Pelas ruas do centro de Manaus já se viam poucas máscaras nos rostos das pessoas que circulavam pela cidade, nos últimos dias de julho de 2022. No entanto, outras marcas do longo e difícil período que enfrentamos durante a pandemia ainda estavam presentes no palco e nos bastidores do Amazonas Green Jazz Festival, evento que ofereceu durante nove dias (de 22 a 30/7) dezenas de concertos, palestras e workshops musicais.
Nos corredores e na plateia do centenário Teatro Amazonas, assim como nas dependências do Juma Ópera (hotel que hospedou os músicos e convidados desse festival), sensações se misturavam: a insegurança quanto a poder voltar a abraçar amigos e conhecidos; a incerteza em relação ao uso da máscara numa fase em que a pandemia já parece menos preocupante (viva a vacina!); a animação por poder desfrutar depois de tanto tempo o prazer de ouvir música ao vivo, em um dos mais belos teatros do mundo.Após os dois anos de distanciamento social imposto pela pandemia, as pessoas estavam ali reativando as memórias de quando podiam participar livremente de um dos rituais mais prazerosos para quem gosta de música, em especial de jazz e música instrumental. Nada melhor do que um festival para conhecer novos músicos do gênero, presenciar “jams” e “canjas” em bares da cidade, rever amigos e colegas, conhecer e degustar a culinária local.
Menções aos efeitos da pandemia foram ouvidas durante vários shows, no Teatro Amazonas. No sábado (30/7), o talentoso pianista e compositor norte-americano Aaron Parks agradeceu aos produtores do festival pela insistência em trazê-lo a Manaus neste ano, lembrando que deveria ter tocado na edição de 2020, mas ela foi cancelada dias antes da estreia. Ao abrir o concerto com sua composição “Rising Mind” (Mente em Ascensão), Parks parecia fazer alusão às lições que aprendeu durante os meses de distanciamento social.
A cantora Leila Pinheiro
Última atração do festival, a cantora Leila Pinheiro foi mais explícita. Depois de interpretar alguns clássicos da bossa nova, muito bem acompanhada pela Amazonas Band, ela sentou-se a um teclado. Antes de cantar, comentou que, graças às dezenas de “lives” que realizou durante o período mais duro da pandemia, conseguiu manter seu equilíbrio mental. Então, visivelmente emocionada, interpretou “Trem-Bala”, de Ana Vilela. “Segura teu filho no colo / Sorria e abraça os teus pais enquanto estão aqui / Que a vida é trem-bala, parceiro / E a gente é só passageiro prestes a partir”, diz a letra dessa pungente canção. Na plateia, outras pessoas também se emocionaram.
Já o trompetista Daniel D’Alcântara escolheu um contagiante tema jazzístico para abrir a apresentação de seu quinteto, na sexta (29/7). Quem acompanha a carreira desse conceituado músico e educador paulista sabe que “Canção Para Tempos Melhores” (composição instrumental do pianista Gustavo Bugni, que já integrou esse quinteto) emprestou seu título a um álbum que D’Alcântara lançou em 2015. Se, naquela época, o tom otimista desse tema já o fazia soar como um lenitivo musical, hoje ele ressoa mais poderoso e necessário ainda. Para isso também conta o talento dos craques que completam esse quinteto: Vitor Alcântara (sax tenor), Edson Sant’anna (piano elétrico), Cuca Teixeira (bateria) e Bruno Migotto (baixo acústico).
Aliás, a música instrumental brasileira esteve muito bem representada nesta edição. O pianista Gilson Peranzzetta e o saxofonista Mauro Senise, que se apresentam em duo há três décadas, tocaram delicadas releituras de temas cinematográficos e de clássicos da canção brasileira. Já o quarteto do guitarrista Bruno Mangueira exibiu um repertório saboroso e pouco usual, que reuniu composições de Sivuca (“Um Tom pra Jobim”), Severino Araújo (“Espinha de Bacalhau”) e Lupicínio Rodrigues (“Felicidade”), além de composições próprias.
Parceria muito feliz do baixista Paulo Paulelli com o baterista Edu Ribeiro e o pianista Fabio Torres, o Trio Corrente deliciou a plateia com seu samba-jazz descontraído e tiradas bem-humoradas. Não menos aplaudido, o trio do grande pianista Amilton Godoy (com o mesmo Ribeiro à bateria e Sidiel Vieira no baixo) também provocou sorrisos ao transformar em sambas algumas melodias clássicas de compositores eruditos.
Última atração do festival, a cantora Leila Pinheiro foi mais explícita. Depois de interpretar alguns clássicos da bossa nova, muito bem acompanhada pela Amazonas Band, ela sentou-se a um teclado. Antes de cantar, comentou que, graças às dezenas de “lives” que realizou durante o período mais duro da pandemia, conseguiu manter seu equilíbrio mental. Então, visivelmente emocionada, interpretou “Trem-Bala”, de Ana Vilela. “Segura teu filho no colo / Sorria e abraça os teus pais enquanto estão aqui / Que a vida é trem-bala, parceiro / E a gente é só passageiro prestes a partir”, diz a letra dessa pungente canção. Na plateia, outras pessoas também se emocionaram.
Já o trompetista Daniel D’Alcântara escolheu um contagiante tema jazzístico para abrir a apresentação de seu quinteto, na sexta (29/7). Quem acompanha a carreira desse conceituado músico e educador paulista sabe que “Canção Para Tempos Melhores” (composição instrumental do pianista Gustavo Bugni, que já integrou esse quinteto) emprestou seu título a um álbum que D’Alcântara lançou em 2015. Se, naquela época, o tom otimista desse tema já o fazia soar como um lenitivo musical, hoje ele ressoa mais poderoso e necessário ainda. Para isso também conta o talento dos craques que completam esse quinteto: Vitor Alcântara (sax tenor), Edson Sant’anna (piano elétrico), Cuca Teixeira (bateria) e Bruno Migotto (baixo acústico).
Aliás, a música instrumental brasileira esteve muito bem representada nesta edição. O pianista Gilson Peranzzetta e o saxofonista Mauro Senise, que se apresentam em duo há três décadas, tocaram delicadas releituras de temas cinematográficos e de clássicos da canção brasileira. Já o quarteto do guitarrista Bruno Mangueira exibiu um repertório saboroso e pouco usual, que reuniu composições de Sivuca (“Um Tom pra Jobim”), Severino Araújo (“Espinha de Bacalhau”) e Lupicínio Rodrigues (“Felicidade”), além de composições próprias.
Parceria muito feliz do baixista Paulo Paulelli com o baterista Edu Ribeiro e o pianista Fabio Torres, o Trio Corrente deliciou a plateia com seu samba-jazz descontraído e tiradas bem-humoradas. Não menos aplaudido, o trio do grande pianista Amilton Godoy (com o mesmo Ribeiro à bateria e Sidiel Vieira no baixo) também provocou sorrisos ao transformar em sambas algumas melodias clássicas de compositores eruditos.
O baterista Jeff "Tain" Watts
Além do lirismo e das belas melodias do já citado Aaron Parks, três outros jazzistas norte-americanos exibiram trabalhos bem diversos durante os últimos dias desse festival. Um dos bateristas mais criativos das últimas décadas, o energético Jeff “Tain” Watts abriu seu show com uma saborosa releitura de “Brilliant Corners” (do genial Thelonious Monk). E surpreendeu seus admiradores ao trazer em seu grupo o suíço Grégoire Maret – craque da gaita, que soaria bem melhor com o grupo de Parks .
Conceituado trombonista, John Fedchock demonstrou ao lado de seu sexteto (com destaque para o trompete de Scott Wendholt e o sax tenor de Troy Roberts) porque também é reconhecido como um excelente arranjador. Sua releitura da clássica balada “Nature Boy” (de Eden Ahbez) foi um dos grandes momentos de sua apresentação.
No entanto, para aqueles como eu, que já acompanhavam a cena do jazz nos anos 1970 e 1980, o grande destaque desta edição do festival foi mesmo o encontro do trompetista Randy Brecker com a Amazonas Band, regida pelo maestro Rui Carvalho, incluindo participações dos saxofonistas Rodrigo Ursaia e Felipe Salles. Os sorrisos do norte-americano ao ouvir os arranjos de “Some Skunk Funk” e outras de suas intrincadas composições, que se confundem com a era da chamada jazz-fusion, sinalizaram sua aprovação. Sem dúvida, essa big band amazonense já atingiu um padrão de qualidade internacional.
Tive o privilégio de cobrir para a “Folha de S. Paulo” a primeira edição do Festival Amazonas Jazz, em 2006, no mesmo Teatro Amazonas. Depois também fui a Manaus para acompanhar as edições de 2007 e 2011. Portanto, ao reencontrar agora esse evento rebatizado como Amazonas Green Jazz Festival, me sinto seguro para afirmar que a essência desse evento continua a mesma. Até porque o maestro Rui Carvalho, que idealizou e produz esse festival desde a primeira edição, continua a comandá-lo.
Além do lirismo e das belas melodias do já citado Aaron Parks, três outros jazzistas norte-americanos exibiram trabalhos bem diversos durante os últimos dias desse festival. Um dos bateristas mais criativos das últimas décadas, o energético Jeff “Tain” Watts abriu seu show com uma saborosa releitura de “Brilliant Corners” (do genial Thelonious Monk). E surpreendeu seus admiradores ao trazer em seu grupo o suíço Grégoire Maret – craque da gaita, que soaria bem melhor com o grupo de Parks .
Conceituado trombonista, John Fedchock demonstrou ao lado de seu sexteto (com destaque para o trompete de Scott Wendholt e o sax tenor de Troy Roberts) porque também é reconhecido como um excelente arranjador. Sua releitura da clássica balada “Nature Boy” (de Eden Ahbez) foi um dos grandes momentos de sua apresentação.
No entanto, para aqueles como eu, que já acompanhavam a cena do jazz nos anos 1970 e 1980, o grande destaque desta edição do festival foi mesmo o encontro do trompetista Randy Brecker com a Amazonas Band, regida pelo maestro Rui Carvalho, incluindo participações dos saxofonistas Rodrigo Ursaia e Felipe Salles. Os sorrisos do norte-americano ao ouvir os arranjos de “Some Skunk Funk” e outras de suas intrincadas composições, que se confundem com a era da chamada jazz-fusion, sinalizaram sua aprovação. Sem dúvida, essa big band amazonense já atingiu um padrão de qualidade internacional.
Tive o privilégio de cobrir para a “Folha de S. Paulo” a primeira edição do Festival Amazonas Jazz, em 2006, no mesmo Teatro Amazonas. Depois também fui a Manaus para acompanhar as edições de 2007 e 2011. Portanto, ao reencontrar agora esse evento rebatizado como Amazonas Green Jazz Festival, me sinto seguro para afirmar que a essência desse evento continua a mesma. Até porque o maestro Rui Carvalho, que idealizou e produz esse festival desde a primeira edição, continua a comandá-lo.
Rui Carvalho rege a Amazonas Band, no concerto de Randy Brecker
É natural que as afinidades musicais de um produtor ou de um diretor artístico acabem por se refletir no perfil do festival que organizam. Além de sua paixão pelas big bands, Carvalho já era educador havia 14 anos quando trocou São Paulo por Manaus, em 2001, para reger a Amazonas Band. Não à toa, o Festival Amazonas Jazz já adotava desde suas primeiras edições um viés educacional calcado em workshops, oficinas e palestras, além da programação de concertos,
Diferentemente de festivais mais ecléticos, que se abrem para outros gêneros musicais como o pop ou a black music, o Amazonas Green Jazz mantém um perfil mais focado no jazz e na música instrumental brasileira. Ao montar o elenco de cada edição, Carvalho reúne músicos consagrados e novos talentos desse gênero, mas também prioriza alguns solistas, tanto internacionais como brasileiros, que possam dividir seu conhecimento técnico com os estudantes de música e instrumentistas locais.
Foi o caso, neste ano, de conceituados músicos como o pianista porto-riquenho Edsel Gomez, os trompetistas Ed Sarath, Daniel Barry e Daniel D’Alcântara, o trombonista John Fedchock, os saxofonistas Rodrigo Ursaia, Felipe Salles e Marcelo Coelho, o guitarrista Bruno Mangueira ou os bateristas Celso de Almeida e Maurício Zottarelli, que ministraram masterclasses e workshops sobre seus instrumentos ou vertentes musicais que cultivam, além de participarem da programação de concertos e shows, no Teatro Amazonas.
Tomara que o Amazonas Green Jazz Festival volte a ser realizado com regularidade, nos próximos anos. E que sua excelente edição de 2022 seja um sinal de que a cena dos festivais de jazz e música instrumental tornará a crescer em nosso país.
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