Etta James: uma intérprete explosiva que privilegiava a emoção no palco e na vida

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Na cena da música popular norte-americana, Etta James (1938-2012) foi uma das cantoras que melhor expressaram, na década de 60, a dualidade poética e política da soul music. Em canções repletas de referências a frustrações amorosas, esse gênero musical embutia também o desejo do negro de possuir os mesmos direitos de outros cidadãos, numa sociedade dominada pelos brancos.
 
Etta colocava suas emoções à frente de tudo, tanto nos palcos como na vida. Era uma mulher extremada, capaz de revelar amor ou ódio com a mesma intensidade. Cantava como falava: sabia ser suave, mas ficou mais conhecida pelas explosões, fossem de raiva, ressentimento ou sensualidade.


Quando esteve pela primeira vez no Brasil, no Festival Internacional de Jazz de São Paulo, em 1978, deu um show de excessos. Usando roupas espalhafatosas e um cabelão black power, chocou parte da plateia com insinuações sexuais e gestos obscenos, mais apropriados a uma estrela junkie do rock.


Na década seguinte, surpreendeu de novo os fãs paulistanos, em uma temporada no 150 Night Club. Já próxima dos 50 anos, mais sóbria, entrou no palco como uma lady, exibindo jóias e os cabelos alisados, mesmo deixando claro, minutos depois, que não abandonara a atitude intensa e provocadora.


“Sou esquizofrênica até os ossos”, confessou ao escritor David Ritz, que assinou com ela a autobiografia “Rage to Survive”, publicada nos EUA em 1995. “Tive duas mães, duas infâncias e vivi duas vidas diferentes, em duas cidades. Talvez seja por isso que me tornei duas pessoas diferentes”, completou, no primeiro parágrafo.


Nascida em 1938, Jamesetta Hawkins (seu nome verdadeiro) foi criada pelos tios. Sua mãe, grávida aos 14 anos, demorou a revelar à filha a identidade de seu pai. “Eu a via como uma deusa distante, uma estrela que eu não podia tocar, não podia entender, nem mesmo chamar de mãe”, contou a cantora, expondo uma de suas feridas mais profundas.
 

É preciso juntar a isso seu precoce ingresso no showbizz, aos 15 anos, seguido pelo envolvimento com drogas pesadas, para se entender melhor o explosivo contexto de suas interpretações de sucessos como “Tell Mama”, “I’d Rather Go Blind” ou “All I Could Do Was Cry”.
 

Pena que a romântica balada “At Last”, seu maior hit, tenha sido pivô de um episódio constrangedor, já no final de sua vida. Etta não perdoou o fato de Beyoncé, que a interpretou no filme “Cadillac Records” (2008), ter sido convidada a cantar essa música numa festa que comemorou a posse do presidente Obama, no ano seguinte.
 

“Ninguém vai roubar essa canção de mim. Ela é minha”, desabafou, ao se apresentar no Jazz Fest de Nova Orleans, já bastante abatida e cantando sentada, como em outras de suas aparições, naquele ano de 2009. Uma intérprete de sua importância para a música negra não precisaria ter escancarado publicamente esse ressentimento, mas a impulsiva Etta James preferiu dar voz às suas emoções até o fim da vida.
 
(Texto publicado parcialmente na “Folha de S. Paulo”, em 21/1/2012)


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