Centenário do jazz gravado: a Original Dixieland Jazz Band e seu 'jass' circense

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 Se você gosta de jazz, prepare seu cartão de crédito. Neste ano, em que se comemoram os centenários de nascimento de três saudosos astros desse gênero musical –- a cantora Ella Fitzgerald (em 25/4), o pianista Thelonious Monk (10/10) e o trompetista Dizzy Gillespie (21/10) –-, é bem provável que, nos próximos meses, você não resista a lançamentos de discos e livros, ou mesmo concertos, em homenagem a esses grandes mestres do improviso.

Outra efeméride, que remete aos primórdios do jazz, será lembrada neste domingo. O quinteto Original Dixieland Jass Band realizou um século atrás (exatamente em 26 de fevereiro de 1917, em Nova York) as duas primeiras gravações comerciais desse gênero musical. Se você ainda não conhece “Dixie Jass Band One-Step” e “Livery Stable Blues”,  pode ouvi-las nos links abaixo. Não se assuste: trata-se de um jazz meio circense e caricato, tanto que ainda era escrito com dois esses (“jass”).

Liderada pelo cornetista (na época os jazzistas ainda não usavam o trompete) Nick LaRocca, músico de New Orleans que se vangloriava de ter inventado o jazz, a Original Dixieland Jass Band é citada como um clássico exemplo de apropriação cultural. Não foram poucos os músicos e estudiosos do gênero que acusaram LaRocca e seus quatro parceiros de Chicago, todos brancos, de terem copiado de músicos negros boa parte do que tocavam.

Como estavam no lugar certo, no momento certo, LaRocca e a ODJB se deram bem: entraram para a história como a primeira banda norte-americana que vendeu mais de um milhão de discos. No entanto, em termos puramente musicais, talvez sua maior contribuição tenha sido a de inspirar o cornetista Bix Beirderbecke (1903-1931), este sim um original instrumentista e compositor de jazz.

Ironicamente, a proeza de ter feito as primeiras gravações de jazz quase ficou com um músico negro. O cornetista Freddie Keppard (1889-1993), um dos jazzistas pioneiros de New Orleans, chegou a ser convidado pelo selo Victor (o mesmo que produziu os discos da ODJB) a gravar com sua Original Creole Orchestra, ainda em 1915, quando se apresentou com sucesso em Nova York. Ingênuo, Keppard rejeitou a proposta: acreditou que assim evitaria que outros músicos “roubassem” sua música.

Vale lembrar que, em 1995, a cidade de New Orleans, que ostenta o também controverso título de “berço do jazz”, comemorou outro suposto centenário desse gênero musical. Para isso tomou como marco a criação da banda de jazz do pioneiro cornetista Buddy Bolden (1877-1931). Esse musico lendário foi uma das influências do trompetista e cantor Louis Armstrong (1901-1971), o maior expoente do jazz tradicional.

Claro que o centenário das primeiras gravações de jazz também será comemorado em New Orleans. O Snug Harbor, um dos melhores clubes de jazz da cidade, recebe neste domingo a Original Dixieland Jazz Band, versão atualizada da banda, que o trompetista Jimmy LaRocca (filho de Nick) decidiu formar em meados dos anos 1990. No mercado musical, poucos resistem a um lucrativo centenário.

(Texto publicado parcialmente na “Folha de S. Paulo”, em 25/2/2017)





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