Hermeto, Nenê e Arismar: reencontro na Virada Cultural foi prejudicado por som deficiente

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A longa fila em torno do Theatro Municipal, por volta da meia-noite do sábado, sinalizava uma das atrações mais disputadas da Virada Cultural. Só o carisma de Hermeto Pascoal, que completa 79 anos hoje (22/06), já seria suficiente para atrair tanta gente. Melhor: o “bruxo” alagoano iria comandar, minutos depois, um trio de gigantes da música instrumental que poucos viram tocar no Brasil.

Ele, o baixista paulista Arismar do Espírito Santo e o baterista gaúcho Nenê (antigo parceiro de Hermeto, nos anos 1960 e 70) formaram esse trio em 1993, para realizar uma turnê de 40 shows pela Europa. Ainda chegaram a fazer alguns shows pelo Brasil, em 1995, mas desde então não tocaram mais juntos, nem gravaram um disco.

A plateia que ocupou aos gritos, num instante, as 1500 poltronas do Municipal, não reclamou dos 35 minutos de atraso. Como se estivesse em um estádio de futebol, parte dela se divertiu fazendo “olas”. E ao ver Hermeto entrar no palco, ovacionou o craque dos mil instrumentos como um campeão.

Dois dias antes do show, ao se referir à música de Hermeto, o bem humorado Arismar cunhou uma expressão que também soa bem apropriada para sintetizar o que o trio ofereceu à plateia: “dinamite com dinâmica”.

Explosões criativas pipocaram durante todo o show, que começou com uma carinhosa citação de Hermeto em homenagem à cidade: “Êh São Paulo” (sucesso da dupla caipira Alvarenga e Ranchinho), seguido pelo clássico samba “Na Baixa do Sapateiro” (de Ary Barroso).

Durante a elástica releitura da bossa “Wave” (Tom Jobim), esticada por “scats” (vocalizações sem palavras) de Arismar, os sorrisos e caretas do baixista sinalizavam as liberdades que Hermeto tomou com a harmonia dessa canção, em seus improvisos.

“Este trio é muito lindo porque não gosta de ensaiar”, divertiu-se Hermeto, referindo-se aos dois parceiros, em um de seus costumeiros repentes. Também elogiou o talento do baixista Thiago do Espírito Santo, filho de Arismar, que entrou de surpresa no palco, para uma “canja”.

Pena que um incômodo ruído, no sistema de som do palco, tenha prejudicado parte da apresentação. Graças a ele, a plateia foi impedida de ouvir a bela versão da balada “Round Midnight” (de Thelonious Monk), que Hermeto esboçou e logo interrompeu, visivelmente irritado.

Não voltou a tocá-la, mas exibiu todo seu lirismo, minutos depois, em uma delicada releitura da jazzística “Autumn Leaves”. Para alegria geral, também relembrou clássicos de sua obra, como “Bebê” e “Chorinho Pra Ele", em versões cheias de rupturas melódicas, assim como o samba “Trem das Onze”, do paulista Adoniran Barbosa – revitalizados pela inventiva condução rítmica de Nenê.

Talvez a frustração provocada pela sonorização deficiente explique o fato de o trio ter feito um show relativamente curto para os padrões de Hermeto – cerca de 70 minutos, incluindo o bis, com o samba “O Morro Não Tem Vez” (Jobim e Vinicius de Moraes).

Não chegou a ser um show histórico, como se esperava, mas quem sabe seja um recomeço para um trio de músicos tão brilhantes, que poucos ouviram tocando juntos.


(Texto publicado parcialmente na "Folha de S. Paulo", em 22/06/2015)

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