Foi
durante a cerimônia de casamento de Zé Miguel Wisnik com a artista plástica
Laura Vinci, em 1985, que Ná Ozzetti interpretou pela primeira vez, em público,
algumas canções desse compositor, pianista e professor de Literatura. Começou
assim uma parceria que vem produzindo pérolas musicais, buriladas em shows e
discos, há 30 anos.
“Ná
e Zé”, álbum lançado pela dupla para festejar essas décadas de produtiva
convivência musical, reúne 15 canções que Wisnik compôs entre 1978 e 2014.
Algumas delas – criadas a partir de versos de Fernando Pessoa, Oswald de
Andrade, Cacaso e Alice Ruiz – ainda permaneciam inéditas em discos.
O
álbum inclui também novas gravações de canções conhecidas pelos apreciadores
das obras de ambos. É o caso da pungente “Subir Mais” (com letra de Paulo
Leminski) e da nostálgica “Orfeu”, belas canções de Wisnik incluídas no
primeiro álbum solo da cantora (“Ná Ozzetti”, 1988), que até então era
conhecida apenas como vocalista do grupo Rumo.
“Canções
com muita personalidade”, comenta hoje a intérprete paulista, relembrando que
as composições de Wisnik já “soavam redondas, num casamento perfeito entre
melodias e letras”.
Essa
metáfora pode ser estendida às próprias interpretações da cantora. A voz doce e
cristalina de Ná soou, desde o início, como o par ideal, um instrumento
perfeito para expressar o lirismo e as melodias emotivas de Wisnik, quase
sempre marcados por alguma dose de melancolia.
Outra
jóia dos primeiros anos da dupla, “A Olhos Nus” – canção de Wisnik que tanto
ele como Ná gravaram em seus discos de estreia – ganhou mais peso sonoro na
nova versão, graças às intervenções de guitarras (por Márcio Arantes, que
também assina a produção de “Ná e Zé”) e percussão (Sérgio Reze e Guilherme
Kastrup).
Entre
as inéditas em disco, chama atenção a malemolente “Noturno do Mangue” (composta
em 1994 para o espetáculo “Mistérios Gozozos”, de Oswald de Andrade, em
montagem do Teatro Oficina), com vocais soturnos de Arnaldo Antunes e um suave
arranjo de sopros assinado por Letieres Leite. Inédita até em shows, a
encantatória “A Noite” (parceria com Paulo Neves, de 1981) soa como um
irresistível mantra.
“Tudo
Vezes Dois”, outra nunca antes gravada, foi composta por Wisnik em dezembro de
1986, para comemorar o aniversário duplo de Ná e da cantora Suzana Salles, que
o acompanhavam em um show. Ao acrescentar uma nova estrofe à letra (“Quantos
sóis e chuvas /tempo que passou /pelo que tu és, pelo que sou /quantas doses
duplas /tiros para o gol /quanto choro e quantas horas-show?”), o compositor
deu um novo sentido a essa canção.
O
álbum termina com a singela “Louvar”, canção composta em 1984 por Wisnik, a
partir de um poema de Cacaso. Ná a cantou na cerimônia de casamento que
inaugurou a parceria, mas ela jamais fez parte dos shows e discos da dupla.
Numa
época em que o cenário da canção brasileira revela uma fase pouco animadora,
“Ná e Zé” faz pensar que essa forma musical ainda não perdeu o poder de
encantar as pessoas, especialmente quando é feita com vivência e tanta sensibilidade.
(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 30/5/2015)
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