O palco era o mesmo no qual o então eufórico Stevie Wonder anunciou, em 2008, o seu apoio à candidatura de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos. De volta ao New Orleans Jazz & Heritage Festival, anteontem (sábado), o cantor e compositor fez questão de demonstrar seu desagrado frente à atual orientação política do país.
“Muita coisa mudou desde a última vez que nos encontramos”, disse, bastante sério, abrindo o show com uma preleção. “Eu imploro a todos vocês: não deixem que o amor sobre o qual eu tenho falado tanto seja excluído por aqueles que têm trazido muita negatividade a esta nação”.
Sem pronunciar o nome de Donald Trump, referindo-se ao “senhor n.º 45” (por ser ele o 45º presidente norte-americano), Wonder disse que “deus lhe deu essa posição que ocupa com o propósito de unir as pessoas, não de dividi-las”.
Mesmo durante o show, recheado de dançantes sucessos de seu repertório, como “Sir Duke”, “Don’t You Worry ‘Bout a Thing”, “Supersticious” e “Higher Ground”, o cantor seguiu fazendo alusões políticas, como pedir à plateia que repetisse a palavra de ordem “racismo é inaceitável”.
A edição deste ano do Jazz Fest (é assim que os moradores de Nova Orleans se referem a ele) também será lembrada, no futuro, por uma extensa homenagem à música e à cultura de Cuba, que resultou em uma aparente extravagância da produção. Mais de 150 músicos e artistas cubanos, divididos em treze atrações, circularam por vários dos doze palcos do festival durante os sete dias de shows.
Dois desses artistas já estiveram no Brasil e brilharam na programação de ontem (domingo). A tenda de jazz estava superlotada para ouvir o veterano pianista e compositor Chucho Valdés, que exibiu seu exuberante jazz afro-cubano, tocando com um quinteto.
Restrita a dois palcos pequenos, a carismática cantora Daymé Arocena (que se apresentou no festival paulistano Jazz na Fábrica, em 2015) pagou, provavelmente, o preço de ainda ser considerada uma revelação. Sua bela voz e o repertório que mistura ritmos tradicionais cubanos e soul music poderiam ter conquistado mais fãs, em palcos maiores.
Mais sorte teve o talentoso tecladista e percussionista Pedrito Martinez, que se apresentou nos dois finais de semana do evento com projetos diferentes: seu eletrizante quarteto e o mais tradicional Rumba Project. Contagiante também foi a apresentação do Septeto Santiaguero, que fez as plateias dançarem com seus “sons”, “guarachas” e “guaguancós”.
Entre as atrações do último final de semana, na tenda de jazz, destacou-se o SF Jazz Collective, formado por craques do jazz contemporâneo, como os saxofonistas David Sánches e Miguel Zenón, o trombonista Robin Eubanks e o pianista Edward Simon. A plateia vibrou com os criativos arranjos para composições de Miles Davis.
Impressionante também foi constatar que o saxofonista Lee Konitz (na foto acima, à direita), um dos pioneiros do chamado cool jazz da década de 1950, ainda está em boa forma, a poucos meses de completar 90 anos.
Já a escalação do veterano trompetista Herb Alpert (cujos sucessos tomaram conta dos elevadores e salas de espera de consultórios nos anos 1960) e a do saxofonista Boney James (um clone do intragável Kenny G), soaram como apelações comerciais. Se a intenção era vender mais ingressos para compensar o investimento na delegação cubana, até que foi por uma boa causa.
(Reportagem publicada na "Folha de S. Paulo", em 8/5/2017. Viagem realizada com apoio do New Orleans Metropolitan Convention & Visitors Bureau)
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