Osesp: orquestra paulista interpreta Chico Buarque e a ópera negra 'Porgy and Bess'

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                                                                                                                O compositor Chico Buarque

As dezenas de poltronas vazias, na Sala São Paulo, podiam ser facilmente justificadas pelas chuvas que inundaram parte da capital paulista, na noite da última quinta-feira. Bastava ver o compositor Chico Buarque e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sentados lado a lado, na plateia, para saber que o programa de encerramento do ano executado pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) era mesmo especial.

Uma opereta de Leonard Bernstein (1918-1990), uma suíte com conhecidas canções de Chico Buarque e “Porgy and Bess”, a polêmica ópera negra de George Gershwin (1898-1937) não compõem um programa indicado para ouvidos tradicionalistas, especialmente aqueles que ainda resistem a aceitar a convivência da música popular com a chamada música erudita.

Adicionada ao programa, a extrovertida abertura da opereta “Candide”, que abriu a noite, foi regida quase com fúria pelo jovem maestro Yuri Azevedo – vencedor do prêmio Eleazar de Carvalho, no Festival de Inverno de Campos de Jordão deste ano.

O peso orquestral dessa peça criou um contraste sonoro bem adequado para que a plateia pudesse captar melhor as sutilezas da inédita “Suíte Chico”. Atendendo a convite da orquestra, o maestro e arranjador Luiz Cláudio Ramos, também presente na plateia, escreveu-a a partir de quatro canções do parceiro, valorizando a beleza de suas melodias.


                                                                  A Osesp durante a apresentação de "Porgy and Bess"/Divulgação

Regida por Marin Alsop, a Osesp torna-se uma pequena orquestra de câmara, na parte inicial da suíte, que une as toadas “Querido Diário” e “Paratodos”. Sopros e cordas formam delicadas texturas sonoras, na valsa “Nina”, que precede a conclusão com o samba “Dura na Queda”.

Talvez a curta duração da peça, ou mesmo a tensão típica das estreias, expliquem o fato de a plateia ter se mostrado menos efusiva do que o próprio Chico, ao se levantar para aplaudir a orquestra. É bem provável que a plateia do último concerto desse programa (hoje, às 16h30) possa presenciar uma performance mais firme e brilhante.

Reforçada, como manda o figurino operístico, por um grande coro e os cantores Indira Mahajan (soprano), Alison Buchanan (soprano), Larry D. Hylton (tenor) e Derrick Parker (baixo-barítono), a Osesp fechou a noite com excertos de “Porgy and Bess”, ópera de Gershwin escrita em 1935, que aproximou esse gênero do universo do jazz por meio de formas musicais afro-americanas, como os “spirituals” e as “work songs”.

É natural que aqueles que conheceram as canções mais populares integrantes dessa ópera, como “Summertime”, “It Ain’t Necessarily So” ou “Bess, You Is My Woman Now”, por meio das interpretações mais modernas dos jazzistas Miles Davis, Ella Fitzgerald ou Louis Armstrong, gravadas já nas décadas de 1950 e 1960, estranhem um pouco a estética lírica da obra de Gershwin. Mesmo assim, aos ouvidos de hoje, ela pode ser apreciada como uma antiga foto em sépia, que décadas mais tarde, como qualquer grande obra clássica, mantém sua aura artística e força emotiva.


(Texto publicado originalmente na "Folha de S. Paulo", em 15/12/02)

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