Miles Davis: caixa reúne quase 4 horas de gravações inéditas do trompetista

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Uma surpresa para os apreciadores do jazz, que viram os lançamentos desse gênero musical desaparecerem do mercado brasileiro na última década: a caixa “Miles Davis at Newport 1955-1975” (lançamento Columbia/Sony Music; R$ 130, em média) traz quase quatro horas de gravações inéditas do trompetista norte-americano que marcou a música do século 20 com seu espírito de transformação constante.

Quarto volume de uma série de registros ao vivo desse artista, que vêm sendo lançados nos EUA desde 2011, a caixa reúne em quatro CDs as apresentações de Miles no Newport Jazz Festival, entre 1955 e 1975. Esse pioneiro evento, criado em 1954 pelo produtor e pianista George Wein, na costa leste norte-americana, serviu de modelo para outros festivais de jazz pelo mundo.

Foi de Wein a ideia de promover, já no segundo ano de seu festival, uma apresentação de Miles com o pianista Thelonious Monk e os saxofonistas Gerry Mulligan e Zoot Sims. Como a sonorização de concertos ao ar livre ainda era precária na época, Miles fez algo incomum ao tocar a melancólica “Round Midnight” (de Monk): encostou a campana do trompete no microfone, para que o som fosse reproduzido de maneira mais clara.

No extenso texto que escreveu para o livreto incluído na caixa, o jornalista Ashley Kahn (autor de um ótimo livro sobre “Kind of Blue”, o disco mais cultuado de Miles) observa que a repercussão dessa performance do trompetista estimulou a gravadora Columbia a contratá-lo. Por meio dessa parceria, que durou três décadas, Miles veio a gravar seus melhores álbuns.

Ao retornar a Newport, em 1958, ele já liderava um dos sextetos mais admirados pelos fãs do gênero, com John Coltrane e Cannonball Adderley (saxofones), Bill Evans (piano), Paul Chambers (contrabaixo) e Jimmy Cobb (bateria). Oito meses antes de gravar com esse mesmo grupo a obra-prima “Kind of Blue”, Miles ainda trazia no repertório pérolas de sua fase “hard bop”, como a sedutora valsa-jazz “Fran-Dance”, de sua autoria, ou o nervoso tema “Two Bass Hit” (Lewis e Gillespie).

Nos anos 1960, ele voltou três vezes a Newport. Em 1966 e 1967, tinha a seu lado o sensacional quinteto com Wayne Shorter (sax tenor), Herbie Hancock (piano), Ron Carter (contrabaixo) e Tony Williams (bateria), que deixou parte da plateia perplexa. Duas diferentes versões de “Gingerbread Boy” (Jimmy Heath) revelam como Miles e parceiros caminhavam para um jazz mais experimental, numa época em que o mundo parecia prestes a explodir em conflitos e revoluções.

“Aquele grupo não estava à frente de seu tempo. Eles eram o tempo”, comenta Wein, no texto do encarte. Já em 1969, outra transformação: Miles exibia sua nova banda com Chick Corea (piano elétrico), Dave Holland (baixo) e Jack DeJohnette (bateria), mostrando em faixas como “Miles Runs the Voodoo Down” e “It’s About That Time” seu interesse em se aproximar do universo do rock e da black music.

Para os felizardos que presenciaram as apresentações de Miles no Brasil, em 1974, um concerto produzido meses depois por Wein, em Berlim (também incluído na caixa), pode trazer lembranças. Ao lado de Dave Liebman (sax soprano), Pete Cosey (guitarra) e Michael Henderson (baixo), entre outros, Miles já tinha mergulhado no funk e no rock. As faixas “Turnaroundphrase” e “Tune in 5” revelam um grau de eletrificação e distorções jamais ouvidas antes nos círculos do jazz. Não à toa os paulistanos cinquentões e sessentões que foram ouvir Miles no Theatro Municipal, naquela época, saíram no meio do concerto.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 19/12/2015)

2 comentários:

Pedrita disse...

adorei. beijos, pedrita

each_canais_2010 disse...

Em 2009, abandonado junto à banda (banda?) Calipso alguns sertanejos, temas de novelas e outros títulos, estava nada mais nada menos que o histórico Kind of Blue naquele baú lotado de cds em liquidação. Uma etiqueta com o preço de R$ 4,90 me deixou perplexo, incrédulo e surpreso, afinal era o ano do cinquentenário do disco, e nas lojas especializadas era vendido, no mínimo, a um preço 10 vezes mais alto , quando em promoção.Comprei com a sensação de estar fazendo algo leviano: R$ 4,90 era uma ofensa, um desrespeito à grandeza e importância do Miles; para me redimir desse deslize, afinal nos outros álbuns desse gênio paguei o preço certo, em alguns casos, incluídos os impostos de importação, me certifiquei de que não havia mais nenhum título dele naquele baú e, até onde minha paciência permitiu, não encontrei mais nada,para meu alívio.Pedido feito, agora é esperar a caixa “Miles Davis at Newport 1955-1975” chegar para eu curtir as 4 horas inéditas que o álbum compilou.

 

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