Caetano Veloso: releituras da Tropicália e canções recentes no DVD "Zii e Zie"

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De cara, declaro ser um daqueles que não ouviram algo de especial em “Cê” (2006), o álbum em que Caetano Veloso voltou a flertar com o rock. A sonoridade excessivamente ruidosa da banda e a poesia um tanto urgente daquele momento não me estimularam a voltar a escutar esse disco após a primeira e única audição.

Reconheço que, ao abandonar a zona de conforto dos belos arranjos de Jaques Morelenbaum, Caetano demonstrou coragem e vontade de se renovar. Raros artistas já próximos dos 70 anos se arriscariam como ele, numa aventura sonora ao lado de uma banda bem jovem. Porém, não encontro no repertório de “Cê” canções que acrescentam algo essencial às incursões anteriores de Caetano pelo rock, como nos álbuns “Transa” (1972) e “Velô” (1984), ou no período tropicalista.

Lançado agora pela Natasha/Universal, o DVD que registra o show com o repertório do álbum “Zii e Zie” (2009) permite encarar esta fase de Caetano sob uma perspectiva mais ampla. Reencontrar algumas pérolas da época da Tropicália, como o quebrado samba “A Voz do Morro” (dedicado à cantora Aracy de Almeida), a doce canção “Não-Identificado” ou a terna “Irene”, vestidas com a mesma sonoridade que marca canções recentes, como “Odeio”, “Perdeu” ou “Por quem?”, dilui a estranheza que estas sugeriam à primeira audição.

Soando mais leve que no álbum “Cê”, o trio formado por Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Marcelo Callado (bateria) já se permite suingar, especialmente na romântica “Sem Cais” (parceria de Caetano com Sá) ou no divertido carimbó “Água” (de Kassin). Já no bis, surge Jorge Mautner, para uma descontraída parceria com Caetano, em “Manjar de Reis” (de Mautner e Nelson Jacobina).

Destaca-se também o cenário criado por Helio Eichbauer, no qual uma asa-delta e imagens do Rio de Janeiro projetadas em um telão criam um diálogo onírico com a poesia das canções. “Zii e Zie” é um show tão coeso e atraente que pode fazer balançar até as opiniões daqueles que não se entusiasmaram pela fase “Cê” de Caetano.

(resenha publicada parcialmente na “Folha de São Paulo”, em 23/02/2011)



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