O imponente Teatro Amazonas, em Manaus, serviu de cenário durante seis noites, na semana passada, para a sexta edição do Festival Amazonas Jazz. Diversos estilos jazzísticos, música instrumental brasileira, bossa nova, salsa e blues compuseram o cardápio musical desse evento, que vem crescendo a cada ano, tanto em número de concertos e atividades de ensino, como em frequência de público.
Mais que isso: em suas seis edições, o FAJ já consolidou um perfil bem original em meio à cena dos festivais internacionais de jazz. Em vez de escolher um elenco óbvio, com artistas que circulam por quase todos os eventos desse gênero, o diretor artístico Rui Carvalho prefere levar a Manaus instrumentistas de ponta, nem sempre reconhecidos pelo grande público, mas que possam transmitir experiências pessoais e ensinamentos técnicos aos estudantes e músicos locais. Além de se apresentarem no teatro, os artistas do elenco também realizam alguma atividade didática, seja uma master class ou ao menos um encontro com os estudantes de música e instrumentistas locais.
Photos: Carlos Calado
BIG BAND – Quem teve, como eu, a oportunidade de assistir à apresentação da Amazonas Band, na primeira edição do FAJ, em 2006, percebe facilmente a evolução da big band conduzida pelo maestro Rui Carvalho (na foto acima). Neste ano, em dois concertos com programas diferentes e convidados de alta categoria (os trombonistas John Fedchock e Todd Murphy e os trompetistas Daniel Barry e Altair Martins), a banda excitou a plateia que lotou o Teatro Amazonas. Aliás, o arranjo de “Slow Visor”, que Carvalho escreveu para homenagear Eddie Palmieri, pioneiro do jazz latino e da salsa, foi um dos números mais contagiantes desta edição.
JAZZ LATINO – No show de domingo, que encerrou o festival ao ar livre, no Largo de São Sebastião (ao lado do teatro), o simpático Palmieri, hoje com 74 anos, agradeceu duas vezes a oportunidade de poder tocar pela primeira vez no Brasil. Talvez a plateia tivesse participado com mais intensidade, caso ele tivesse optado por um repertório mais dançante, orientado para a salsa. Mesmo assim, os improvisos jazzísticos do líder e de seus parceiros Brian Lynch (trompete), Louis Fouché (sax alto) e Little Johnny Rivero (congas) foram bastante aplaudidos, especialmente em clássicos do jazz latino, como “Picadillo” e “Slow Visor”.
HERÓIS ESQUECIDOS – Brian Lynch já havia comandado, na noite anterior, um belo concerto, cujo repertório foi extraído de seu recente álbum “Unsung Heroes”. Ao lado de seu sexteto, ele homenageou trompetistas que, embora nem sempre sejam lembrados pelo público ou pelos críticos, deixaram contribuições essenciais para a tradição jazzística, como Joe Gordon, Idrees Sulieman, Tommy Turrentine e Charles Tolliver. Um olhar original para a história desse gênero musical, que, por sinal, tem muito a ver com a própria linha artística seguida pelo FAJ.
HUMOR BRITÂNICO – Também estreando em palcos brasileiros, o jovem quarteto do saxofonista inglês Will Vinson – com destaque para o guitarrista norueguês Lage Lund – exibiu um pós-bebop que evita os clichês desse estilo jazzístico. Ao apresentar composições próprias, como “I Am James Bond” e “The World Through My Shoes”, Vinson revelou também seu típico humor britânico.
SIMPATIA E SUíNGUE– Outra boa surpresa foi a cantora norte-americana Cynthia Scott. Acompanhada pelo eficiente trio do pianista Vana Gierig, ela esbanjou simpatia e suingue, alternando versões de standards do jazz, como “How High the Moon” e “When the Lights Are Low”, com alguns sucessos do genial Ray Charles (1930-2004), de cuja banda chegou a ser vocalista, na década de 1970. Além de dedicar a ele uma composição própria (“Shades of Ray”), a ex-raelette brilhou em sua releitura da balada “Georgia on My Mind”, logo reconhecida e aplaudida pela plateia.
LEMBRANDO JOBIM – Já o pianista norte-americano Aaron Goldberg (à esquerda, na foto acima) não conseguiu esconder sua decepção ao notar que a plateia não reconheceu de cara “Luiza”, nem “Inútil Paisagem”, composições do mestre da bossa, Tom Jobim (1927-1994), presentes no repertório de seu trio, que destaca o exuberante Greg Hutchinson à bateria. Falando em português, o que denota seu interesse pela cultura brasileira, Goldberg exibiu ainda uma delicada versão de “Lambada de Serpente” (de Djavan), entre líricas releituras de standards e composições próprias.
QUARTETO SOFISTICADO - Tom Jobim voltou a ser lembrado pelo quarteto de Hélio Alves, talentoso pianista paulista radicado em Nova York, que tocou a triste “Retrato em Branco e Preto”. Ao lado do brilhante Duduka da Fonseca (bateria), do norte-americano Vic Juris (guitarra) e do austríaco Hans Glawischnig (contrabaixo), Alves recriou outros clássicos da música brasileira, como “Bebê” (Hermeto Pascoal) e “Vera Cruz” (Milton Nascimento), em versões essencialmente jazzísticas. Seu entrosamento com a bateria de Duduka chega a soar telepático.
DUO INSPIRADO – A música brasileira improvisada também foi muito bem representada pelo duo do pianista André Mehmari com o bandolinista Hamilton de Holanda. Tocando o repertório do álbum “GismontiPascoal”, que lançaram há pouco, os dois recriaram com criatividade e emoção algumas das obras-primas de Hermeto Pascoal (“O Farol que Nos Guia”) e Egberto Gismonti (“Loro”). Pena que a minguada iluminação de cena tenha emprestado um visual soturno a essa parceria musical tão solar e brilhante.
PIANO SOLO – Outra atração nacional foi o pianista Irio Jr., que encarou com talento e determinação a arriscada tarefa de conquistar a plateia do Teatro Amazonas com um recital de piano solo. Sem fazer qualquer concessão, tocou um repertório formado exclusivamente por composições próprias, que mesclam influências eruditas e improvisos jazzísticos, com destaque para a hipnótica “Espera” e a inventiva “Nuance”.
MERCHANDISING - Menos feliz foi a apresentação do quarteto de Kenny Davis, conceituado baixista, conhecido por ter acompanhado cantoras do primeiro time, como Abbey Lincoln, Cassandra Wilson e Carmen Lundy. Nada contra a qualidade de seus músicos, mas o saxofonista Ralph Bowen demonstrava um evidente mau humor e o pianista Onaje Gumbs parecia ter passado a noite anterior em claro. Sem falar no inadequado merchandising de Davis, que depois de tocar alguns compassos de um tema mais dançante, frustrou a plateia, dizendo: “Este groove está no meu CD, vendido lá fora. Se quiserem ouvir mais, comprem o disco”. Se essa moda pega...
Em meio a tantas atrações de alta qualidade oferecidas neste ano, não se pode deixar de questionar, no entanto, o critério de divulgação do festival. É difícil entender por que a programação só foi divulgada duas semanas antes do início do evento, diferentemente do que acontece no exterior, onde os festivais de jazz divulgam suas atrações com meses de antecedência. Tomara que esse aspecto possa ser revisto na próxima edição, permitindo assim que um número bem maior de pessoas, tanto de outras regiões do país, como do exterior, possa se planejar para ir a Manaus e acompanhar os concertos e atividades didáticas desse ótimo festival.
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