A
cena dos festivais internacionais de música perdeu um de seus líderes mais
carismáticos e influentes. Morreu anteontem, na Suíça, o produtor Claude Nobs,
76, que criou o Montreux Jazz Festival, em 1967, e o comandou até seus últimos
dias.
Nobs
estava internado, em coma, desde a noite de Natal, quando sofreu um acidente ao
esquiar perto do vilarejo de Caux, onde vivia. Em seu chalé, guardava o precioso
arquivo com os registros sonoros e visuais de concertos do festival.
Só
o fato de ter conseguido que muitos medalhões da música internacional, como
Miles Davis, B.B. King, Ray Charles, Keith Jarrett ou Carlos Santana,
participassem com frequência do evento já demonstra sua influência nos meios
musicais. A pequena cidade de Montreux praticamente entrou no mapa graças ao
festival.
Nobs
imprimiu sua imagem ao Montreux Jazz: fazia questão de apresentar pessoalmente quase
todas as atrações do evento à plateia. Sem falar nas eventuais “canjas”,
soprando sua gaita ao lado de vários convidados, com bom humor e competência musical.
“Ele
comandou o festival até o final, mas tinha ‘fairplay’. Costumava dizer que
entre dez ideias loucas que sugeria só uma era aprovada”, relembra a brasileira
Marcia Corban, que trabalhou ao lado de Nobs durante 25 anos, como “backstage
manager”.
Noites brasileiras
Em 1978, ao criar as noites brasileiras, em parceria com o produtor carioca Marco Mazzola, Nobs contribuiu ativamente para divulgar a música brasileira na Europa. Gilberto Gil, João Gilberto, Elis Regina, Hermeto Pascoal e Pepeu Gomes foram alguns dos brasileiros que lançaram discos com registros de suas apresentações no festival.
Em 1978, ao criar as noites brasileiras, em parceria com o produtor carioca Marco Mazzola, Nobs contribuiu ativamente para divulgar a música brasileira na Europa. Gilberto Gil, João Gilberto, Elis Regina, Hermeto Pascoal e Pepeu Gomes foram alguns dos brasileiros que lançaram discos com registros de suas apresentações no festival.
Entre
as décadas de 1970 e 1990, praticamente, todo o primeiro time da música popular
brasileira – de Caetano Veloso, Jorge Benjor e João Bosco a Marisa Monte, Paralamas
e Daniela Mercury – se apresentou nas concorridas e festivas noites brasileiras
em Montreux. Estas se tornaram pontos de encontro dos “brazucas” radicados no
velho continente, mas também atraíam a atenção do público europeu.
A
partir de 1993, quando se mudou para as confortáveis instalações do Centro de
Convenções do Congresso, o Montreux Jazz Festival passou a dividir suas
atrações principais entre os palcos do (mais acústico) Auditorium Stravinsky e do
(mais eletrificado) Miles Davis Hall, durante 16 noites consecutivas, além dos
shows gratuitos no jardim externo.
A
participação do megaprodutor norte-americano Quincy Jones, que a partir de 1991
passou a coordenar algumas noites e eventos especiais, também foi essencial
para que o festival contasse anualmente com muitos nomes de ponta da música
negra norte-americana e do jazz.
Herbie Hancock, Quincy Jones e Nobs - Photo by Daniel Balmat - MJFF
Ex-chef de cozinha
Antes
de criar e assumir a direção do Montreux Jazz, Nobs chegou a trabalhar como chef
de cozinha. Em 1990, quando fiz a cobertura desse festival pela primeira vez,
para a “Folha de S. Paulo”, perguntei a ele qual era sua receita para o evento.
“O
que eu aprendi em todo esse tempo é que você nunca deve ter receio de mostrar
boa música a um público, mesmo que ele não a conheça. Você pode contar com a
qualidade da apresentação, com a emoção, com a musicalidade e com a atmosfera
do show”, explicou.
Para
veículos de imprensa de diversos países, que anualmente cobriam o evento, Nobs
proporcionava experiências raras. Durante o evento, convidava alguns
dos jornalistas para descontraídos almoços que promovia em seu chalé, nas montanhas
de Caux, com a presença dos principais artistas do festival.
Foi
em eventos como esses, nos anos 1990, que tive a oportunidade de entrevistar Quincy
Jones, George Benson e a cantora Nina Simone, além de ter a chance de assistir
a trechos de fantásticos concertos do festival, nas décadas de 70 e 80, que Nobs
exibia com orgulho, para saciar um pouco da curiosidade dos convidados ao conhecerem
seu arquivo.
As
reações dos apreciadores mais puristas, que criticavam Nobs por incluir outros
gêneros musicais na programação do festival, o levaram diversas vezes a pensar
na possibilidade de abandonar o rótulo jazz. Em 1976, o evento chegou a assumir
o nome Festival Internacional de Montreux, mas o diretor logo se arrependeu e resgatou
a grife original.
“Para
mim jazz é improvisação e liberdade. A batida que suinga pode ser rápida ou lenta,
dançante ou romântica, saltitante ou suave. Pode expressar todos os sentimentos
sem qualquer limitação”, sintetizou Nobbs, quando perguntei a ele sua definição
pessoal para essa música.
Parceria São
Paulo-Montreux
Em
1978, Nobs foi convidado a se tornar consultor do 1º Festival Internacional de
Jazz de São Paulo, que trouxe ao Brasil, em setembro daquele ano, dezenas de
astros do jazz e da música negra, de Dizzy Gillespie e Chick Corea a Al Jarreau
e Etta James, abrindo espaço também para que uma nova geração de
instrumentistas brasileiros se estabelecesse.
A
parceria entre esse pioneiro festival paulista e o Montreux Jazz prosseguiu em
1980, com a segunda edição do evento. O elenco mais diversificado ainda, com Dexter
Gordon, Betty Carter, B.B. King, Peter Tosh, Champion Jack Duprée, Hermeto
Pascoal e Egberto Gismonti, entre outros, confirmou o sucesso da eclética
receita sonora de Nobs.
Já
na década de 2000, o Montreux Jazz perdeu parte de sua relevância artística,
atingido também pela crise econômica que abateu a indústria fonográfica. Shows
como os de Lana Del Rey, Vanessa Paradis ou É o Tchan, entre outros, mostraram
que o evento passou a apostar em modismos, premido pela necessidade de
conquistar novas plateias.
Ainda
é cedo para saber se o Montreux Jazz Festival conseguirá manter seu prestígio
sem o carisma de seu criador. Mas o legado de Claude Nobs, felizmente, está registrado
em milhares de horas de filmagens e gravações que permitirão às gerações
futuras de fãs desfrutar de seu declarado amor pela música.
(texto
publicado parcialmente na edição de hoje da “Folha de S. Paulo”)
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