Os aplausos calorosos da plateia do Sesc Pompeia – no show
de encerramento do festival Sesc Jazz, no último domingo (2/10), em São Paulo –
demonstraram mais uma vez que, quando se domina um idioma universal como o
jazz, os músicos nem precisam utilizar palavras para se comunicarem com pessoas
que mal os conheciam até aquele dia.
Entre aqueles que ainda não tinham alguma familiaridade com
a música da norte-americana Amina Claudine Myers é possível que alguns tenham
se decepcionado um pouco por causa de seu repertório. Com uma carreira musical de
seis décadas, na qual se destacam parcerias com vários expoentes do jazz de
vanguarda, essa pianista e compositora revelou que hoje está bem mais próxima da
tradição do blues e do gospel do que das experimentações jazzísticas dos anos
1960 e 1970.
Mesmo que o início de sua vida profissional tenha se dado
na metropolitana cidade de Chicago, onde se filiou à lendária AACM (Associação pelo
Avanço dos Músicos Criativos), Amina, nascida no interior do Arkansas, é uma musicista
assumidamente religiosa. O fato de que, em suas apresentações, ela costuma se alternar
entre um piano acústico e um órgão já é revelador.
A religiosidade de Amina jamais a impediu de expressar suas convicções pessoais
ou políticas. Como em “African Blues”, sua composição mais conhecida, revisitada
por ela logo na parte inicial do show no Sesc Jazz, quando tocou piano,
acompanhada pelos parceiros Reggie Nicholson (bateria) e Jerome Harris (baixo e
vocais).
Essa composição nasceu de um improviso, em 1980, durante as
gravações do álbum que a pianista dedicou à cantora Bessie Smith. Como relatou mais
tarde em entrevistas, nessa mencionada gravação Amina improvisou por cerca de
15 minutos com vocais sem palavras, como se estivesse possuída por um espírito, pensando
no sofrimento dos negros da África do Sul em sua luta contra o injusto regime do
apartheid. Pena que a norte-americana não tenha tomado a iniciativa de explicar
esse contexto à plateia brasileira, que assim poderia captar totalmente o
sentido de sua composição.
Mesmo quando se sentou ao órgão, para interpretar a seção
mais espiritual do repertório de seu show, ela não perdeu a chance de se
manifestar como uma rebelde cidadã norte-americana. Ao improvisar os versos do
gospel “Have Mercy Upon Us”, sem citar nomes, ela se referiu aos anunciados planos
do atual governo dos Estados Unidos de reduzir programas e benefícios sociais,
que têm gerado muitos protestos naquele país.
Mostrando que costuma definir o repertório de suas
apresentações de acordo com o local e o momento presente, Amina também lembrou
outro item costumeiro em seu repertório. Cantou um blues muito adequado para um
dia nublado e chuvoso, em São Paulo, como o último domingo: “Standin’ in the
Rain”, de Bessie Smith, a famosa Imperatriz do Blues.
Tomara que o Sesc repense a frequência do Sesc Jazz e volte a realizar esse festival
anualmente, como fazem os eventos similares no Brasil e pelo mundo. Para os fãs desse gênero musical, como eu, não é fácil
esperar dois anos por um festival – talvez o melhor do país nesta década – ao
qual já nos acostumamos.