Muitos não o reconhecem, mas na certa já ouviram seus arranjos para trilhas sonoras de novelas de grande sucesso na TV, como “Baila Comigo” (1981) e “Dancin’ Days” (1978), ou para gravações de astros de diversas vertentes da música brasileira. Hoje Lincoln Olivetti traz no rosto as marcas dos altos e baixos da fama. A barba e os cabelos totalmente brancos soam incompatíveis com seus 57 anos de idade.
A imagem de excêntrico e recluso, que já vem da década de 1980, não é gratuita. Seu estúdio de gravação, na casa onde vive, no alto de um morro na estrada do Joá, no Rio de Janeiro, é sombrio como uma caverna. Olivetti falou à Folha, na noite da última quinta-feira, minutos depois de acordar, porque costuma trabalhar só depois que o sol se põe. “Gosto de ficar em casa, trabalhando, produzindo. Nunca dei valor a festas ou eventos, não sinto falta alguma disso”, afirma.
Acusado de ter “pasteurizado” a MPB com arranjos que criou durante a década de 1980, para sucessos de Gal Costa, Tim Maia, Jorge Ben, Emilio Santiago, Maria Bethânia, Marina Lima e Rita Lee, entre muitos outros intérpretes, Olivetti diz que não tinha tempo para se preocupar com essas críticas. “O fato de eu não dar entrevistas, como se esnobasse a imprensa, criou essa antipatia, mas eu não ligava para isso. Na verdade, liguei o foda-se. Tinha trabalho demais para fazer”.
Não ter o hábito de ler jornais, segundo ele, também contribuiu para que as críticas não o incomodassem tanto. “No começo, até gostei. Achei que aquelas críticas funcionaram de maneira positiva, porque passaram a falar mais de mim. Não esquento com o passado”, diz o tecladista e compositor fluminense, nascido em Nilópolis, que acaba de retornar aos palcos, acompanhado por músicos da nova geração, como o tecladista Donatinho, o guitarrista Davi Moraes e o baixista e produtor Kassin. Seu show foi uma das atrações da quarta edição do CopaFest, onde reviveu os bailes de subúrbio que começou a fazer ainda na adolescência. (veja os videos abaixo)
Hoje, afinal, ele se defende. “Me acusaram de pasteurizar a música brasileira, mas eu fazia exatamente o contrário disso. Para mim, cada arranjo tem que ser diferente do outro. Quando o (produtor Marco) Mazzola me pediu um arranjo para a Elba Ramalho, na mesma linha de ‘Festa no Interior’ (grande sucesso de Gal Costa, em 1981), fiz o arranjo de ‘Banho de Cheiro’, que é totalmente diferente. Sempre busquei derrubar as expectativas dos produtores, mas são eles que dão a forma final a uma gravação”.
Olivetti rebate também a repetida versão de que, nos anos 1990, após o bombardeio crítico que sofreu durante a década anterior, teria sido praticamente alijado da indústria do disco, até retornar à cena por meio de colaborações para discos de Ed Motta e Lulu Santos. “Esse papo de ostracismo não existe. Nunca deixei de trabalhar. Mesmo quando as gravadoras diminuíram suas produções, continuei fazendo muitos trabalhos independentes”, afirma.
Lincoln Olivetti, em seu estúdio, no Rio
Pela mesma razão, Olivetti diz também que jamais recusa uma encomenda de arranjo, mesmo que não se identifique com o estilo musical do intérprete. “Se você é profissional tem que saber fazer qualquer música soar bem. Para mim, ao fazer um arranjo, um artista que está começando hoje é tão importante quanto o Roberto Carlos. Nessa hora, não tem ídolo. E quanto menos pronta a música chega pra mim, maior é o desafio de conseguir que ela soe bem”.
Esse não foi o caso do arranjo de “Festa no Interior”, um de seus trabalhos mais populares entre o grande público, na década de 1980. “O Moraes (Moreira) já me entregou essa música com aquela frase, bem mastigada, que usei logo no início do arranjo. Não tenho vergonha nenhuma de dizer que aquela frase é dele”, reconhece Olivetti, revelando humildade ao creditar ao compositor parte da eficácia de seu inventivo arranjo, que remete ao fraseado das bandinhas interioranas de coreto.
Trinta anos após ter lançado seu cultuado álbum com o guitarrista Robson Jorge (1954-1993), que reuniu hits televisivos da dupla, como “Prêt-à-Porter”, “Squash” e “Eva”, Olivetti ainda demonstra emoção ao falar sobre o ex-parceiro. “O Robson abriu minha cabeça para muitas coisas, e eu abri a dele. Nossa sintonia era total. No início, ele não lia música, mas acabou até escrevendo. Era muito bom trabalhar com ele”.
Admite que já pensou na possibilidade de reunir sua dispersa obra musical numa caixa de CDs ou algo semelhante, mas acabou desistindo de utilizar esse formato, num projeto pessoal que pretende lançar em breve. “Posso até incluir novos arranjos para algumas músicas que deram certo, mas quero mostrar composições inéditas, principalmente. Eu penso mais no futuro”, diz, indeciso quanto à mídia que usará. “Não sei ainda. Talvez eu só lance essas faixas pela internet”.
Sobre sua produção mais recente, Olivetti menciona o arranjo que fez para a cantora Ana Carolina (“Problemas”), veiculada na trilha sonora da novela “Fina Estampa”, ou as vinhetas musicais que criou para a entrega do Prêmio Multishow. “Tenho feito arranjos para vários artistas, mas ainda é cedo para falar sobre esses trabalhos”, esquiva-se. Já o orgulho por trabalhar há alguns anos com Alê Siqueira e Kassin, talentosos produtores da nova geração, ele não esconde. “Eu me sinto muito bem ao lado deles, porque eles são futuristas como eu”.
(entrevista parcialmente publicada na “Folha de S. Paulo”, em 24/10/11)
1 Comentário:
Os discos da Gal dessa fase são ótimos,principalmente "Fantasia".
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