Madeleine Peyroux: enfim encontrando sua identidade musical

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Na faixa de abertura (“Instead”, um saltitante blues acústico), o timbre vocal e a maneira de arrastar certas palavras ainda lembram o estilo único de Billie Holiday (1915-1959). Mas basta ouvir as faixas seguintes de “Bare Bones” (selo Rounder/Universal), o quarto álbum de Madeleine Peyroux, para se notar que a jovem cantora norte-americana parece enfim ter começado a descobrir sua identidade musical.

Com a produção assinada por Larry Klein (conhecido por sua longa associação com a canadense Joni Mitchell), “Bare Bones” estabelece Madeleine como compositora. Na verdade, ela já havia exibido quatro canções próprias no anterior “Half the Perfect World” (2006), mas ainda sem a consistência que revela agora.

Para uma intérprete cujo repertório foi centrado durante anos em standards do blues e do jazz, ou, mais recentemente, em canções folk de Leonard Cohen e Bob Dylan, quase sempre tingidas por uma considerável dose de melancolia, uma canção como “You Can’t Do Me” (“você não pode transar comigo”), parceria da cantora com Klein e Walter Becker (da banda Steely Dan), é um sinal de novidade.

O ritmo bem marcado entre o rock e o rhythm & blues, colorido por órgão e guitarra, reforça a saliência dos versos: “Eu sei que fico tão triste / Vou fundo como um escafandrista no mar / Fora como um sax tenor à Coltrane / Perdida como uma criança chinesa na guerra / Morta, morta, morta! / Desgraçada como um meeiro do Mississipi / Fodida como uma cheerleader de colégio”.

Esse tom confessional se mantém em outras canções do álbum, como a delicada “I Must Be Saved”, única composta somente pela cantora, que também assina as outras dez com vários parceiros. Ou a triste “River of Tears” (outra com Klein), que Madeleine fez para se despedir do pai, morto alguns anos atrás.

Para quem ainda não teve a oportunidade de ver alguma das várias apresentações que Madeleine já fez por aqui, nos últimos anos, fica um aviso: parte do encanto de suas interpretações registradas nos discos se desfaz no palco, já que ela está longe ainda de ser uma cantora segura, muito menos carismática.

Mas essa timidez acaba funcionando a favor da cantora, reforçada por seus folclóricos sumiços da cena musical, que já renderam páginas e páginas nos jornais e na internet. Graças a esses episódios de aparente rebeldia, não são poucos os fãs que acreditam que a frágil e confessional Madeleine Peyroux realmente viveu todas as perdas e fracassos amorosos sugeridos em suas canções.

(resenha publicada na “Folha de S. Paulo”, em 18/02/2009)



1 Comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Mais uma,entre tantas,que desconheço.

 

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