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Acorde Brasileiro: evento em Porto Alegre (RS) incentiva as músicas regionais

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Como as diversas músicas regionais brasileiras podem enfrentar a concorrência desleal dos “sucessos” forjados pela globalizada indústria do entretenimento? É possível viver de música sem se dobrar às imposições do mercado? Como anda o ensino musical nas escolas de nosso país?

Questões como essas foram discutidas, no último final de semana, em Porto Alegre (RS), durante a sexta edição do Acorde Brasileiro - Encontro Nacional de Músicas Regionais. O evento promoveu debates e oficinas com especialistas, além de oferecer uma programação gratuita de shows com artistas e grupos musicais de diversas regiões do país.

“Hoje nós ouvimos a pior música do mundo”, disse o maestro Júlio Medaglia, referindo-se à baixíssima qualidade da música que circula pela grande maioria das rádios e TVs, durante uma mesa redonda -- que inaugurou o evento, na quinta-feira (7/05) -- dedicada à discussão de perspectivas para o ensino musical. Esse debate foi mediado pela pianista e educadora gaúcha Bethy Krieger.

Medaglia lembrou que o compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959) dizia que é preciso educar as pessoas para que elas possam lidar com a música fabricada pela indústria cultural. O maestro paulista comentou também que conheceu em Budapeste, na Hungria, um estudo científico que concluiu que o ensino musical pode resultar em uma melhora de 30% na capacidade geral de aprendizagem dos alunos.

No mesmo debate, que também contou com a participação do maestro gaúcho Evandro Matté e do educador catarinense Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo, foram relatadas experiências de sucesso na área do ensino musical, como o projeto Fábrica de Gaiteiros, comandado pelo acordeonista gaúcho Renato Borghetti, ou o projeto Viola na Escola, idealizado pelo violeiro mineiro Chico Lobo, que vem sendo desenvolvido na área rural de São João del-Rei (MG). 


A programação da sexta-feira destacou palestras de dois especialistas em música popular, seguidas por um debate com a plateia. Com mediação do jornalista e crítico musical mineiro Kiko Ferreira, o tema “Influências das raízes populares na cultura musical brasileira” foi abordado com bom humor e sem preconceitos musicais pelo escritor e produtor carioca Haroldo Costa, que questionou o próprio título do debate.

“Música não tem raiz. Tom Jobim dizia que quem tem raiz é a mandioca”, ironizou, observando que o fato de se aderir a alguma manifestação musical de origem estrangeira -– como o hip hop ou o funk –- não é, necessariamente, nocivo à nossa cultura. “A gente recebe essas coisas, digere e expele o que não interessa”, disse Costa, parafraseando o escritor modernista Oswald de Andrade (1890-1954).

Em seguida, com mediação do músico paraibano Marcelo Melo (integrante do Quinteto Violado), o pianista e produtor paulista Benjamim Taubkin abordou o tema “Como viver de música, diálogos com artistas brasileiros”, reportando-se a entrevistas com músicos de diversos gêneros e regiões do país, que reuniu em seu livro “Viver de Música”, publicado em 2012. O público-alvo dessa obra, segundo ele, é o “adolescente que está saindo da escola, sem saber o que fazer”. 


"Nada é seguro, hoje, no mundo. Cada vez mais você tem menos bases estabelecidas para construir sua vida. Até um sujeito que teve a chance de estudar para ser médico pode não ter um bom salário hoje”, observou Taubkin, contando que ao se decidir pela carreira musical teve de conviver com a ideia da impossibilidade de realizar projetos nessa área, assim como enfrentar dificuldades para poder viver dedicando-se apenas à música.

Ainda na década de 1980, quando já era um pianista conhecido nos meios musicais por acompanhar cantores e outros instrumentistas, Taubkin percebeu que não ganhava tanto quanto esse colegas de profissão. “Por isso, resolvi assumir a produção do meu trabalho”, relembrou o músico que, em 1996, criou com três colegas a gravadora e produtora Núcleo Contemporâneo, uma das mais conceituadas na área da música instrumental brasileira.

“Acho insuportável o músico que só fica reclamando. Precisamos aproveitar as oportunidades que recebemos”, afirmou Taubkin. “A música abriu para mim a possibilidade de conhecer o mundo, de conhecer os palácios e as favelas. Isso foi um privilégio”, enfatizou o pianista, que inaugurou em São Paulo, em 2011, a Casa do Núcleo –- misto de casa de espetáculos e centro cultural. 


Em seguida, já durante o debate aberto à plateia do Teatro Dante Barone, Taubkin criticou a baixa qualidade da música veiculada hoje, de maneira geral, tanto no mercado musical brasileiro, como no mercado internacional. “Desde que os produtores assumiram a direção da indústria musical, o jogo mudou. Hoje temos o mesmo hamburger sendo vendido em todos mercados”, disse, comparando a globalização da música pop com a chamada fast food.

“Cada ato nosso como consumidores é um ato político”, disse o jornalista e curador Kiko Ferreira, referindo-se à sua experiência como diretor artístico da recém-desativada rádio Guarani FM, de Belo Horizonte (MG), conhecida pela programação musical de alta qualidade. Entre as causas para o fim da emissora, Ferreira chamou atenção para o fato de que até empresários que apreciavam a linha musical da rádio Guarani preferiam veicular a publicidade de suas empresas em rádios mais comerciais.

Ainda na sexta-feira, os shows programados para o mesmo teatro fizeram jus à diversidade musical difundida pelo evento, assim como à sua defesa incondicional das músicas regionais de qualidade. A começar pelas aparições do violeiro Chico Lobo, que introduziu as atrações da noite com seus divertidos causos e modas de viola.


Formada por crianças e jovens da periferia de Porto Alegre, com a regência da professora Cecília Rheingantz Silveira, a Orquestra Villa-Lobos abriu sua apresentação com a clássica “Trenzinho Caipira” (de seu patrono Villa-Lobos), demostrando que a inclusão social também está entre as principais bandeiras do evento. Depois veio o também gaúcho Grupo Tamborada, comandado pelo cantor e compositor Kako Xavier, que encantou a plateia com a riqueza de seus ritmos afro-brasileiros (destaque para o maçambique e a congada) e a beleza das coreografias de suas dançarinas.

Fechando a noite, o cantor e compositor paulista Renato Teixeira, fiel representante da música caipira e sertaneja do sudeste, relembrou sucessos como “Romaria”, “Tocando em Frente” e “Amanheceu, Peguei a Viola”. Também cantou a clássica “Cuitelinho” (recolhida por Paulo Vanzolini) e a emotiva “Pai e Filho” (versão de “Father and Son”, de Cat Stevens), acompanhado por Chico Teixeira, seu filho.

O evento prosseguiu no sábado, com oficinas gratuitas dedicadas ao frevo (comandadas por Marcelo Melo e Dudu Alves), ao maçambique e à congada (por Kako Xavier e Richard Serraria) e ao carimbó (por Nazaco, Kleber e Márcio, do grupo Manari). Já à noite, shows dos grupos Arte Gaúcha, Manari (do Pará) e Quinteto Violado (de Pernambuco).

Depois de algumas edições esparsas, fica agora a expectativa de que esse evento possa ser realizado com mais regularidade e abrangência. Como diz o crítico musical e curador Juarez Fonseca, “o Brasil precisa se conhecer melhor”. Nesse sentido, a sexta edição do Acorde Brasileiro já deixou uma promissora contribuição.

(Cobertura realizada em Porto Alegre a convite da produção do evento)


Aqui um vídeo com o grupo Tamborada:  http://globotv.globo.com/rbs-rs/galpao-crioulo/v/kako-xavier-e-tamborada-tocam-macacaia/4147130/

Relançamentos: bons títulos do selo Kuarup voltam ao mercado

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Nas décadas de 80 e 90, encontrar o selo Kuarup, na capa de um disco de vinil ou de um CD, praticamente garantia que se tratava de música brasileira de boa qualidade. Criada em 1977, no Rio de Janeiro, essa gravadora independente formou um catálogo com mais de 200 títulos, inicialmente centrado em obras de Villa-Lobos e choros. Com o tempo, seu mentor e produtor Mario de Aratanha decidiu investir também na “cultura brasileira de raiz”, gravando música caipira, sambas e música nordestina.

Desativada em 2009, a Kuarup foi adquirida pelos empresários Arthur Fitzgibbon e Alcides Ferreira, que acertaram uma parceria com a Sony Music para reeditar títulos do acervo. O primeiro pacote destaca nove CDs que sintetizam bem a diversidade musical desse catálogo. Inclui ainda o álbum de estréia da cantora Luciana Pires, primeiro lançamento inédito do selo, nesta nova fase.

Uma das jóias do pacote é o CD “Noites Cariocas - Ao Vivo no Municipal” (1988), que reúne uma constelação de astros do choro, como Paulo Moura, Altamiro Carrilho, Paulinho da Viola e Chiquinho do Acordeom, para interpretar clássicos de Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Radamés Gnattali.

Foi tamanha a repercussão desse encontro que, 15 anos depois, o cavaquinhista Henrique Cazes decidiu revivê-lo com outras feras do choro, em “Noites Cariocas - A Alegria do Improviso” (2003). Cazes também co-assina a produção de “Sempre Jacob” (1996), álbum no qual a obra de Jacob do Bandolim é interpretada por Joel Nascimento, Nó em Pingo D’Água e Déo Rian.

Campeão de vendas da Kuarup, “Ao Vivo em Tatuí” (1992) registra o encontro do compositor e cantor Renato Teixeira com a singela dupla vocal Pena Branca e Xavantinho. No repertório, sucessos do universo caipira, como “Amanheceu, Peguei a Viola” e “Romaria”. Teixeira também protagoniza outros CDs do pacote: “Ao Vivo no Rio - 30 Anos de Romaria” (1998) e “Renato Teixeira e Rolando Boldrin” (2004). Mais recente também é “No Balanço do Balaio” (1999), do cantor e compositor mineiro Vander Lee. 


Finalmente, também não poderia faltar nesse pacote de relançamentos a obra magistral de Villa-Lobos, representado pela primeira gravação integral de seus choros (“Os Choros de Câmara”, de 1977), com diversos intérpretes, e “A Floresta do Amazonas” (1988), com Wagner Tiso, João Carlos Assis Brasil e Ney Matogrosso. Tomara que outras preciosidades da Kuarup voltem logo ao mercado.
(resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos e Filmes", em 24/6/2011)



 

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