Claude Nobs (1936-2013): criador do Festival de Montreux promoveu a música brasileira

|

                                        Claude Nobs - Photo by by Lionel Flusin - Montreux Jazz Festival Foundation

A cena dos festivais internacionais de música perdeu um de seus líderes mais carismáticos e influentes. Morreu anteontem, na Suíça, o produtor Claude Nobs, 76, que criou o Montreux Jazz Festival, em 1967, e o comandou até seus últimos dias.

Nobs estava internado, em coma, desde a noite de Natal, quando sofreu um acidente ao esquiar perto do vilarejo de Caux, onde vivia. Em seu chalé, guardava o precioso arquivo com os registros sonoros e visuais de concertos do festival.

Só o fato de ter conseguido que muitos medalhões da música internacional, como Miles Davis, B.B. King, Ray Charles, Keith Jarrett ou Carlos Santana, participassem com frequência do evento já demonstra sua influência nos meios musicais. A pequena cidade de Montreux praticamente entrou no mapa graças ao festival.

Nobs imprimiu sua imagem ao Montreux Jazz: fazia questão de apresentar pessoalmente quase todas as atrações do evento à plateia. Sem falar nas eventuais “canjas”, soprando sua gaita ao lado de vários convidados, com bom humor e competência musical.

“Ele comandou o festival até o final, mas tinha ‘fairplay’. Costumava dizer que entre dez ideias loucas que sugeria só uma era aprovada”, relembra a brasileira Marcia Corban, que trabalhou ao lado de Nobs durante 25 anos, como “backstage manager”.

Noites brasileiras
  
Em 1978, ao criar as noites brasileiras, em parceria com o produtor carioca Marco Mazzola, Nobs contribuiu ativamente para divulgar a música brasileira na Europa. Gilberto Gil, João Gilberto, Elis Regina, Hermeto Pascoal e Pepeu Gomes foram alguns dos brasileiros que lançaram discos com registros de suas apresentações no festival.

Entre as décadas de 1970 e 1990, praticamente, todo o primeiro time da música popular brasileira – de Caetano Veloso, Jorge Benjor e João Bosco a Marisa Monte, Paralamas e Daniela Mercury – se apresentou nas concorridas e festivas noites brasileiras em Montreux. Estas se tornaram pontos de encontro dos “brazucas” radicados no velho continente, mas também atraíam a atenção do público europeu.

A partir de 1993, quando se mudou para as confortáveis instalações do Centro de Convenções do Congresso, o Montreux Jazz Festival passou a dividir suas atrações principais entre os palcos do (mais acústico) Auditorium Stravinsky e do (mais eletrificado) Miles Davis Hall, durante 16 noites consecutivas, além dos shows gratuitos no jardim externo.

A participação do megaprodutor norte-americano Quincy Jones, que a partir de 1991 passou a coordenar algumas noites e eventos especiais, também foi essencial para que o festival contasse anualmente com muitos nomes de ponta da música negra norte-americana e do jazz.

                              Herbie Hancock, Quincy Jones e Nobs - Photo by  Daniel Balmat - MJFF
Ex-chef de cozinha

Antes de criar e assumir a direção do Montreux Jazz, Nobs chegou a trabalhar como chef de cozinha. Em 1990, quando fiz a cobertura desse festival pela primeira vez, para a “Folha de S. Paulo”, perguntei a ele qual era sua receita para o evento.

“O que eu aprendi em todo esse tempo é que você nunca deve ter receio de mostrar boa música a um público, mesmo que ele não a conheça. Você pode contar com a qualidade da apresentação, com a emoção, com a musicalidade e com a atmosfera do show”, explicou.

Para veículos de imprensa de diversos países, que anualmente cobriam o evento, Nobs proporcionava experiências raras. Durante o evento, convidava alguns dos jornalistas para descontraídos almoços que promovia em seu chalé, nas montanhas de Caux, com a presença dos principais artistas do festival.

Foi em eventos como esses, nos anos 1990, que tive a oportunidade de entrevistar Quincy Jones, George Benson e a cantora Nina Simone, além de ter a chance de assistir a trechos de fantásticos concertos do festival, nas décadas de 70 e 80, que Nobs exibia com orgulho, para saciar um pouco da curiosidade dos convidados ao conhecerem seu arquivo.

As reações dos apreciadores mais puristas, que criticavam Nobs por incluir outros gêneros musicais na programação do festival, o levaram diversas vezes a pensar na possibilidade de abandonar o rótulo jazz. Em 1976, o evento chegou a assumir o nome Festival Internacional de Montreux, mas o diretor logo se arrependeu e resgatou a grife original.

“Para mim jazz é improvisação e liberdade. A batida que suinga pode ser rápida ou lenta, dançante ou romântica, saltitante ou suave. Pode expressar todos os sentimentos sem qualquer limitação”, sintetizou Nobbs, quando perguntei a ele sua definição pessoal para essa música.

Parceria São Paulo-Montreux

Em 1978, Nobs foi convidado a se tornar consultor do 1º Festival Internacional de Jazz de São Paulo, que trouxe ao Brasil, em setembro daquele ano, dezenas de astros do jazz e da música negra, de Dizzy Gillespie e Chick Corea a Al Jarreau e Etta James, abrindo espaço também para que uma nova geração de instrumentistas brasileiros se estabelecesse.

A parceria entre esse pioneiro festival paulista e o Montreux Jazz prosseguiu em 1980, com a segunda edição do evento. O elenco mais diversificado ainda, com Dexter Gordon, Betty Carter, B.B. King, Peter Tosh, Champion Jack Duprée, Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, entre outros, confirmou o sucesso da eclética receita sonora de Nobs.

Já na década de 2000, o Montreux Jazz perdeu parte de sua relevância artística, atingido também pela crise econômica que abateu a indústria fonográfica. Shows como os de Lana Del Rey, Vanessa Paradis ou É o Tchan, entre outros, mostraram que o evento passou a apostar em modismos, premido pela necessidade de conquistar novas plateias.

Ainda é cedo para saber se o Montreux Jazz Festival conseguirá manter seu prestígio sem o carisma de seu criador. Mas o legado de Claude Nobs, felizmente, está registrado em milhares de horas de filmagens e gravações que permitirão às gerações futuras de fãs desfrutar de seu declarado amor pela música.

(texto publicado parcialmente na edição de hoje da “Folha de S. Paulo”)


0 comentários:

 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB