Photo by Ralph Quinke/ECM
Animado, depois de tocar alguns números com Gismonti, no dia seguinte Haden sugeriu que telefonassem para Manfred Eicher, produtor do selo alemão ECM, pelo qual ambos já haviam feito várias gravações. Haden queria gravar um disco com o brasileiro de qualquer maneira.
“Dias antes da gravação, em Oslo, o Manfred sugeriu que o Jan Garbarek também participasse”, conta Gismonti, lembrando que o saxofonista norueguês e Haden já tocavam juntos, no grupo do pianista Keith Jarrett. “Manfred sabia que iríamos tocar muita música brasileira e queria alguém para ‘cantar’ as melodias”.
Assim nasceu um dos trios mais originais do jazz contemporâneo. Naquele mesmo ano de 1979, o grupo gravou “Mágico” e “Folk Songs”, elogiados álbuns que contribuíram para que Gismonti se estabelecesse de vez, na cena internacional, como compositor e instrumentista.
Já em abril de 1981, Eicher aproveitou uma turnê do trio pela Europa, para registrar um de seus concertos, no Amerika Haus, em Munique, na Alemanha. As gravações ficaram excelentes, mas o produtor esperou três décadas para ver lançado o álbum duplo que chega ao mercado brasileiro nesta semana, em parceria com o selo paulista Borandá, antes de sair no resto do mundo.
“Houve algum mal entendido pessoal entre o Haden e o Garbarek, sobre o qual eu nunca quis entrar em detalhes”, explica Gismonti, que, apesar da desativação precoce do trio, manteve a amizade com os parceiros. “Meu negócio é tocar. Eu brigo e 'desbrigo' com namoradas e filhos, mas jamais com músicos que eu gosto”, comenta.
Gismonti já tinha se esquecido do concerto gravado em 1981, quando recebeu, meses atrás, a notícia de que a ECM ia lançar o disco, finalmente. “Por atitudes como essa eu acho o Manfred tão competente e tão reto. Ele tinha uma joia como essa na mão, mas não lançou o disco enquanto o Haden e o Garbarek não voltaram a se entender”.
O título do CD, emprestado de uma composição de Gismonti, surgiu num bate-papo entre ele e o produtor, pela internet. “Manfred me disse que considera esse disco um tesouro. Respondi que parecia um mapa de tesouro achado dentro de uma garrafa, na praia. Então ele disse que o título teria de ser ‘Carta de Amor’, em português”, conta o pianista. Revela também que Eicher e os ex-integrantes do Mágico estão planejando uma volta do trio aos palcos, para comemorar esse lançamento.
‘Química’ musical do grupo impressiona
Não fossem Egberto Gismonti, o norte-americano Charlie Haden e o norueguês Jan Garbarek os grandes músicos que são, um desavisado poderia até pensar que uma parceria entre artistas de origens e bagagens tão diversas correria o risco de resultar anódina ou estranha.
No entanto, as 11 faixas do CD duplo “Carta de Amor” provam que, no universo da música improvisada, as sensibilidades dos instrumentistas têm um peso bem maior do que suas nacionalidades ou idiomas.
O lirismo de composições de Gismonti, como “Palhaço”, “Don Quixote”, “Branquinho” e a faixa-título, é realçado pelas sonoridades agridoces do sax tenor e do soprano de Garbarek, que também contribui com belas adaptações de canções folclóricas da Escandinávia.
Já o eclético Haden, que se tornou conhecido tocando free jazz com Ornette Coleman, colabora com a singela “All That Is Beautiful” e a provocativa “La Pasionaria” – do repertório da Liberation Music Orchestra, projeto de viés político, nos anos 1970, que Haden resgatou em 2005.
Mas, ao final, o que mais impressiona é mesmo a “química” sonora, a espontaneidade que marca as performances desse trio, preservada por três décadas nestas gravações tão preciosas. Sorte nossa.
No entanto, as 11 faixas do CD duplo “Carta de Amor” provam que, no universo da música improvisada, as sensibilidades dos instrumentistas têm um peso bem maior do que suas nacionalidades ou idiomas.
O lirismo de composições de Gismonti, como “Palhaço”, “Don Quixote”, “Branquinho” e a faixa-título, é realçado pelas sonoridades agridoces do sax tenor e do soprano de Garbarek, que também contribui com belas adaptações de canções folclóricas da Escandinávia.
Já o eclético Haden, que se tornou conhecido tocando free jazz com Ornette Coleman, colabora com a singela “All That Is Beautiful” e a provocativa “La Pasionaria” – do repertório da Liberation Music Orchestra, projeto de viés político, nos anos 1970, que Haden resgatou em 2005.
Mas, ao final, o que mais impressiona é mesmo a “química” sonora, a espontaneidade que marca as performances desse trio, preservada por três décadas nestas gravações tão preciosas. Sorte nossa.
(textos publicados na "Folha de S. Paulo", em 19/09/2012)
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