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José James: o cantor de jazz que não abre mão do soul e do hip hop

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Quatro anos atrás, quando veio ao Brasil para se apresentar no festival de jazz de Rio das Ostras (RJ), já anunciado como grande revelação vocal desse gênero na última década, o norte-americano José James surpreendeu quem teve a oportunidade de entrevistá-lo. Meses após o lançamento de seu elogiado álbum “For All We Know”, com releituras de clássicos jazzísticos, ele dizia que não queria mais ser tratado como cantor de jazz.

Os discos que James gravou posteriormente provaram que ele tinha razão ao rejeitar a limitação desse rótulo. “No Beginning no End” (lançado em 2013), com marcantes influências da soul music, do R&B e do hip hop, e “While You Were Sleeping” (2014), de viés mais experimental, confirmam que o jazz é só uma das fontes que alimentam sua contemporânea concepção musical.

“O que eu tenho buscado é me expressar de maneira completa. Jamais aceitei a ideia de que cantar jazz implicaria em deixar o soul ou o hip hop fora de minha música”, reafirma agora o cantor e compositor de 37 anos, em entrevista ao "Valor", dias antes de voltar ao Brasil para apresentações no Mangaratiba Jazz & Blues Festival (dia 24/10, no litoral fluminense) e no Bourbon Street Music Club (dia 27/10, em São Paulo).

Nesses shows, James vai exibir o repertório de seu álbum mais recente, “Yesterday I Had the Blues” (lançamento do selo Blue Note), ainda inédito no Brasil. Trata-se de um tributo musical à cantora Billie Holiday, a maior intérprete do jazz na opinião de muitos críticos e fãs, cujo centenário de nascimento está sendo comemorado neste ano.

“Acho que muita gente se perguntou como andaria minha relação com o jazz, depois que gravei projetos tão diferentes”, diz o intérprete, comentando que a reação das plateias a esse álbum tem sido bastante positivas. “Para meus fãs e apreciadores do jazz em geral, me ouvir cantar com alguns dos melhores músicos de jazz do mundo foi algo realmente especial”, diz, referindo-se a Jason Moran (piano), John Patitucci (contrabaixo) e Eric Harland (bateria), conceituados instrumentistas que o acompanharam nas gravações.

Envolvido com o jazz de Billie Holiday desde a adolescência, no início dos anos 1990, quando também ouvia o rock da banda Nirvana e o hip hop dos grupos De La Soul e A Tribe Called Quest, James não pretende apenas homenagear essa grande cantora, a qual considera sua “professora”. Nos últimos meses, durante a turnê calcada no repertório de Billie, ele tem chamado a atenção de suas plateias no sentido de recuperar a distorcida imagem pública dessa artista.

“Quando as pessoas pensam em Billie Holiday, é muito comum retratá-la como vítima: uma figura muito triste e trágica, uma dependente de drogas que não tinha controle sobre sua vida amorosa, sobre seu dinheiro ou sobre sua carreira profissional. Acho que devemos corrigir essa visão reducionista”, afirma James. “Temos que nos referir a ela como fazemos, por exemplo, com Miles Davis: ela era um gênio, com qualidades admiráveis que extrapolavam até seus incríveis dotes musicais. Acho importante enfatizar, por exemplo, que ela foi uma destemida batalhadora por mudanças e direitos iguais na sociedade americana”.

Em vez de tentar “modernizar” a obra de Billie, algo que outros intérpretes já buscaram em releituras, James preferiu explorar sua ligação emocional com o repertório da cantora. Suas versões para “Good Morning Heartache”, “I Thought About You” e “Body and Soul”, entre outras faixas do álbum, enfatizam os silêncios, o sentimento embutido nas letras. Suas gravações transmitem aquela sensação de sinceridade que identificam as interpretações da própria Billie Holiday.

“Não tentamos ‘recriar’ nada, muito menos estamos dizendo ‘olhe aqui, ouça essa música porque é muito importante’, como se estivéssemos em uma sala de aula”, comenta James. “As canções de Billie parecem ter sido compostas nos dias de hoje. Sua música pode fazer sentido para qualquer pessoa”.

Um dos poucos cantores da cena musical de hoje que frequentam os principais festivais de jazz pelo mundo (assim como os colegas Kurt Elling, Gregory Porter ou Freddy Cole), com seu privilegiado timbre de barítono, James revela humildade ao reconhecer que, de maneira geral, as mulheres costumam estar à frente dos homens, no universo do jazz vocal.

“Cantoras, como Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Abbey Lincoln ou Carmen McRae, sempre estiveram na vanguarda do canto jazzístico. E essa tendência continua válida nos dias de hoje, com Cassandra Wilson, Dianne Reeves, Gretchen Parlato e Esperanza Spalding, entre outras. Há muitas cantoras realmente talentosas por aí procurando novas direções”, admite o cantor, que vê com simpatia a hegemonia vocal das mulheres. “Até pelo fato de que o jazz tende a ser um ambiente um tanto sexista, onde é difícil para uma mulher se destacar como instrumentista, é importante que as cantoras tenham esse destaque”.

Descendente de afro-panamenhos e irlandeses, James nasceu em Minneapolis. Sua ligação com o hip hop – paralelamente à admiração que já tinha pelo jazz de John Coltrane e pela soul music de Marvin Gaye, dois de seus ídolos – acabou por leva-lo a se mudar, no final dos anos 1990, para a cidade de Nova York, onde tem vivido na área do Brooklyn.

Se, alguns anos atrás, a diversidade de seu repertório ainda confundia parte do público e da crítica, hoje James considera que sua personalidade musical tem sido melhor compreendida. “Acho que as pessoas já começaram a entender que eu faço um pouco de tudo em meus shows. Mesmo nestes concertos dedicados a Billie Holiday, eu acho importante cantar algumas de minhas músicas”, observa o cantor, que também estará bem acompanhado, nesta temporada, pelo argentino Leo Genovese (piano acústico e elétrico) e pelos norte-americanos Nate Smith (bateria) e Solomon Dorsey (baixo).

Acostumado a idealizar com antecedência seus álbuns, James já tem um novo projeto em mente. “Estou planejando um álbum duplo que incorpora samples de gravações da Blue Note, realizadas nos anos 1970, por músicos de jazz como Donald Byrd e Eddie Henderson”, revela.

O contrato com um lendário selo de jazz, assim como a boa repercussão de seus discos, já teriam feito James concluir que encontrou seu caminho musical? “Sim e não”, ele responde. “Sinto que já sou bem aceito e respeitado internacionalmente. Por outro lado, ainda me sinto faminto. Quero tentar novas coisas e atingir mais gente. Vejo minha carreira, minha busca pela expressão individual, como uma jornada para a vida inteira”.


(Entrevista publicada no jornal "Valor Econômico", na edição de 23/10/2015)

Billie Holiday: centenário da cantora inspira Cassandra Wilson e José James

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Muitos fãs de Billie Holiday nem imaginam que, ao morrer com apenas 44 anos, a mais cultuada cantora do jazz quase não era ouvida nas rádios norte-americanas. Até seus poucos discos em catálogo eram difíceis de encontrar.

Sua morte, em 17 de julho de 1959, ocorreu em condições revoltantes. Internada em um hospital de Nova York, para tratar de problemas no coração e no fígado, ela passou seus últimos dias algemada na cama, vigiada por policiais, após receber ordem de prisão por porte de heroína.

A trágica história de Billie Holiday se tornou uma lenda similar às de outros astros musicais mortos prematuramente, como Charlie Parker, Jimi Hendrix ou Amy Winehouse. Mas é bem provável que suas gravações não tivessem causado tamanho impacto sobre as gerações posteriores, se não transmitissem tanta sinceridade.

Lançada agora por ocasião do centenário de nascimento dessa grande intérprete, a compilação “God Bless the Child” (lançamento Verve/Universal) pode servir de introdução à sua obra. Entre as 14 faixas, gravadas nos anos 1940 e 1950, canções e blues como “My Man”, “Stormy Wheater” ou “I Don’t Want to Cry Anymore” mostram que Billie cantava o que vivia e sentia. 


Seu carisma fica mais evidente ainda na faixa final, “Strange Fruit”, gravada num concerto em Los Angeles, em 1946. Item essencial de seu repertório, a dramática canção de Lewis Allan (cujos versos remetem aos enforcamentos de negros no sul dos EUA) tornou-se símbolo da luta contra o racismo.

“Strange Fruit” também está presente em álbuns recém-lançados por Cassandra Wilson e José James – brilhantes intérpretes da cena atual do jazz. Ambos rendem homenagens à cantora que os influenciou.

“Tenho certeza de que ela não iria querer ouvir alguém cantar uma canção do mesmo modo que ela fez em 1941 ou 51”, afirma Cassandra, no encarte do álbum “Coming Forth by Day” (lançamento Legacy/Sony), justificando sua intenção de “trazer Billie para um novo dia, e dar à (sua) música uma expressão de século 21”.



Para isso, convocou o produtor pop Nick Launey, conhecido por trabalhos com Nick Cave e Arcade Fire. Recheados de cordas, os arranjos do álbum trazem sonoridades incomuns no universo do jazz moderno: como o banjo de Kevin Breit, na lenta versão de “The Way You Look Tonight”; ou o violino de Eric Gorfain, em “I’ll Be Seeing You”. 



Se Cassandra aproxima Billie da música pop, José James prefere adotar uma sonoridade bem jazzística, em seu álbum “Yesterday I Had the Blues” (lançamento Blue Note/Universal, ainda sem edição brasileira), contando com um trio de feras do gênero: Jason Moran (piano), John Patitucci (baixo acústico) e Eric Harland (bateria).

Intimistas, as versões de James para “Good Morning Heartache”, “Body and Soul” e “Tenderly”, entre outras, enfatizam os silêncios, o sentimento. Mais ainda: transmitem aquela sensação de sinceridade que sempre marcaram as interpretações de Billie Holiday.

Ao final da audição dessas homenagens tão diferentes, fica no ar a velha questão que deveria afligir qualquer um que se aventura num projeto de releituras: até onde se pode chegar sem descaracterizar a obra original?


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", edição de 25/7/2015)

 

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