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Eliete Negreiros: cantora e filósofa reflete sobre suas paixões na música brasileira

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                                                                 Detalhe da capa do livro de Eliete Negreiros  

O efeito tridimensional criado por Werner Schulz para a capa de “Amor à Música” (lançamento Sesc Edições), o novo livro de Eliete Eça Negreiros, é um engenhoso convite para que o leitor penetre no universo das paixões musicais da ensaísta e doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Nos anos 1980, quando ainda era cantora, Eliete participou ativamente da chamada vanguarda paulista, ao lado de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e dos grupos Rumo e Premeditando o Breque, entre outros.

Esta compilação de textos escritos para as revistas “Caros Amigos” e “piauí”, na década passada, reúne breves ensaios e perfis de expoentes da música popular brasileira, de Chiquinha Gonzaga e Pixinguinha a Dorival Caymmi e Dominguinhos, passando por outros grandes nomes do samba, da Bossa Nova, da Tropicália e da canção brasileira.

No ensaio “Falar de Música”, Eliete conta uma reveladora experiência pessoal, que a estimulou a escrever sobre compositores e intérpretes que aprecia. Estava se apresentando em cidades do interior paulista, com seu show “Canção brasileira, a nossa bela alma”, quando uma menina emocionada cantarolou alguns versos de “Feitio de Oração” (de Noel Rosa e Vadico) e lhe perguntou se aquela linda canção era de sua autoria.

Surpresa com a ingênua ignorância da garota, Eliete refletiu sobre o que acabara de vivenciar. “As pessoas que estão me ouvindo não fazem ideia do que significam essas canções que estou cantando. Sentem, mas desconhecem as canções, os compositores, toda essa parte tão vital, bela e gostosa de nossa cultura. Não temos memória musical e um mundo pode se perder no esquecimento”, lamentou.

Com esse relato, a ensaísta traça uma alegoria do evidente descaso que existe hoje, em diversas esferas do país, na relação com a nossa cultura. Ao tratar a música popular brasileira com todo o carinho e a sensibilidade que ela merece, Eliete Negreiros faz a sua parte, brilhantemente, nas páginas deste livro.




Isca de Polícia: banda paulistana lança outro álbum com influências de Itamar Assumpção

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Quem foi ao teatro do Sesc Pompeia, no último fim-de-semana, pôde comprovar que a influência do grande Itamar Assumpção (1949-2003) segue viva e inspiradora. Nos shows de lançamento do álbum “Isca Vol. 2: Irreversível” (selo Elo Music), a banda Isca de Polícia exibiu mais uma inédita coleção de canções marcadas pela estética musical e poética desse compositor, expoente da geração que ficou conhecida como Vanguarda Paulista. 

Formada atualmente por Paulo Lepetit (baixo elétrico), Luiz Chagas e Jean Trad (guitarras), Suzana Salles e Vange Milliet (vozes e vocais), além dos bateristas Marco da Costa (só no disco) e Vitor Cabral, a Isca de Polícia acompanhou Itamar em diversas fases ao longo dos anos 1980 e 1990. Mesmo com total credibilidade, essa banda paulistana só decidiu lançar em 2017 seu primeiro disco autoral (“Isca Vol. 1”).

Lepetit, o compositor mais ativo da banda, também é o autor mais frequente nas 10 faixas do novo álbum, cuja produção ele assina com Vange. Como no disco anterior, o repertório inclui parcerias do baixista com outros parceiros e admiradores de Itamar, como Arrigo Barnabé (“Consciência Contemporânea”, que ironiza o fascínio por procedimentos estéticos), Chico César (“Bolino”, que alfineta o conservadorismo da igreja católica), Alzira E (a romântica “Meus Olhos”) e Zélia Duncan (a funkeada “Se Não Tô Bem”).

Duas das canções levam a assinatura do próprio Itamar. “Beleléu Via Embratel” (composta para concorrer em um festival, nos anos 1980, mas não gravada até agora) lembra as clássicas “Fico Louco” e “Nego Dito”. Já a contagiante “Tomara” (parceria com Vange) soa como um adequado mantra para os pesados dias em que vivemos. “De morno pra beijo ardente /Depressão pra alto astral /Fênix onde doente /É o que desejo for all /Tomara seja pra sempre /É o que desejo for all”, ambicionam os versos.

Faixa inicial do álbum, a dançante “Danou-se” (de Lepetit e Luiz Chagas) também foi escolhida para abrir o show de lançamento, que inclui no repertório alguns sucessos de Itamar. Aliás, um show profissionalíssimo, que tem tudo – saborosos arranjos musicais, figurinos criativos e (o mais importante) excelente performance das vocalistas e dos músicos da banda – para fazer sucesso no circuito dos festivais de música ou em outros palcos pelo país.





Miriam Maria: segundo álbum da cantora, "Rama", transporta o ouvinte para a selva

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Uma “viagem sonora”. É assim que a cantora paulista Miriam Maria (integrante do grupo Orquídeas do Brasil, formado nos anos 1990 para acompanhar Itamar Assumpção) sintetiza o espírito de “Rama” (lançamento do selo Pôr do Som), seu segundo disco solo. Muito bem produzido por ela, em parceria com a percussionista Simone Sou e os violonistas Chico César e Danilo Moraes, também presentes em várias faixas, esse álbum transmite tanto nas letras das canções como nos arranjos a sensação de se penetrar um Brasil profundo. 

Intérprete de voz doce e segura, Miriam não busca resgatar sonoridades sertanejas, nem folclóricas. A percussão e os samples de Simone transportam o ouvinte para uma selva, em “Capitão do Mato” (de Vicente Barreto e Paulo César Pinheiro), assim como realçam a atmosfera sombria de “Moer Cana” (de Chico César). Emoldurada pelo guitarrista André Abujamra, mestre das trilhas sonoras, a faixa-bônus “Filho de Santa Maria” (Itamar Assumpção e Paulo Leminski) encerra essa viagem sonora, transformando-a em sonho. 

(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos & Filmes", edição final, em 30/04/2016)

Mimo Festival: evento traz a Paraty o inglês Jacob Collier, prodígio musical de 20 anos

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Começa nesta sexta-feira (2/10), na cidade histórica de Paraty (RJ), a 12ª edição do Mimo Festival. Na programação de concertos, todos gratuitos, destacam-se o cantor e compositor africano Salif Keita (de Mali), o grupo erudito Zukerman Trio (de Israel) e atrações nacionais como o Duo Milewski com o violinista Daniel Guedes ou o flautista Carlos Malta e seu grupo Pife Muderno.

No entanto, é provável que o jovem pianista britânico Jacob Collier (na foto acima), verdadeiro prodígio musical, polarize a atenção da maior parte da plateia. Depois de lançar alguns vídeos no YouTube, com sofisticados arranjos instrumentais e vocais de sucessos de Stevie Wonder, Michael Jackson e The Carpenters que já somam milhões de acessos, o garoto de apenas 20 anos tem colecionado elogios de figurões do mercado musical.

Em julho deste ano, foi ninguém menos que o megaprodutor norte-americano Quincy Jones quem apresentou o concerto de Jacob no badalado Montreux Jazz Festival, na Suíça. Entre outros astros musicais que já declararam admiração pelo garoto estão Herbie Hancock, Chick Corea, Pat Metheny e o grupo vocal Take 6.

Nascido em uma família de músicos, ele estudou na Royal Academy of Music e na Purcell School, conceituadas instituições britânicas de ensino musical. Além do grande talento que revela como arranjador e improvisador, em seus vídeos (gravados em seu próprio quarto), Jacob ainda se dá ao luxo de cantar e tocar diversos instrumentos, como contrabaixo, guitarra, violoncelo, teclados e percussão. Seu álbum de estreia está previsto para 2016.

Além dos concertos, o Mimo Festival também oferece uma mostra de cinema ao ar livre, com filmes de temática musical. Na programação deste ano estão os longas “Eu Sou Carlos Imperial” (de Renato Terra e Ricardo Calil) e “My Name Is Now, Elza Soares” (de Elizabete Martins Campos), o média metragem “Reverberações: Itamar Assumpção” (de Pedro Colombo e Claudia Pucci) e o curta “Araca, o Samba em Pessoa” (de Aleques Eiterer), sobre a cantora Aracy de Almeida.

Em Paraty, a programação do Mimo vai de 2 a 4 de outubro. Neste ano, o festival também realizará uma etapa na cidade do Rio de Janeiro (RJ), além de retornar a Olinda (PE), onde o evento começou, em 2004. As datas e programação nessas cidades ainda não foram divulgadas. Em todas elas o festival inclui uma etapa educativa, com workshops, oficinas e palestras ministradas pelos mesmos músicos que farão os concertos.

Mais informações sobre o Mimo Festival em: www.mimo.art.br/


Itamar Assumpção: canções inéditas interpretadas por Sergio Molina e Miriam Maria

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No mês em que Itamar Assumpção (1949-2003) completaria 60 anos, o compositor e violonista Sergio Molina finaliza com o lançamento do CD “Sem Pensar, Nem Pensar” (lançamento Cooperativa/Tratore), uma missão que recebeu desse expoente da chamada Vanguarda Paulista, meses antes de sua morte prematura.

Molina, que já havia composto uma canção com ele (“Não Importa”, que abre o disco), recebeu dez letras inéditas para musicar, além da sugestão de gravá-las com Miriam Maria, talentosa cantora que acompanhou Itamar em shows e discos. Antes de gravar “ao vivo” (sem cortes), no Estúdio Zabumba, em São Paulo, Molina e Miriam exibiram essas canções em mais de 20 shows.

Quem acompanhou as primeiras apresentações, em 2008, vai perceber como essa temporada contribuiu para que, burilados a cada noite, os arranjos das composições soem mais fluentes. Clara Bastos (baixo e vocais), Mariô Rebouças (piano) e Priscila Brigante (bateria e percussão) completam o quinteto que gravou o disco.

Com carta branca para dar um tratamento melódico e harmônico diferente daquele que Itamar utilizava em sua obra, Molina foi fundo. Buscou em sua bagagem musical (tanto erudita como popular, incluindo as improvisações do jazz), elementos para aproximar algumas dessas composições das obras de Arrigo Barnabé ou do grupo Rumo, cujas canções, mais do que as de Itamar, atraíram o rótulo Vanguarda Paulista.

Não é à toa que a canção que dá título ao CD traz em sua introdução a voz do próprio Arrigo, com aquele timbre rouco que marcou sua performática “Clara Crocodilo”. Os versos da letra de temática incomum (“enquanto quem pensa que pensa / fala o que pensa sem nem pensar / num canto quem pensa pensa / sem pensar, nem pensar!”), assim como os vocais femininos, remetem aos característicos arranjos de Arrigo, do Rumo ou das próprias bandas de Itamar.

O canto falado (aquela maneira de entoar os versos da canção bem próxima da fala cotidiana, muito utilizada pelo Rumo) também está presente em “Nem James Brown”, baião dissonante que soa mais próximo da música de vanguarda do que da tradição da música popular brasileira.

Estranha também, com um arranjo colorido por notas esparsas do piano e efeitos eletrônicos, a irônica “Caiu a Ficha” tem apenas três versos (“era tão extensa esta letra / que de repente caiu a ficha / pelo tema isso não passa de vinheta”) que lembram a concisão de um haikai.

Não faltam também canções de temática amorosa, frequentes na obra de Itamar, como a insólita “Autorização” (“ninguém vai invadindo / assim meu coração / sem que eu diga que venha / sem uma senha / sem minha expressa permissão”). Ou a pungente “Estranha Ideia”, interpretada com emoção e precisão vocal por Miriam. A dramaticidade dos versos (“que és meu dilúvio / não meu alívio / que és para mim um par afiado de esporas”) é realçada pelos intervalos incomuns da bela melodia criada por Molina. Uma difícil missão musical cumprida com inventividade e elegância.

(Resenha publicada no Guia da Folha de Livros, Discos e Filmes, em 25/09/2009) 

 

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