André Mehmari: pianista e compositor fala sobre 'Canteiro', seu álbum de canções

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                                       André Mehmari e a cantora Monica Salmaso / Photo by Fabiano Teles

Em “Canteiro”, décimo álbum de sua carreira e o primeiro dedicado exclusivamente a canções de sua autoria, você tem 11 letristas como parceiros. Como nasceram essas canções? Em geral, você compõe primeiro a melodia e a envia para o letrista?  

André Mehmari - De modo geral a música vem antes, mas há o caso dos poemas de Bernardo Maranhão, que me deu de presente seu livro de poemas "Rejunte" e carta branca para musicar quaisquer deles. As canções foram criadas sempre no piano ou no violão. Este, como se sabe, é instrumento-símbolo da canção. Eu me aproximei dele para me aprofundar ainda mais nesta tradição que tanto adoro e respeito. O piano é o meu instrumento principal. Justamente por isso às vezes é um problema ter tal domínio instrumental. Ele se impõe à natureza da canção, que busca outro tipo de síntese expressiva, de simplicidade direta, que não passa pelo idioma, este complexo gestual inerente a cada instrumento.

Você só compõe por inspiração? Ou é do tipo que trabalha bastante, que transpira para compor?
Mehmari - Eu trabalho bastante e sou muito prolífico. O trabalho me inspira e nutre, assim como o insondável e etéreo. Não acredito muito na imagem romântica da inspiração que vem de cima, de improviso, e chega passivamente. A inspiração existe, sim, e é um estado alterado de consciência, o qual se atinge através de muita procura e esforço. Portanto é um lugar muito bonito aonde se chega por meio de uma caminhada (transpiração) que pode ser inclusive plena de acidentes e erros... Não uma pomba misteriosa que desce dos céus com uma mensagem secreta e insondável destinada ao compositor sortudo que, por acaso, estava sentado no instrumento naquele momento (risos).

Seu processo criativo é o mesmo ao compor uma canção ou, por exemplo, uma extensa peça sinfônica?
Mehmari - São processos diferentes, pois essas criações têm naturezas diferentes. No caso de uma obra sinfônica de fôlego, há de sem pensar numa estrutura coerente e forte que sustente essa obra, além dos detalhes de cada compasso, cada movimento. A canção se aproxima muito mais do gênero conto, ao passo que a grande forma se assemelha mais ao romance.

Você é influenciado por outras artes ou linguagens? Pela literatura?
Mehmari - Leio muito e sempre sinto que gostaria de ter mais tempo para ler mais, pelo menos os clássicos. Adoro Calvino, Dino Buzzatti, Saramago, Guimarães Rosa, Rilke, Fernando Pessoa, Machado, Dostoivski... Também mantenho ativo o hobby da fotografia e este aspecto do imagético vira e mexe aparece bem evidente na minha produção. Até, eventualmente, na capa de um CD.

Até alguns anos atrás, era muito comum instrumentistas chamarem os cantores, pejorativamente, de “canários”. Esse preconceito tem diminuído no meio musical? A música instrumental tem se aproximado mais da canção?

Mehmari - Nunca compartilhei de tal 'poética' rústica. No meu cancioneiro, e nos de compositores que admiro, o instrumental abraça a canção de maneira harmoniosa. Tem sido assim em toda minha obra. Sempre tive grandes e importantes parceiros que têm a voz como instrumento, e são excelentes músicos. Muito melhores inclusive que esses que menosprezam a nobre função de dar vida a uma letra, a uma canção! Monica Salmaso e Ná Ozzetti são exemplos de cantoras geniais, inspiradas e inteligentes, que sabem muito bem o que querem da música e dos músicos com quem trabalham. Acho que há um certo machismo embutido nessa ofensa, sabendo-se da maioria feminina no canto brasileiro. Obviamente, esse tipo de atitude terá cada vez menos espaço em nossa sociedade, já que qualquer deslize é imediatamente reportado e espalhado pelas redes sociais.

Você já gravou vários estilos de valsa, recriou ao piano sucessos dos Beatles e dos mineiros do Clube da Esquina, fez com Hamilton de Holanda um tributo a Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, compôs peças eruditas para orquestra ou grupos de câmera. Que outro gênero ou que formato instrumental gostaria de experimentar em seus próximos discos?
Mehmari - Quero muito registrar minha obra orquestral e de câmara, que é muito extensa. Tenho também um projeto, Música Antiga Música Nova, que idealizei e já estreei no palco, que faz uma ponte entre música barroca e a canção brasileira moderna, sem nenhuma pretensão musicológica, claro. Ele deve ganhar espaço na minha discografia neste ou no próximo ano.

Em que fase está o disco com Chico Pinheiro e Sérgio Santos? Pode adiantar algum detalhe desse projeto?
Mehmari - O projeto está já em fase final de capa e masterização. Estamos felizes demais com essa tríplice parceria, que se mostrou muito frutífera e fluente. O aspecto que o torna bastante singular é o fato de termos composto juntos várias das 13 músicas do CD. A primeira faixa, por exemplo, é um choro canção, cuja primeira parte é minha, a segunda do Chico e a letra do Sérgio. Esse disco se chama “Triz” e será lançado ainda no segundo semestre. Já estamos fazendo planos para circular com esse trio.

(entrevista publicada parcialmente no “Guia Folha - Livros, Discos, Filmes”, em 28/4/2012) 


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