Marcelo Coelho: saxofonista e compositor se divide entre os palcos e o empreendedorismo

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                                                                     O saxofonista e educador musical Marcelo Coelho 

Foi-se o tempo em que um músico profissional podia se dar ao luxo de se preocupar apenas com seu aprimoramento técnico – eventualmente, lecionar ou até seguir uma carreira acadêmica. Hoje, as dificuldades do mercado musical impõem ao artista a necessidade de aderir ao empreendedorismo para viabilizar sua carreira nos palcos.

O saxofonista e compositor Marcelo Coelho encarou esse dilema, em meados desta década. Ao completar seu pós-doutorado em Composição na USP, que sucedeu seu doutorado na Unicamp e o mestrado em Jazz Performance na Universidade de Miami, o mineiro de Itabira (MG) radicado em São Paulo foi convidado a lecionar em várias universidades brasileiras. Decidido a se dedicar mais à sua carreira de instrumentista e compositor, mesmo sem saber ainda se seria possível sustentá-la, declinou os convites.

Coelho vislumbrou um caminho ao assistir a um debate sobre financiamento privado para música. Ali conheceu o engenheiro e músico Thiago Lobão, sócio de um fundo de investimento em agronegócio, que tinha interesse em atuar no mercado musical. Os dois decidiram continuar a conversa e, depois de alguns encontros, esboçaram uma metodologia de organização e planejamento de carreiras musicais. O passo seguinte foi promover workshops gratuitos de capacitação empreendedora para colegas do saxofonista.

Em dezembro de 2016, já como sócios diretores da Acelerarte, uma aceleradora com o intuito de capacitar e conectar músicos a potenciais investidores e parceiros estratégicos, Coelho e Lobão participaram de um painel da SIM (Semana Internacional de Música) – o mesmo evento onde haviam se conhecido, um ano antes, em São Paulo.

“O impacto foi grande”, diz Coelho. “O pessoal da música não estava acostumado a ouvir alguém do mercado financeiro usar uma linguagem tão próxima à linguagem dos músicos. Muita gente nos procurou depois daquele evento – não só artistas, mas também produtores de gravadoras, que queriam que a gente participasse de seus projetos de alguma maneira”.

Já em 2017, para poder suprir a demanda de artistas interessados e para que os diretores da empresa pudessem continuar a trabalhar em suas atividades principais, a Acelerarte passou a contar com mais um sócio: Silvio Junqueira, recém-saído do mercado financeiro. Naturalmente, Coelho se tornou o primeiro “case” da aceleradora. “Agora já estou conseguindo viabilizar minha carreira musical, por meio de captação de recursos, com organização e planejamento de equipe”, comemora o músico.

Segundo Coelho, cerca de 500 artistas e produtores (incluindo nomes conhecidos na cena musical paulista, como a cantora Vanessa Moreno, o violonista Gian Corrêa e o pianista Leandro Cabral) participaram das sessões de capacitação empreendedora que a Acelerarte tem realizado em diversos locais do país. Com o tempo, a empresa passou também a organizar eventos dirigidos a investidores.

“Ainda estamos tateando nesse trabalho de busca de investidores, porque essa atividade é muito nova”, admite Coelho. “Há investidores que só se interessam em atuar como mecenas, eventualmente, mas o nosso objetivo é contar com investidores fidelizados. Alguns deles praticamente não se interessam pelo retorno financeiro: são investidores mais atraídos pelo impacto cultural do trabalho de um artista”.

Quem ouve Coelho falar como empreendedor sobre os objetivos de sua empresa, sem conhece-lo ainda como artista e educador, dificilmente consegue imaginar o arrojo de sua obra musical. A gênese das pesquisas que ele desenvolve há cerca de duas décadas está no livro “Suíte I Juca Pirama” (lançado em 2013 pela editora Fames), baseado na tese de doutorado que defendeu na Unicamp, em 2008.

Nesse projeto, ele propõe um sistema de composição musical a partir de pesquisas desenvolvidas por dois músicos educadores que o influenciaram diretamente: os estudos polirrítmicos de José Eduardo Gramani e a harmonia modal aplicada ao jazz por Ron Miller. Para pôr em prática esses conteúdos, Coelho utilizou o poema “I-Juca Pirama”, do poeta romântico e teatrólogo Gonçalves Dias (1823-1864).

“Inicialmente, o que despertou minha atenção nesse poema foi sua imagética. Ao contar a história de um índio, ele funcionava como um filme para mim. Só mais tarde fui entender que o mais interessante estava na rítmica dos versos”, conta o pesquisador. Ao desenvolver uma técnica para extrair ritmos da construção dos versos do poema, que resultaram em uma partitura, Coelho criou um sistema de composição que pode ser aplicado a qualquer gênero musical.

Um conceituado jazzista que logo percebeu a originalidade desse projeto foi o saxofonista e compositor Dave Liebman. Coelho o conheceu quando ainda concluía seu mestrado, em Miami, ao frequentar um curso de férias ministrado pelo americano. “Liebman me disse que o que eu estava fazendo ainda era muito disruptivo. Minhas músicas eram intensas demais, mas na opinião dele isso era típico de um compositor em formação. Eu ainda não tinha encontrado a dosagem certa, mas o conteúdo estava pronto”, relembra o brasileiro.

A relação entre Coelho e Liebman evoluiu e os dois já chegaram a dividir o palco algumas vezes, como no Festival Amazonas Jazz de 2012, em Manaus, quando tiveram a companhia do violonista e compositor carioca Guinga. “Não me contento em ficar dentro do idioma jazzístico. Sei fazer e faço quando necessário, mas esse não é o meu perfil musical”, reflete Coelho. “Estou bem próximo da linha de improvisação do Liebman, que me impactou, não no conteúdo, mas no conceito”.

Se até agora as composições e os oito álbuns assinados por Coelho ainda circulam entre plateias e ouvintes de jazz e música instrumental, o saxofonista empreendedor está prestes a lançar um projeto que pode ampliar bastante o seu público. No final de 2018, ao aplicar seu sistema de composição a um poema do rapper paulista Crônica Mendes, Coelho logo percebeu o potencial dessa parceria. Os dois já estão preparando a gravação de um disco, com produção do DJ Raffa, curiosamente, filho do compositor de música contemporânea e regente Cláudio Santoro (1919-1989).

“Esse projeto pode chamar até a atenção de investidores de impacto, porque ele tem legitimidade social e artística”, anima-se o saxofonista, que promete convidar o parceiro rapper para participar de seu próximo show com o grupo McLav.In, no dia 7/5, no clube paulistano Bourbon Street. “Nosso público é misturado, mas tende a ser gente que gosta de inovação tecnológica e de música intensa, pessoas que querem viver uma experiência estética. Como fazemos um som transgressor, de certa maneira, a turma mais jovem é a que embarca primeiro”.

Marcelo Coelho & McLav.In

Dia 7/5, às 21h30, no Bourbon Street Music Club (rua dos Chanés, 127, tel. 5095-6100, Moema, São Paulo). Couvert artístico: R$35. Com 
Saulo Martins (piano), Glécio Nascimento (baixo) e Abner Paul (bateria)

(Texto publicado em 3/5/2019, no caderno de cultura do jornal "Valor Econômico") 

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