia impôs a todos, a resiliente tribo instrumental segue improvisando e criando, sempre em busca de desafios e belezas musicais. A seguir outros álbuns, vídeos e projetos ligados a essa vertente musical que nasceram ou foram lançados durante a pandemia:


"BruMa", de Antonio Adolfo 

Durante a última década, especialmente, o pianista e arranjador carioca tem se superado ano a ano, lançando projetos de música instrumental calcados na linguagem jazzística. Em “BruMa” (selo AAM/Rob Digital), outro álbum brilhante, Adolfo relê com elegância pérolas da obra de Milton Nascimento, ao lado de craques como Marcelo Martins (sax tenor e flauta), Jessé Sadoc (trompete) e Rafael Barata (bateria).




Bebê Kramer, em "Vertical"

“Vertical”, ótimo álbum que o acordeonista e compositor gaúcho Bebê Kramer lançou no final de 2019, rendeu um novo produto. O selo Audio Porto disponibilizou um documentário homônimo, com cenas de bastidores das gravações, que revelam a cumplicidade de Kramer com parceiros no projeto, como o percussionista Armando Marçal, o saxofonista Edu Neves e o contrabaixista Guto Wirtti.




Série de podcasts "Choraço Virtual" 

Podcast em 8 episódios, que narram a história do choro contemporâneo. Idealizada e apresentada pela pandeirista e produtora Roberta Valente, a série aborda as influências que o choro recebeu do maxixe, da valsa e da polca. Também compara os diversos sotaques do choro nas regiões do Brasil. E traça um panorama do gênero em outros países, como o Japão, Estados Unidos, França e Portugal. Estreia 2/9, quartas e sextas, às 21h, no canal de YouTube: https://www.youtube.com/c/Sesc24deMaioYouTube


Álbum de Cristovão Bastos e Rogerio Caetano 

Encontro do conceituado pianista carioca Cristovão Bastos com o goiano Rogério Caetano, mestre do violão de sete cordas. No repertório, a tradição do choro dialoga com a diversidade típica da música brasileira. Destaque para o saboroso “Um Chorinho em Cochabamba” (de Caetano e Eduardo Neves) e o moderno choro “Obrigado Rapha”, homenagem de Caetano ao violonista Raphael Rabello (1962-1995). Lançamento Biscoito Fino.




"Entre Mil... Você", de Daniela Spielman e Sheila Zagury 

Parceiras há duas décadas, a saxofonista Daniela Spielmann e a pianista Sheila Zagury mergulham na obra de Jacob do Bandolim (1918-1969), grande expoente do choro, neste álbum intitulado “Entre Mil... Você” (lançamento Kuarup). Do contagiante choro “Receita de Samba” a uma inusitada releitura da valsa “Santa Morena”, que ganhou um sotaque árabe, a dupla injeta frescor nesse clássico repertório.




"Olayá", de Edu Neves 

Delicioso álbum do saxofonista e flautista, “Olayá” (selo Audio Porto) é um tributo à Cidade Maravilhosa, representada no repertório autoral que vai de diversos estilos de samba à bossa nova e ao funk. Destaque para os inventivos arranjos orquestrais de Neves, como o do samba “Caiu Atirando”, que remete a trilhas sonoras de filmes de ação. Participações de Hamilton de Holanda, Raul de Souza, Zeca Pagodinho e Seu Jorge.




Álbum do Ensemble Choro Erudito 

A formação incomum, com o vibrafone de Ricardo Valverde, o violino de Wanessa Dourado e o contrabaixo de Marcos Paiva, empresta uma sonoridade especial a este trio. Entre o popular e o erudito, o repertório combina conhecidos choros, como “Brejeiro” (Ernesto Nazareth) e “Delicado” (Waldir Azevedo), com peças de Villa-Lobos (“O Trenzinho do Caipira”), Camargo Guarnieri (“Dança Negra”) e Dvorák (“Dança Eslava”). Lançamento Kuarup.




"Solitude", de Flávio Franco Araújo

Pianista, arranjador e produtor paulista, que se dedicou durante décadas à área da publicidade, Araújo decidiu gravar seu primeiro disco: um projeto de piano solo. Autoral, “Solitude” (Azul Music) reúne melodias singelas e introspectivas, inspiradas por episódios pessoais, como a faixa “Flávia Jogando Bola”. “For Bill” é dedicada a um dos ídolos do compositor: o pianista norte-americano Bill Evans (1929-1980).




"Crew in Church", de Joabe Reis 

Se você é um daqueles que criticam a música instrumental por achá-la mais fria ou cerebral do que outros gêneros, vai se surpreender com o primeiro álbum desse talentoso trombonista e compositor capixaba, hoje radicado em São Paulo. A música de Joabe combina os improvisos do jazz e da música instrumental com o balanço e a vibração do funk e do R&B. Tente ficar parado ao ouvir qualquer faixa de “Crew in Church” (selo TFunky Jazz).
Aqui uma entrevista que fiz com Joabe, a convite do Sesc Pinheiros, para o projeto Radar Sonoro:




Álbum de Goio Lima 

A admiração que esse saxofonista, flautista e arranjador paulista demonstra pela música do grande Tom Jobim (1927-1994) é reveladora. Autoral, o repertório de seu primeiro álbum solo inclui composições dedicadas a outros mestres da MPB, como João Donato e Johnny Alf, assim como homenagens aos jazzistas Stan Getz e Charles Mingus. Referências que embasam a consistência musical deste trabalho.




"Sumidouro", de Igor Pimenta 

Conhecido pelas parcerias com Neymar Dias e outros músicos da cena paulistana, o contrabaixista e compositor não deixou por menos. “Sumidouro”, seu primeiro disco solo, surpreende pela arrojada concepção musical, além da diversidade de influências, que vai do Clube da Esquina ao grupo Oregon, passando por Egberto Gismonti, Pat Metheny e até influências do jazz-rock, entre outras. Um disco caleidoscópico que dá vontade de ouvir ao vivo.




"Tempo Sem Tempo", de Joana Queiroz

A clarinetista e compositora carioca, que faz parte do grupo instrumental Quartabê, usa a expressão “sair do caos e olhar para dentro” ao se referir a “Tempo Sem Tempo”, seu quarto álbum solo (lançado pelo selo YB Music, já no auge da pandemia). Música etérea e introspectiva, que reflete este tempo de afastamento social. Participações dos bateristas/percussionistas Mariá Portugal, Domenico Lancellotti e Sergio Krakowski.




Léa Freire, em "CinePoesia" 

A compositora e flautista paulistana inovou ao promover “CinePoesia” (selo Maritaca), seu primeiro álbum que a destaca como pianista. As 12 composições foram lançadas em uma série de “singles” acompanhados por vídeos assinados por Lucas Weglinski, criando assim um diálogo entre os sons e as imagens. “Fazia tempo que eu queria gravar piano-solo, como um desafio pessoal, uma meta a superar”, festeja a multitalentosa Léa.




"De Volta à Velha Casa", de Luiz Bueno 

Finalizado durante a quarentena, com pós-produção de Raul Misturada, este álbum solo do violonista do Duofel nasceu de improvisos (tocar “no fluxo”, como ele costuma dizer). Ao escolher o título “De Volta à Velha Casa” (via selo independente distribuído pela Tratore), Bueno vê este álbum como “uma trilha de cinema, mas sem o filme”. Ela conduz o ouvinte à sua própria experiência de vida, como se voltasse a uma casa, física ou interior.




"Prece", de Noa Stroeter 
O contrabaixista paulistano, que já gravou três discos como integrante do Caixa Cubo Trio, não esconde que as composições de “Prece” (selo Pau Brasil), seu primeiro e promissor álbum solo, têm algo de autobiográficas. A jazzística “Veridiana” e o inusitado “Varanda”, um bolero à Henri Mancini, entre outras faixas, revelam que a cultura musical de Noa é bem mais ampla que a de muitos músicos jovens de sua geração. Ótima estreia.




"Unity", de Paulo Almeida 

O quarto disco do baterista e compositor paulista foi gravado ao vivo, em 2019, no clube de jazz The Bird’s Eye (em Basel, Suíça), durante turnê pela Europa. O quinteto inclui Diego Garbin (trompete), Salomão Soares (piano), Oliver Pellet (guitarra) e Felipe Brisola (baixo). A dramática “From Selma to Montgomery” (composição de Almeida e Pellet) reproduz trecho de um discurso de Martin Luther King. Distribuição Tratore.




Álbum do Shinkansen 

Os craques Toninho Horta (guitarra), Jaques Morelenbaum (cello), Marcos Suzano (percussão) e Liminha (baixo) formaram este supergrupo instrumental, uma década atrás, para se apresentarem no Japão. Sem agenda comum, o projeto ficou interrompido. É retomado agora com o disco do quarteto, que ainda conta com participações especiais de Branford Marsalis (sax), Ryuichi Sakamoto (piano) e Jessé Sadoc (trompete).




(Texto escrito a convite do Sesc SP para o projeto Radar Urbano, com curadoria de Sarah Degelo) 

Goio Lima: uma obra instrumental inspirada nas belezas da moderna música brasileira

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                                                                   O compositor e instrumentista Goio Lima

A experiência de viver durante alguns anos em outro país pode ser reveladora. São frequentes os relatos de artistas que, ao morarem fora de seus países de origem, passaram a valorizar mais sua própria cultura – como muitos brasileiros que só descobriram essa identidade ao se verem na condição de estrangeiros.

O caso do instrumentista e compositor Goio Lima é diferente. O paulista nascido na cidade de Campinas iniciou sua carreira musical em meados dos anos 1980, tocando em grupos de jazz e de música instrumental brasileira, como o Mojave. Também fez parte de bandas pop ou de música afro-cubana, como a Havana Brasil. No entanto, quando decidiu se mudar para a Inglaterra, onde viveu de 2014 a 2018, Goio já somava em seu currículo acadêmico duas décadas de estudos dedicados à música brasileira.

“Ali por 1995, já ao final do meu curso de graduação na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), descobri os discos da Nana Caymmi e me aprofundei na obra de Tom Jobim. Voltei toda a atenção, em minhas pesquisas, para a música brasileira”, observa o saxofonista e flautista, que posteriormente concluiu seu mestrado em música, na mesma universidade paulista.

Já como professor assistente da Universidade Federal de Uberlândia (em Minas Gerais), a partir de 2009, Goio acentuou seu vínculo com a moderna música popular brasileira. Criou a Orquestra Popular do Cerrado – espécie de big band com uma sonoridade mais brasileira, para a qual escreveu arranjos e, como solista e regente, se apresentou com ela ao lado de conceituados artistas da MPB, da bossa nova e da música instrumental brasileira, como João Donato, Toninho Horta, Paulo Jobim e Wagner Tiso.

“Chamei-a de orquestra popular porque sua formação é diferente de uma big band de jazz. Ela soa mais próxima dos arranjos do Luiz Eça e do Eumir Deodato, que usam mais flauta em sol, trompa, clarinete e flugelhorn do que trompetes e saxofones. Privilegia também uma seção rítmica com violão e muita percussão”, analisa o fundador da Orquestra Popular do Cerrado, que criou na mesma linha musical, em 2013, a Orquestra Popular de Araxá – o concerto inaugural contou com participação de Ivan Lins.



Influências e homenagens

A admiração que Goio Lima demonstra pela moderna música popular brasileira, assim como a marcante influência que o jazz exerceu sobre sua obra, chamam atenção nas 19 faixas deste que é seu primeiro disco autoral. Sambas e bossas instrumentais, baladas e valsas de ascendência jazzística, sobressaem neste repertório inédito e de alta qualidade, que também inclui um baião, um frevo e até uma marcha.

Nos arranjos, todos assinados pelo compositor e instrumentista, a opção por um quinteto – com sax e/ou flauta, trompete e/ou flugelhorn, piano, baixo e bateria – tem tudo a ver com o repertório do álbum. Essa é uma formação instrumental que se tornou clássica, tanto durante o nascimento e a consolidação do jazz moderno, assim como nos primeiros anos do samba-jazz.

Bem escolhido para abrir este álbum duplo, o saboroso samba “Um Abraço no Donato” é uma homenagem de Goio a João Donato, pioneiro da bossa nova. O tema se baseia em um fragmento melódico de “Lugar Comum”, uma das jóias musicais do pianista e compositor acreano, que recebeu os conhecidos versos de Gilberto Gil.

Diferentemente de algumas homenagens duvidosas que ouvimos por aí, as composições que Goio dedica a diversos músicos que o influenciaram remetem às obras ou aos estilos musicais dos homenageados. Como o inusitado baião “Mingus no Forró”, dedicada ao irreverente jazzista americano Charles Mingus; a sensível balada “Tema pro Johnny Alf”, inspirada nas líricas composições desse original precursor da bossa; ou o samba “Skateboard”, derivado de “Surfboard”, um dos temas instrumentais mais deliciosos de Tom Jobim.

Aliás, a grande admiração que revela pela obra musical de Jobim (autor de valsas belíssimas, como “Chovendo na Roseira” ou “Valsa do Porto das Caixas”) também explica o especial interesse de Goio por esse clássico gênero musical – algo incomum entre os músicos de sua geração. Belezas como “Sul de Minas” e “Valsa do Natal” destacam-se entre as seis valsas de sua autoria incluídas neste álbum.

Goio também escolheu esse gênero (no caso uma valsa de ascendência jazzística) para homenagear o músico mineiro Nivaldo Ornelas, um dos saxofonistas que mais o influenciaram, em sua composição “Nivaldo, Como Está o Tempo em BH?”. Já o norte-americano Stan Getz, outro grande saxofonista que lhe serviu de modelo, inspirou a delicada balada “Pro Getz”, na linha do “cool jazz”.  


“Sempre admirei no Getz o discurso musical, às vezes bem próximo da fala, assim como sua maneira elegante de tocar uma balada. Aliás, outra grande paixão minha que está bem representada neste CD”, comenta Goio, referindo-se a essa outra clássica forma musical que os músicos do jazz costumam cultivar. As românticas “Uma Rosa pra Fátima Guedes” e “Esperando Maria” certamente vão agradar bastante aqueles que sabem apreciar o lirismo das baladas.

Para quem, como eu, teve a oportunidade de acompanhar em clubes e outros palcos de São Paulo alguns dos trabalhos realizados por Goio Lima, ouvir agora seu primeiro álbum permite perceber como ele evoluiu como artista. Suas composições, seus arranjos e solos reunidos neste CD (capa na foto acima), que refletem sua personalidade musical, traçam a imagem de um instrumentista que fez escolhas, que praticou seus instrumentos e estudou muito, até se tornar um compositor refinado e músico completo. Que venham outros discos e projetos!

(Texto escrito para o encarte do CD "Goio Lima", que já pode ser ouvido nas plataformas digitais. Nas gravações, o saxofonista e flautista tem a seu lado os trompetistas Rubinho Antunes e João Lenhari, os pianistas Edmundo Cassis e Gabriel Gaiardo, o contrabaixista Evaldo Guedes e os bateristas Paulinho Vicente e Jorge Savedra)






 

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