Wagner Tiso: como combinar influências musicais com elegância

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No recém-lançado álbum “Samba e Jazz – Um Século de Música” (selo Trem Mineiro), o pianista, compositor e arranjador Wagner Tiso explora o parentesco entre esses dois gêneros musicais, driblando suas convenções com equilíbrio e bom gosto. Nesta entrevista exclusiva, ele relembra como essas vertentes musicais surgiram em sua trajetória.

Depois de lançar os álbuns "Debussy e Fauré Encontram Milton e Tiso" (1997) e "Tom e Villa" (2000), você encerra essa trilogia dedicada às suas influências com “Samba e Jazz - Um Século de Música”. Como você se envolveu com o jazz?
Wagner Tiso - Só tive mais contato com o jazz ao mudar para Belo Horizonte. Em Três Pontas, onde nasci, a música mais próxima do jazz que eu e o Milton (Nascimento) conhecíamos era a do Ray Charles. Ou então Frank Sinatra, cantando com big bands. Quando fui para Belo Horizonte, aos 16 anos, conheci o jazz dos grandes solistas e compositores. Eu e Milton tomamos contato com a música do Miles Davis, do John Coltrane, e nos aprofundamos mais na audição das big bands, como a do Count Basie, que eu homenageio neste disco. Tinha uma boate na cidade, chamada Berimbau, onde se tocava muita bossa nova e jazz. Ali eu já tocava músicas do Coltrane e do Miles que estão neste disco.

E como o samba entrou em sua história?
Tiso - Aos 18 anos fui para o Rio de Janeiro, onde comecei a tomar contato com os chamados sambas de meio de ano, de Geraldo Pereira, Bide e Marçal, entre outros que eu ainda não conhecia. O samba que chegava a Três Pontas, no máximo, era o do Ary Barroso ou o do Noel Rosa. Fora isso, eu ainda não tinha proximidade com o samba urbano do Rio. Naquela época, os artistas ainda não tinham seus grupos. Todos se apresentavam com os músicos fixos das casas noturnas. Por isso, tocando na boate Drink, cheguei a acompanhar o Cauby (Peixoto), Agostinho dos Santos e Ivon Cury. E como organista do bar Arpège, eu participei do, talvez, último show do Ataulfo Alves. Foi assim que eu tive contato direto com o samba de verdade, não o samba que aparecia nos filmes do Walt Disney.

Além de terem ascendência africana, o samba e o jazz foram influenciados pela música européia. Como você encara esse parentesco?
Tiso - É um parentesco muito forte, apesar da grande diferença que existia entre a colonização portuguesa e a inglesa. A colonização portuguesa era mais chegada à África do que a colonização inglesa. O parentesco entre o samba e o jazz foi se revelando com o andar do século 20. Eu não diria que aconteceu uma fusão, mas, com o tempo, foi aumentando a aproximação entre eles, com um influenciando o outro, e, claro, com a harmonia romântica européia reinando.

O fato de você adotar influências de vários gêneros musicais já lhe trouxe problemas? Chegou a enfrentar preconceito por tocar jazz?
Tiso - Isso nunca me preocupou, porque sofro de uma espécie de ciganice. Eu recebo as influências e vou lançando-as dentro de minha música. Narizes torcidos sempre existiram, até de sambistas para o Tom Jobim. Eu acho que a influência do jazz foi benéfica para o samba. Do que eu não gosto é de fusão, não me agrada a tentativa de criar um novo estilo musical. Por isso, não gosto tanto do samba-jazz, que se tornou um subgênero. Gosto do samba e gosto do jazz, mas cada um com suas influências, sem fusões.

O público brasileiro já se acostumou ao seu ecletismo. Como você é visto no exterior? Um pianista brasileiro de formação clássica que toca jazz? Um jazzista que faz arranjos eruditos de música brasileira?
Tiso – Lembro que depois do “Native Dancer”, o disco do Milton com o Wayne Shorter que influenciou toda a geração dos anos 70, fui fazer um show em San Francisco, na Califórnia. Alguns estranharam porque acharam que eu ia chegar lá quebrando tudo no jazz, mas eu toquei até choro. Outros gostaram, acharam minha música diferente do padrão americano. Até no Brasil, a sensação que eu tenho, às vezes, é que as pessoas vão aos meus shows esperando ouvir uma coisa e acabam ouvindo outras. Não sei se isso é uma virtude ou um defeito que eu tenho.

Qual é o seu ideal ao escrever um arranjo para orquestra?
Tiso - Minha vontade é sempre tocar e escrever música com o máximo de elegância. Um bom exemplo está nos sambas do Paulinho da Viola ou do Nelson Cavaquinho, que eu acho charmosos e elegantes. Ao viajar nos caminhos harmônicos, eu sempre procuro essa elegância.

(entrevista publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos & Filmes”, em 24/04/2009)


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