Jazz na Fábrica: saxofonista Michael Blake traz diversidade ao festival do Sesc SP

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                                                                                   O saxofonista canadense Michael Blake
 
Na década de 1920, quando fez as gravações que o consolidaram como o primeiro grande solista do jazz, o trompetista norte-americano Louis Armstrong (1901-1971) certamente não imaginou que essa música baseada na improvisação seria cultivada em todo o mundo. Hoje é praticamente uma linguagem universal.

A globalização e a diversidade dessa vertente musical têm norteado a curadoria do Jazz na Fábrica, um dos maiores festivais do gênero no país. Sua sexta edição vai ocupar três palcos no Sesc Pompeia, em São Paulo, do dia 11 a 28 deste mês. Os ingressos começaram a ser vendidos nesta quinta (dia 4), pelo site do Sesc SP, assim como nas unidades do Sesc. 

Entre as 21 atrações há músicos, cantores e grupos instrumentais de diferentes países e etnias. Essa diversidade também se reflete na música: vários estilos jazzísticos, do cool ao free jazz, misturam-se com influências da black music, do rock, da música oriental ou da vanguarda europeia.

Quem abre a extensa programação é o trompetista norte-americano Wallace Roney, músico talentoso cuja trajetória tem sido marcada por uma constante polêmica. Alguns críticos jamais o perdoaram pela sonoridade muito semelhante à de Miles Davis (1926-1991), seu ídolo e mentor musical.

Já a obra do saxofonista e compositor canadense Michael Blake, que se apresenta nos dias 20 e 21, reflete como poucas a diversidade contemporânea do jazz. Desde a década de 1980, quando se radicou em Nova York, seus projetos têm revelado as mais variadas influências, do jazz de vanguarda à música oriental.

“Eu amo música de Nova Orleans, rhythm & blues e funk, gosto de cavar raízes e de world music”, diz Blake, 52, em entrevista à Folha. “Meu primeiro álbum já tinha a ver com uma viagem ao Vietnã e eu segui procurando inspiração em minhas experiências pessoais. Tento achar um equilíbrio entre o intelecto e a emoção”.

“Fulfillment”, seu álbum mais recente, destaca uma suíte de sua autoria que remete a um histórico caso de racismo no Canadá: em 1914, centenas de imigrantes indianos foram impedidos de entrar no país pelo porto de Vancouver.

“Eu me inspirei em eventos recentes na Europa e nos Estados Unidos, mas também tenho uma conexão ancestral com aquele incidente no Canadá, porque meu tio-avô foi o responsável pela recusa a receber os imigrantes. Senti que seria importante oferecer, por meio de minha música, um gesto de reparação”, explica o compositor.

Curiosamente, Blake só veio a lançar um disco de jazz sem misturas já em 2014. Nesse trabalho, ao lado de seus costumeiros parceiros Ben Allison (contrabaixo) e Frank Kimbrough (piano), ele rendeu homenagens a dois clássicos mestres do saxofone: Lester Young (1909-1959) e Coleman Hawkins (1904-1969).

“Meu 12º álbum, ‘Tiddy Boom’, foi o primeiro de jazz puro. Esperei 30 anos para fazer um disco como esse porque queria que ele fosse especial, algo atemporal”, justifica o saxofonista.

Blake já esteve duas vezes em São Paulo, na década passada. Em 2008, quando tocou com o quinteto de Ben Allison, numa noite da qual não se esquece, foi levado a um clube para ouvir samba e beber caipirinhas.

“Sou um dançarino terrível, mas uma bela garota me ensinou alguns passos. Aquela foi uma das noites mais prazerosas de minha vida”, relembra o músico, que diz já ter sido fanático pelas canções de Tom Jobim. Chegou até a formar uma banda para tocar bossa nova, em Nova York.

Em meio à conturbada eleição para a presidência dos Estados Unidos, como não perguntar a Blake se
já pensou na possibilidade de voltar para o Canadá, caso o falastrão Donald Trump vença?

Ele ri e, dizendo estar otimista, conta que vai votar pela primeira vez na vida. “Nunca votei antes, nem mesmo antes de vir morar em Nova York. Lamentei não ter votado em Obama, mas não vou perder a chance de votar na primeira mulher presidente dos Estados Unidos”, conclui. 


(Texto que escrevi para a "Folha de S. Paulo",  publica parcialmente em 5/8/2016) 




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