Ornette Coleman (1930-2015): compositor e saxofonista ampliou os horizontes do jazz

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O jazz perdeu um de seus grandes revolucionários. O compositor e saxofonista Ornette Coleman morreu aos 85 anos, na manhã desta quinta-feira (11/6), em Nova York. Segundo sua família, a causa da morte foi uma parada cardíaca.

Foi nessa mesma cidade, em novembro de 1959, que Coleman começou a chamar atenção na cena do jazz. Suas apresentações no clube Five Spot, no bairro boêmio de Greenwich Village, dividiram as plateias e os críticos da época. Para alguns, tratava-se de um gênio, um visionário. Outros o acusaram de ser um charlatão que não dominava a linguagem musical.

Nem mesmo Charlie Parker (1920-1955) ou Thelonious Monk (1917-1982) – expoentes do bebop, estilo que modernizou o jazz na década de 1940 – causaram tamanha polêmica nos meios jazzísticos, como Coleman.

A inovadora concepção musical daquele tímido texano, nascido em 9 de março de 1930, na cidade de Fort Worth, praticamente derrubou um dos pilares do jazz: a harmonia. Os improvisos de seu quarteto deixaram de se basear nas sequências de acordes de clássicos da canção norte-americana – os chamados “standards”.

“Como Ornette me disse, você pode pegar qualquer canção conhecida e tocar a partir da inspiração trazida por ela. Pode espontaneamente criar uma nova estrutura de acordes enquanto você toca”, explicou mais tarde o contrabaixista Charlie Haden (1937-2014), um de seu discípulos mais criativos, que começou a acompanha-lo em 1957.

Filho de um trabalhador na construção civil e uma vendedora de cosméticos, Ornette foi o quarto filho de um casal que valorizava muito a religião. Apesar das dificuldades que enfrentou no período da Grande Depressão (a crise econômica que assolou os EUA a partir de 1929), a humilde família não chegou a passar fome.

Para obter seu primeiro saxofone, ainda adolescente, Ornette precisou trabalhar: engraxou sapatos, raspou tinta de paredes, foi até ajudante de garçom. Sem dinheiro para pagar um professor de música, usava os ouvidos para reproduzir músicas que escutava no rádio.

A falta de ensino formal lhe rendeu alguns vexames, inicialmente, mas isso não diminuiu sua vontade de seguir adiante, convencido que poderia tocar o saxofone a seu modo. “Se você domina um instrumento e consegue senti-lo de maneira a ser capaz de expressar a si mesmo, ele se torna sua própria lei”, refletiu mais tarde.

Seu espírito inventivo foi confirmado, em dezembro de 1960, ao liderar uma das gravações mais radicais na história desse gênero musical. Para as sessões que resultaram no álbum “Free Jazz” (selo Atlantic), idealizou uma inusitada formação: dois quartetos que improvisariam livremente, lado a lado.

Exceto por uma espécie de vinheta que sinalizava a transição de um solo para outro, os oito músicos não tinham que seguir convenções: não havia uma melodia, um ritmo regular, nem mesmo uma sequência de acordes para orientar os improvisos. Liberdade total para criar música de forma coletiva.

Já na década de 1970, Coleman cunhou o termo “harmolodics” (fusão de harmonia e melodia), que sintetiza sua filosofia libertária. Avesso às hierarquias na linguagem musical, ele pretendia, em suas próprias palavras, “remover o sistema de castas na música”.

Em 2005, num depoimento à revista “Down Beat”, ele definiu muito bem sua atitude musical. “Em toda música que escrevo eu sempre dou às pessoas que estão tocando comigo o privilégio de acrescentar algo. Não penso em mim como um líder; eu me vejo como alguém que compartilha”.

Diferentemente de outros jazzistas libertários de sua época, como os saxofonistas John Coltrane (1926-1967) e Albert Ayler (1936-1970), Coleman viveu o suficiente para ver sua música apreciada por gerações posteriores. Foi homenageado pelos principais festivais de jazz, especialmente na Europa, onde sua música sempre foi mais prestigiada do que em seu próprio país.

Em 2007, recebeu até um inusitado prêmio Grammy, por suas realizações ao longo da vida. Uma ironia, tratando-se de um músico que jamais se preocupou em buscar o sucesso fácil, muito menos frequentar os “hit parades” tão valorizados pelo Grammy.

(Colaboração para a “Folha de S. Paulo”, publicada hoje)

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