New Orleans Jazz Fest: ao festejar 50 anos, evento reforçou seu apoio à diversidade

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                            Trombone Shorty (no centro) se despede da plateia do 50.º New Orleans Jazz Fest 

Talvez só mesmo a orientação progressista da cosmopolita cidade norte-americana de Nova Orleans possa explicar o fato de artistas como a rapper Boyfriend ou a “queen diva” Big Freedia terem se apresentado no New Orleans Jazz & Heritage Festival, cuja 50.ª edição terminou no último domingo (5/5). Quem já as ouviu sabe que as músicas de ambas não têm nada a ver com o jazz.

Difícil imaginar a feminista Boyfriend (personagem que essa rapper nascida em Nashville assume até em entrevistas), num festival mais conservador do gênero. Vestindo lingerie, com caricatos bobes no cabelo, ela transpôs para o palco do Jazz Fest (é assim que os moradores da cidade se referem ao evento) os shows que vem fazendo há alguns anos em boates LGBT de Nova Orleans. Sua versão de “Another Brick in the Wall”, da clássica banda de rock Pink Floyd, é hilariante.

Inusitado também é ver em um dos maiores palcos do Jazz Fest o “bounce” de Big Freedia 
— uma frenética modalidade de música eletrônica, cuja dança acrobática chega a lembrar os rebolados do grupo baiano É o Tchan. Em vários momentos, o show da “queen diva” se transforma praticamente em uma competição. Os dançarinos se esforçam para mostrar que podem fazer seus traseiros tremerem mais que os dos colegas.

“O Jazz Fest está ficando velho”, brincou o instrumentista e cantor Trombone Shorty, 33, hoje um dos artistas de Nova Orleans mais populares mundialmente, quase ao final do show de encerramento do festival. Minutos antes, ele protagonizou um emotivo encontro de gerações ao receber os veteranos músicos da banda Neville Brothers, que até 2012 costumavam encerrar o evento no mesmo palco – o maior dos doze instalados no hipódromo da cidade.  


                                   
Acompanhado pelo irmão Cyril e pelo filho Ivan, o cantor Aaron Neville interpretou uma pungente versão do hino religioso “Amazing Grace”, sob o olhar emocionado de Shorty, que tinha apenas 12 anos quando fez as primeiras aparições ao lado dos Neville Brothers. Tratando-se de um festival que sempre estimulou colaborações entre músicos de diferentes gerações, essa cena já entrou para a história do evento.

As altas temperaturas verificadas durante quase todo o festival podem ajudar a explicar alguns desatinos incomuns, vistos nos oito dias de programação. Ontem, na tenda de jazz moderno, os disputados lugares para assistir ao excelente show do quinteto do pianista e compositor Herbie Hancock (na foto acima) renderam alguns bate-bocas na plateia.  




Pior foi o que se viu no primeiro domingo (28/4), quando um dos clãs musicais mais populares de Nova Orleans homenageou seu líder. A tenda de jazz foi pequena demais para o esperado reencontro dos irmãos Branford, Wynton, Delfeayo e Jason Marsalis (na foto acima) com o pai  o pianista e educador Ellis Marsalis, 84. Não bastassem as ríspidas disputas pelas últimas cadeiras vazias, membros da produção chegaram a perturbar o show várias vezes, gritando para que as pessoas desocupassem os corredores e entradas da tenda.

Entre os destaques mais jazzísticos do festival, a jovem cantora Cécile McLorin Salvant confirmou em um show primoroso 
 com meia sala vazia, ironicamente, mas aplaudida de pé  que é uma das grandes intérpretes da cena atual do gênero. Mais sorte teve o cantor José James, cujo tributo em vida ao soulman Bill Withers (hoje com 80 anos) foi festejado por uma plateia mais ampla e eufórica. Uma boa surpresa foi o jazz cigano dos instrumentistas do grupo europeu Django Festival Allstars.    


Ao final dos oito dias de programação fica a impressão de que a 50ª edição não será tão inesquecível quanto pretendiam seus organizadores. O cancelamento do show dos Rolling Stones (o vocalista Mick Jagger teve de enfrentar uma cirurgia cardíaca), um mês antes, deixou o evento sem sua atração mais famosa. Talvez já não houvesse mais tempo hábil para reforçar a grade de programação, que poderia ter sido mais brilhante, em uma data tão especial.

Mesmo assim, no caso de um festival tão eclético, com mais de 500 atrações que vão do gospel e do blues tradicional ao jazz contemporâneo, passando por quase todas as vertentes da música popular afro-americana, uma avaliação geral é sempre algo muito pessoal. Até porque, no imenso leque de atrações do New Orleans Jazz & Heritage Festival, cada um acaba escolhendo o seu próprio programa.

(Texto publicado parcialmente no website da "Folha de S. Paulo", em 7/05/2019. Viagem realizada a convite da New Orleans & Company e do Cambria Hotel)

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