Se houvesse alguma dúvida quanto à eficácia do programa da terceira noite do Bridgestone Music, ela certamente seria em relação à anunciada homenagem a Astor Piazzolla feita pelo grupo Escalandrum (cujo líder e baterista, Daniel Piazzollla, é neto do grande criador do “nuevo tango”). Afinal, com a outra atração da noite, o quarteto Overtone (reunião de Dave Holland, Jason Moran, Chris Potter e Eric Harland, quatro feras do jazz atual), seria quase impossível que algo desse errado.
Por isso, se algo realmente surpreendeu a platéia do Citibank Hall, ontem, em São Paulo, foi a ótima apresentação dos argentinos. Daniel e seus parceiros do Escalandrum acertaram plenamente na concepção dos arranjos de clássicos de Piazzolla, como “Adiós Noniño” ou “Fuga nº 9”. Conseguiram imprimir a abordagem jazzística do grupo nessas peças, sem comprometer sua essência. Como na misteriosa “Buenos Aires Hora Zero”, que ganhou uma introdução com ruídos e cacofonias tipicamente urbanas. Ou em “Libertango”, recheada por um solo bem jazzístico do sax alto Damián Fogiel.
Já a apresentação do Overtone Quartet (na foto acima) confirmou o que se esperava: um set daqueles para ficar por muito tempo na memória da platéia. Mesmo quem tem a oportunidade de acompanhar festivais de música ou concertos de jazz com freqüência, sabe como é raro poder ouvir um quarteto tocar com tanta inventividade, sofisticação, virtuosismo e substância musical.
Não bastasse o fato de os integrantes do Overtone serem grandes instrumentistas, todos contribuem com composições para o repertório, projetando nelas suas personalidades. “Treachery”, do baterista Eric Harland, soou perfeita para abrir a noite, com sua melodia que remete à alegria das bandas de rua. De ascendência gospel, “Blue Blocks” ilustrou a original concepção harmônica de Jason Moran ao piano. A acelerada “Ask Me Why”, do saxofonista Chris Potter, serviu de veículo para que ele exibisse sua excepcional habilidade para criar e desenvolver melodias.
Mesmo que esse quarteto tenha sido formado com espírito coletivo, princípio que o baixista Dave Holland fez questão de ressaltar ao apresentar seus colegas à platéia, é evidente a ascendência desse músico brilhante, que nas últimas quatro décadas esteve ligado a alguns dos coletivos mais inovadores do gênero. Contar com um baixista elegante e tão experiente como Holland já garante meio caminho para que o Overtone entre na história como um dos grandes grupos do jazz.
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