Johnny Alf; será que agora o pioneiro da bossa vai começar a ser cultuado?

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A música popular brasileira perdeu um de seus criadores mais originais e elegantes. Fica aqui minha homenagem a Johnny Alf, grande músico e compositor que tive o privilégio de ouvir ao vivo, além de ter conversado algumas vezes com ele. A última ocasião foi durante uma entrevista para a "Folha de S. Paulo", em janeiro de 2009, pouco antes de uma de suas últimas apresentações em São Paulo. A seguir, reproduzo na íntegra o texto que escrevi logo após a morte de Johnny, no último dia 4/1. 
 
Johnny Alf antecipou a sofisticação da bossa nova
CARLOS CALADO
Colaboração para a Folha de S. Paulo

É triste constatar que um artista tão inventivo e essencial para a modernização da música popular brasileira, como Johnny Alf, tenha recebido em vida uma parcela de reconhecimento muito aquém do que sua obra merece. Não que ele reclamasse. Da maneira mais nobre e elegante, cultivou sua arte por mais de seis décadas, tocando e cantando para platéias muitas vezes reduzidas, mas conscientes de que ouvi-lo era um grande privilégio.

Ninguém mais do que ele merece o título de precursor da bossa nova. Seu samba “Rapaz de Bem”, composto em 1953 e gravado dois anos depois, é uma prova indiscutível de originalidade. Muito do que veio a se chamar de bossa nova, no final daquela década, foi antecipado por Alf nessa gravação: o sofisticado encadeamento harmônico, os versos descontraídos, a maneira moderna de cantar sem impostar a voz.

Com sua concepção inovadora, ele contribuiu ativamente para fazer as cabeças dos futuros articuladores da bossa nova. Tom Jobim, Newton Mendonça e João Gilberto eram alguns dos amigos e admiradores que freqüentavam suas apresentações na boate Plaza, em Copacabana, durante os anos de 1953 e 1954. Outros, como Roberto Menescal, Carlinhos Lyra e Luís Carlos Vinhas, ainda menores de idade, tinham que se esconder se algum policial entrasse na casa noturna.

Nada mais justo que, anos depois, Johnny Alf fosse convidado por eles a participar dos primeiros shows oficiais dos bossa-novistas, organizados em universidades do Rio de Janeiro. Ao anunciá-lo, o apresentador Ronaldo Bôscoli reconhecia o vanguardismo do mestre, dizendo que ele era “bossa nova desde o dia em que nasceu”.

Humilde, Alf não construía mitos em suas entrevistas. Jamais escondeu que, além da básica formação erudita, o jazz teve um papel fundamental em sua concepção musical. Gostava de ouvir jazzistas modernos, como o pianista Lenny Tristano ou o saxofonista Lee Konitz, mas seus modelos no gênero foram mesmo o pianista Nat King Cole e a cantora Sarah Vaughan.

Sua paixão pelo cinema resultou em outras influências: por meio dos musicais de Hollywood entrou em contato com as pérolas de mestres da canção norte-americana, como George Gershwin, Cole Porter e Irving Berlin. Já no campo da música brasileira, seu interesse recaía sobre compositores que buscavam algo mais elaborado, como Custódio Mesquita ou Garoto, também considerados precursores da bossa.

Obviamente, no caso de um compositor tão sensível e criativo, essa refinada combinação de influências só serve de referência para se tentar entender em qual contexto nasceram obras-primas como “Ilusão à Toa”, “Céu e Mar”, “Olhos Negros” ou “Fim de Semana em Eldorado”. Sem um toque definitivo de genialidade, elas jamais existiriam.

Hoje é difícil acreditar que “Eu e a Brisa”, a sublime canção pela qual ele será sempre lembrado pelo grande público, tenha sido rejeitada nas eliminatórias do Festival de MPB da TV Record, em 1967. Um caso irônico que mostra como o original Johnny Alf foi um criador à frente de seu tempo.


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