Mario Adnet e Phillipe Baden Powell: sambas afros inéditos e raros do mestre do violão

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Os afro-sambas que Baden Powell (1937-2000) compôs com o poeta Vinicius de Moraes (1913-1980) figuram entre as preciosidades da MPB na década de 1960. Agora o arranjador Mario Adnet e o pianista Philippe Baden Powell, filho desse mestre do violão, revelam outras jóias de igual quilate, que ainda permaneciam inéditas.

No CD “Afrosambajazz” (selo Biscoito Fino), Adnet e Powell exibem arranjos de 14 afro-sambas do violonista, que escreveram para uma pequena orquestra de sopros com seção rítmica. Sete composições inéditas de Baden vêm se juntar aos já clássicos “Canto de Ossanha”, “Berimbau” e “Canto de Xangô”.

Quem conhece os ótimos discos que Adnet produziu com o saxofonista Zé Nogueira (“Ouro Negro” e “Choros & Alegria”), ambos calcados na obra do maestro e compositor Moacir Santos (1924-2006), vai logo sentir a afinidade musical entre esses trabalhos.

“Não tínhamos intenção de fazer algo na linha do Moacir”, diz Phillipe, 31. “A instrumentação deste disco, que remete ao estilo dele, vem do fato de o Baden ter sido aluno do Moacir. Muitos desses temas foram compostos por ele em sala de aula. Qualquer semelhança não é mera coincidência”.

“Foi quase uma prospecção arqueológica”, brinca Adnet, 51, referindo-se à pesquisa de repertório, que no caso da inédita “Canto de Yansan” (parceria de Baden com Ildásio Tavares), por exemplo, foi encontrada em duas versões, com diferentes harmonias.

Phillipe, que deu título ao projeto, observa que o pai sempre o incentivou a ouvir muito jazz e música erudita, além da música brasileira, naturalmente. “Esse título define bem a música que está nesse disco, porque afro não é um estilo musical, o samba é. E o jazz, neste caso, representa essa mistura musical”, explica o pianista.

Os shows de lançamento do CD, sexta e sábado, no auditório Ibirapuera, vão contar com as participações da cantora Mônica Salmaso e do veterano trompetista Pedro Paulo, que integrou cultuados grupos de samba-jazz nos anos 1960, como o sexteto Bossa Rio e o Copa 5, do saxofonista JT Meirelles.

(publicado na "Folha de S. Paulo", em 18/06/2009)



Trio Mocotó e Dizzy Gillespie: parceria inédita mistura samba e bebop

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Um inédito encontro da música brasileira com o jazz está prestes a chegar ao público. Em 1974, durante uma turnê pela América do Sul, o trompetista norte-americano Dizzy Gillespie (1917-1993), um dos fundadores do jazz moderno, fez gravações com o Trio Mocotó e outros músicos brasileiros, não-lançadas até hoje.

“Esse disco já tinha virado lenda”, diz João Parahyba, 57, percussionista do trio que divide com Jorge Ben os méritos pela criação e difusão do samba-rock. “Tocamos com o Dizzy, mas até hoje não tínhamos prova alguma. Com o lançamento deste disco, o Trio Mocotó passa a fazer parte da história do jazz norte-americano”, festeja o músico paulista.

Parahyba conta que o próprio Gillespie já havia se esquecido dessas gravações, quando o reencontrou, em 1987, num festival de jazz, em Estocolmo. “Ele me disse que só se lembrava da empatia que sentiu ao tocar com o Mocotó. O Dizzy gostava de músicos que tocavam mais à vontade, tinha pouco a ver com catedráticos”.

De lá para cá, Parahyba fez o que pode para localizar a fita máster que o jazzista teria levado para os EUA. Só em janeiro último teve acesso a trechos do álbum, depois de receber um e-mail do produtor suíço Jacques Muyal, pedindo que o ajudasse a localizar os músicos que participaram das sessões de gravação, no estúdio Eldorado, em São Paulo.

Amigo de Gillespie e diretor do selo Laser Swing, Muyal disse ao percussionista que virá ao Brasil, em julho, para tomar as providências necessárias para que o disco possa enfim chegar ao mercado.

“Quase chorei”, diz Parahyba, lembrando de sua emoção ao ouvir trechos do disco perdido, 35 anos depois. “Acho que conseguimos juntar a essência do jazz do Dizzy com a essência da música brasileira”, avalia, ressaltando a participação do pianista Amilson Godoy, como regente das gravações.

Improvisos bem humorados
A “Folha” teve acesso a trechos de seis faixas do disco, todas sem títulos. Na primeira, Gillespie improvisa com humor sobre o batuque descontraído dos ritmistas brasileiros. “S’imbora, Joao”, brinca Nereu Gargalo, pandeirista do Mocotó, imitando a pronúncia do norte-americano, na introdução da faixa seguinte, mais próxima do blues.

Outro blues, em estilo tradicional, destaca a ótima cantora Mary Stallings, nos vocais. Ela também já não se lembrava mais dessas gravações, quando falou à Folha, em 2003, pouco antes de apresentar no festival Chivas Jazz, em São Paulo.

O disco inclui ainda um romântico bolero, com um solo delicado de Gillespie, que cresce com a entrada dos ritmistas. Já na faixa final, a cuíca de Fritz Escovão se destaca do batuque, misturando-se com as frases curtas do trompetista.

“A gravação foi dificílima porque o Dizzy trouxe um trio de jazz puro. O Mickey Roker era um baterista maravilhoso, mas não conseguia tocar samba. O jazz que o Dizzy estava fazendo na época ainda não era ‘fusion’, era puro jazz tocado em 4 por 4”, comenta Parahyba.

O percussionista ainda desconhece a explicação oficial para o disco ter ficado tanto tempo engavetado, mas arrisca uma hipótese. “É bem provável que a gravadora tenha decidido que não era o caso de lançar um disco como este, naquele momento. Diferentemente do que acontece hoje, quem mandava era o produtor, não o artista”.

(publicada na "Folha de S. Paulo", em 17/06/2009)



Curupira: recriando clássicos da canção brasileira

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Com 13 anos de estrada, o trio Curupira é uma referência entre a nova geração da música instrumental brasileira. Formado por André Marques (piano e arranjos), Cleber Almeida (bateria e cavaquinho) e Fabio Gouvêa (baixo e guitarra), em meio a muitas composições próprias, esse grupo paulista já tinha em seu repertório uma saborosa versão instrumental de “Tristeza do Jeca” (Angelino de Oliveira).

Agora dedica grande parte de “Pés no Brasil, Cabeça no Mundo” (selo independente), seu terceiro álbum, a inventivas releituras de outros clássicos da canção brasileira, como “Assum Preto” (Luiz Gonzaga), “As Rosas Não Falam” (Cartola) e “Samba de Uma Nota Só” (Tom Jobim), além da etérea “Certeza”, de Hermeto Pascoal, mentor do trio. Um álbum que pode funcionar muito bem como um canal de acesso para aqueles que ainda encaram a música instrumental com certa resistência. Quem experimentar, dificilmente vai se arrepender.

(resenha parcialmente publicada na “Folha de S. Paulo”, em 10/06/2009)



The Bad Plus: jazz irreverente agora com vocais

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Com seu oitavo CD (“For All I Care”, Universal) chegando às lojas, o trio norte-americano The Bad Plus faz rápida turnê pelo sudeste do país: toca no Bourbon Street (hoje) e no Sesi (amanhã), em São Paulo; depois vai ao Festival de Rio das Ostras (RJ), dias 12 e 13.

Conhecido por suas releituras jazzísticas, até vanguardistas, de hits do pop e do rock, o trio investe desta vez em canções das bandas Nirvana (“Lithium”), Pink Floyd (“Comfortably Numb”), Wilco (“Radio Cure”) e Bee Gees (“How Deep Is Your Love”), entre outras, além de uma composição do erudito Igor Stravinsky (“Variation d’Apollon”).

Novidade mesmo é a presença de Wendy Lewis, cantora da cena indie, que acompanha a banda no álbum e na atual turnê. “Já pensávamos em fazer uma parceria havia algum tempo. Como tocamos música pop contemporânea, gravar com uma vocalista nos pareceu algo mais sólido”, diz à "Folha" o baixista Reid Anderson, que formou a banda com Ethan Iverson (piano) e David King (bateria), em 2000.

Anderson admite que, ao saber das gravações com a vocalista, fãs do trio estranharam a parceria. “Depois de nos ouvir, eles mudaram de opinião. Viram que Wendy é uma grande cantora e não compromete em nada o que fazemos”, comenta.

Para esses fãs xiitas, o baixista revela algo que vai deixá-los bem animados: o trio planeja um álbum só com composições inéditas. “Temos muito material de nossa autoria. Como a banda vai completar 10 anos, pensamos em entrar em estúdio já no início do ano”.

(publicada na "Folha de S. Paulo", em 9/06/2009)



Esperanza Spalding: inventiva mistura de jazz, soul, MPB e ritmos afro-cubanos

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Desde o ano passado, quando lançou o elogiado CD “Esperanza”, a contrabaixista e cantora norte-americana Esperanza Spalding, 25, vem roubando a cena em clubes e festivais de jazz pelo mundo, como o último Tim Festival, no Brasil, ou o recente festival de New Orleans, nos EUA.

Os paulistanos que ainda desconhecem suas inventivas misturas de jazz, soul, música brasileira e ritmos afro-cubanos podem conferir o talento de Esperanza, hoje à noite, no Via Funchal. Ela abre o show do guitarrista e cantor George Benson, em um tributo ao mestre do jazz Nat “King” Cole (1919-1965).

“Só de pensar que vou dividir o palco com George Benson fico emocionada. Ele sempre foi uma fonte de inspiração para mim, até porque toca e canta”, diz a instrumentista e compositora, que também inclui Nat Cole entre os músicos que a influenciaram.

Precoce, Esperanza se destacou aos 20 anos, como a mais jovem professora da conceituada Berklee College. Apesar de o universo do jazz ainda ser predominantemente masculino, ela diz que já não enfrenta mais resistência para ser aceita pelos colegas.

“Até uns três anos atrás, o jogo era diferente, mas isso mudou. Também venho do mundo da música clássica, onde a idéia de uma mulher tocar baixo acústico já não é algo tão diferente assim. Minha experiência mostrou que as pessoas só me levaram a sério depois de me ouvirem tocar. E por que teria de ser diferente? Se você mostra que é sério e verdadeiro em relação à música, todos vão te tratar como merece”, comenta.

Já preparando um novo álbum, ela revela que tem trabalhado com duas formações. “Uma é um conjunto de cordas focado em minha ligação com o jazz e com a música clássica e de vanguarda. A outra é uma banda mais ligada ao pop, ao soul ou mesmo ao rock, além do jazz. Fazer algo assim é a realização de um sonho para uma compositora”.

Isso quer dizer que a instrumentista não corre o risco de se tornar somente cantora? “Tocar e cantar são partes iguais de minha expressão musical. Talvez exista um momento em que eu apenas cante, somente toque contrabaixo ou só componha, mas esses lados são igualmente importantes para mim”, conclui.

(Entrevista publicada na “Folha de S. Paulo”, em 8/06/20090)



Se quiser ler também a entrevista que fiz com Esperanza Spalding em 2008, este é o link da Folha Online:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u424818.shtml




Marvin Gaye: compilação do soulman comemora 50 anos do selo Motown

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O cinqüentenário da Motown – influente gravadora de soul baseada em Detroit (EUA), cujo elenco comandou as paradas de sucesso durante a década de 1960 – tem servido de pretexto para uma série de compilações. A mais recente é “Marvin Gaye - 50”, que abrange grande parte da carreira do carismático cantor e compositor, tragicamente assassinado pelo próprio pai, em 1984, na véspera de completar 45 anos.

Divididas em 3 CDs, as 50 faixas incluem os maiores sucessos de Gaye, como a sensual “Let’s Get It On” ou a politizada “What’s Going On”, além de seus românticos duetos com a cantora Tammi Terrell, como “Ain’t No Mountain High Enough”. A ausência de “Sexual Healing”, último hit do cantor, é justificável. Gaye já havia deixado a Motown quando a lançou, em 1982. Sua obra é essencial em qualquer discoteca.

(resenha publicada no “Guia da Folha – Livro, Discos & Filmes”, em 29/05/2009)



Guinga e Paulo Sérgio Santos: um duo que explora a beleza da simplicidade

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No CD e no DVD “Saudade do Cordão” (selo Biscoito Fino), o compositor e violonista Guinga relê algumas de suas obras ao lado do clarinetista Paulo Sérgio Santos, seu antigo parceiro, num duo instrumental que combina emoção e simplicidade. Os dois contam como nasceu esse duo e comentam aspectos dessas novas gravações.

Vocês tocam juntos há 16 anos. Por que demoraram tanto a gravar em duo?
Guinga - Tenho tanto respeito pelo Paulo Sérgio, assim como ele tem por mim, que, mesmo querendo muito fazer um disco junto, existia um pouco de medo. Do jeito que somos perfeccionistas, achávamos que teria de ser uma coisa meio sinfônica, super elaborada. Com o passar dos anos acabei gravando o “Graffiando Vento”, com o clarinetista Gabrielle Mirabassi, na Itália. Aí o Paulo comentou que se sentiu como um cara que traiu a si próprio, por não ter feito este disco antes. Paulo Sérgio adora o Gabrielle, os dois até tocam juntos na Europa, mas o Paulo conhece minha obra mais profundamente.

O que vocês pretendiam quando entraram no estúdio para gravar esse disco?
Paulo Sérgio Santos - A intenção foi mostrar a música do Guinga de uma forma camerística, acústica, sem efeitos pirotécnicos. Poderíamos ter sobreposto vozes ou ter usado outros recursos de estúdio, mas isso não refletiria a realidade do que fizemos juntos ao longo de todos estes anos. Minha proposta é ser um mero intérprete de um compositor que representa o que a música popular brasileira tem de melhor.

Como nasceu esse duo?
Guinga - Vi o Paulo Sérgio tocar com o Raphael Rabello, pela primeira vez, 17 anos atrás. Juntos, eles eram uma coisa de enlouquecer. Tocar com o Paulo virou um dos sonhos da minha vida. Eu só pensava em ouvi-lo tocar meu repertório. Acabamos ficando amigos e passamos a tocar juntos. Acho que esse disco saiu no momento certo. É um duo de clarinete e violão, sem pretensão. Foi gravado quase ao vivo, com pouquíssimas emendas. Eu até preferi assumir alguns errinhos ao violão, porque ficou mais humano, como se a gente estivesse tocando numa roda de choro ou em nossas casas.

Há duas composições inéditas nesse trabalho. “Saudade do Cordão”, que dá nome ao disco, soa como uma inusitada marcha-rancho...
Guinga - Sim, ela é uma marcha-rancho, é carnavalesca, mas no fundo eu a sinto mais como um choro-rancho. Pensei no bloco que o Villa-Lobos batizou de Sôdade do Cordão, mas fiz “Saudade do Cordão” com um sentido mais amplo, porque hoje quase já não se fazem mais marchas-ranchos. Sem nenhum cabotinismo, posso dizer que ela é uma composição que transgride a harmonia tradicional da marcha-rancho. Tem uns intervalos melódicos que provocam estranhamento, mas sempre procurando a beleza. Gostei muito de gravá-la, porque eu não fazia uma marcha-rancho há 30 anos.

João Donato diz que sua carreira só decolou de vez quando começou a entregar suas composições instrumentais para diversos letristas. Isso também aconteceu com você?
Guinga - Juro que eu não me sinto um instrumentista. O violão passou a fazer parte da minha intimidade, é uma extensão do meu braço, mas eu sou um compositor de canção. A melodia me domina, sou um escravo da melodia. Mal comparando, você pode tocar instrumentalmente uma canção do Cole Porter que ela fica bonita. O mesmo acontece com as canções do Tom Jobim ou do Edu Lobo. Não vejo diferença alguma entre ouvir minha música cantada ou tocada pelo Paulo Sérgio. Até porque o clarinete, para mim, é o instrumento que mais se aproxima da voz humana.

Como a música instrumental é recebida hoje no mercado? Vocês ainda enfrentam ignorância e preconceito?
Santos - Eu penso que hoje existe uma indústria projetada para suprir a necessidade das pessoas em relação ao entretenimento. Aí um diretor de cinema tem que fazer um filme que renda um mínimo de bilheteria ou não fará seu segundo filme. Hoje quase tudo é ditado pela moda. Sou um cara que nada na contramão, assim como o Guinga. Não faço música regida pelas leis do mercado. Faço a mesma coisa há 45 anos: tento passar emoção através do som de meu instrumento. E para minha satisfação, viajando por aí, percebo que muita gente gosta do que fazemos.

(entrevista publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos e Filmes”, em 29/05/2009)

Guinga e Paulo Sérgio Santos: menos é mais

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Menos é mais. Mesmo que este sábio mote (adotado por grandes artistas de diversas áreas, em diferentes épocas, do movimento Bauhaus ao jazz modal de Miles Davis) não seja mencionado pelo compositor e violonista Guinga, nem pelo clarinetista Paulo Sérgio Santos, não há como esquecer essa máxima ao se ouvir “Saudade do Cordão” (selo Biscoito Fino), o primeiro álbum desse duo instrumental com 16 anos de estrada.

A naturalidade e a precisão com que esse duo interpreta as melodias e harmonias intrincadas de composições de Guinga, como “Destino Bocayuva”, “Dichavado” ou “Cheio de Dedos”, chamam atenção mais ainda quando se vê os dois tocando juntos, no DVD. E emoção à flor da pele é o que não falta, em faixas como “Cine Baronesa” e “Senhorinha”.

A versão em DVD traz entre os extras um bate-papo da dupla com o crítico Tárik de Souza, que inclui uma saborosa explanação do clarinetista sobre as armadilhas de seu instrumento. Quem ainda desconhecia o talento de Paulo Sérgio Santos, vai encontrar um grande solista.

(resenha publicada no “Guia da Folha – Livros, Discos e Filmes”, em 29/05/2009)



 

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