Não é toa que desde a década de 1990, quando formou o quinteto que lidera até hoje, o baixista Dave Holland tem conquistado prêmios e aparecido em rankings de melhores grupos e discos promovidos por publicações especializadas. Aos 66 anos, esse jazzista britânico radicado nos EUA é um exemplo de integridade artística e compromisso com a inovação musical.
“Eu sigo buscando me desenvolver como compositor. Tento não repetir minhas ideias. Este é um desafio que se resume a manter a disciplina, seguir com o trabalho e até enfrentar bloqueios ocasionais. Para isso é preciso ter coragem”, disse ele à “Folha”, por telefone, de Nova York, antes de embarcar para o Brasil.
A ausência do baterista Nate Smith, que perdeu o voo, não impediu que o experiente grupo de Holland, que destaca também o saxofonista Chris Potter, o trombonista Robin Eubanks e o vibrafonista Steve Nelson, fizesse uma apresentação excelente, anteontem, no encerramento do 2.o Canoas Jazz Festival (RS). Mas o quinteto já deverá estar completo nos shows de hoje e amanhã, no Sesc Belenzinho, em São Paulo.
Segundo Holland, que costuma escolher o repertório que vai tocar só na hora de entrar no palco, nestes shows podem entrar temas já registrados em álbuns do quinteto, como “Arquive Series Vol. 1” (2010), “Critical Mass” (2006) ou “Extended Play” (2003). “Mas também vamos tocar material inédito composto pelos músicos do grupo”, promete. Outra composição praticamente garantida nessas apresentações é “Ario”, homenagem feita por ele ao Brasil durante outra de suas turnês.
Assim como já tocou e gravou ao lado de grandes expoentes do jazz, como Miles Davis, Herbie Hancock, Thelonious Monk e Joe Henderson, nos últimos anos Holland também tem comandado diversas formações, como sua big band, seu octeto e o mais recente quarteto Prism (com o guitarrista Kevin Eubanks, o tecladista Craig Taborn e o baterista Eric Harland), cujo CD de estreia ele acaba de mixar, num estúdio de Nova York.
“Os temas que gravamos nesse álbum são de autoria dos quatro músicos. Entramos em estúdio em agosto, logo após a primeira turnê de shows que fizemos juntos. Eu me considero um sortudo por poder realizar projetos como esse, ao lado de grandes músicos”, comenta Holland.
Na entrevista, o jazzista inglês contou também que, apesar de viver na área de Nova York, conseguiu escapar da destruição provocada pelo recente furacão Sandy.
“Eu moro mais ao norte da cidade, numa área que sofreu poucos estragos. Minha casa não chegou a ser prejudicada pelo temporal, mas sei de alguns colegas, como (o pianista) Jason Moran, que tiveram problemas sérios”.
A crise econômica e o mercado musical
Depois de fundar o selo de gravação Dare2, pelo qual tem lançado seus discos desde 2005, Holland demonstra que se continua se mantendo atento às surpresas e inovações do mercado musical.
“Ninguém imaginaria, anos atrás, esse novo interesse pelos discos de vinil. Os downloads continuam a crescer, na internet, mas hoje também existem esses sites, como o Spotify ou o Pandora, em que se paga mensalidade para ouvir música. O negócio da música continua a evoluir e a mudar, apresentando novos desafios, como o de financiar as gravações”, ele comenta.
Os efeitos da crise que abateu as economias dos Estados Unidos e da Europa, no final da última década, também foram bastante severos sobre o mercado do jazz, observa Holland.
“As verbas de muitas organizações culturais e centros de arte foram bastante reduzidas, assim como os festivais patrocinados por algumas cidades e estados norte-americanos também se viram em dificuldades econômicas. Até mesmo os programas de arte foram reduzidos em muitas escolas, algo que me deixa muito infeliz. Em minha opinião, pensar que as artes não são essenciais é um grande erro. O contato com as artes é muito importante para qualquer criança”, afirma o jazzista.
É mais fácil compor hoje do que na década de 1990, quando começou a escrever grande parte do material de seus grupos? “No fundo, a dificuldade do processo criativo é sempre a mesma”, ele responde, com a tranquilidade que o identifica. “Você se senta à frente de um papel em branco e tenta desenvolver uma ideia. O maior desafio está em não se repetir”.
(texto publicado parcialmente na "Folha de S. Paulo", em 27/11/2012)
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