Sesc Jazz: blues e rebeldia nos improvisos da pianista e vocalista Amina Claudine Myers

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                            A pianista norte-americana Amina Claudine Myers, no Sesc Jazz 2025
 

Os aplausos calorosos da plateia do Sesc Pompeia – no show de encerramento do festival Sesc Jazz, no último domingo (2/10), em São Paulo – demonstraram mais uma vez que, quando se domina um idioma universal como o jazz, os músicos nem precisam utilizar palavras para se comunicarem com pessoas que mal os conheciam até aquele dia.

Entre aqueles que ainda não tinham alguma familiaridade com a música da norte-americana Amina Claudine Myers é possível que alguns tenham se decepcionado um pouco por causa de seu repertório. Com uma carreira musical de seis décadas, na qual se destacam parcerias com vários expoentes do jazz de vanguarda, essa pianista e compositora revelou que hoje está bem mais próxima da tradição do blues e do gospel do que das experimentações jazzísticas dos anos 1960 e 1970.

Mesmo que o início de sua vida profissional tenha se dado na metropolitana cidade de Chicago, onde se filiou à lendária AACM (Associação pelo Avanço dos Músicos Criativos), Amina, nascida no interior do Arkansas, é uma musicista assumidamente religiosa. O fato de que, em suas apresentações, ela costuma se alternar entre um piano acústico e um órgão já é revelador.

A religiosidade de Amina jamais a impediu de expressar suas convicções pessoais ou políticas. Como em “African Blues”, sua composição mais conhecida, revisitada por ela logo na parte inicial do show no Sesc Jazz, quando tocou piano, acompanhada pelos parceiros Reggie Nicholson (bateria) e Jerome Harris (baixo e vocais).

Essa composição nasceu de um improviso, em 1980, durante as gravações do álbum que a pianista dedicou à cantora Bessie Smith. Como relatou mais tarde em entrevistas, nessa mencionada gravação Amina improvisou por cerca de 15 minutos com vocais sem palavras, como se estivesse possuída por um espírito, pensando no sofrimento dos negros da África do Sul em sua luta contra o injusto regime do apartheid. Pena que a norte-americana não tenha tomado a iniciativa de explicar esse contexto à plateia brasileira, que assim poderia captar totalmente o sentido de sua composição.  

Mesmo quando se sentou ao órgão, para interpretar a seção mais espiritual do repertório de seu show, ela não perdeu a chance de se manifestar como uma rebelde cidadã norte-americana. Ao improvisar os versos do gospel “Have Mercy Upon Us”, sem citar nomes, ela se referiu aos anunciados planos do atual governo dos Estados Unidos de reduzir programas e benefícios sociais, que têm gerado muitos protestos naquele país.

Mostrando que costuma definir o repertório de suas apresentações de acordo com o local e o momento presente, Amina também lembrou outro item costumeiro em seu repertório. Cantou um blues muito adequado para um dia nublado e chuvoso, em São Paulo, como o último domingo: “Standin’ in the Rain”, de Bessie Smith, a famosa Imperatriz do Blues.

Tomara que o Sesc repense a frequência do Sesc Jazz e volte a realizar esse festival anualmente, como fazem os eventos similares no Brasil e pelo mundo. Para os fãs desse gênero musical, como eu, não é fácil esperar dois anos por um festival – talvez o melhor do país nesta década – ao qual já nos acostumamos. 


 

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