Ilhabela in Jazz: festival se consagra com aposta na música instrumental brasileira

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                                            O pianista Cesar Camargo Mariano, no festival Ilhabela in Jazz

Num ano marcado por tantas dificuldades econômicas, em que alguns dos principais festivais brasileiros de jazz, blues ou música instrumental sofreram cortes, adiamentos ou até foram cancelados, o Ilhabela in Jazz realizou uma edição que chega a ser surpreendente. O saldo artístico de suas quatro noites de shows (12 a 15/10) não poderia ser mais positivo.

Gratuito, o evento conta com uma estrutura rara comparada às de outros festivais do gênero no país. Assim como o palco instalado à beira-mar, no centro histórico da cidade de Ilhabela (SP), a área destinada à plateia é totalmente coberta, incluindo mesas, cadeiras e serviço de bar. Graças a essa estrutura os shows não foram prejudicados pelas chuvas eventuais –- bem fortes, aliás, na segunda noite do evento.

Ironicamente, enquanto outros festivais brasileiros perderam os patrocínios de grandes empresas neste ano, a quarta edição do festival de Ilhabela foi bancada somente pela prefeitura local. Essa cidade litorânea paulista goza de uma situação financeira bem diferente da enfrentada pelas cidades da bacia de Campos (RJ). Graças aos royalties recebidos pela exploração de gás natural, além do pré-sal, a arrecadação do município tem crescido de maneira expressiva nos últimos anos.  


É claro que um orçamento graúdo não garante por si só a qualidade artística e o sucesso de um festival. Para isso foi fundamental também a visão musical do curador, o pianista e professor Paulo Braga, que soube encontrar o necessário equilíbrio entre os gêneros que podem ser incluídos, sem grandes choques estéticos, no amplo rótulo do jazz.

Some-se a isso a decisão de não fazer concessões para atrair mais público, com a inclusão no elenco de artistas que nada teriam a ver com a essência de um festival de jazz. O recente episódio da desastrosa participação da cantora Paula Fernandes, no concerto do tenor italiano Andrea Bocelli, em São Paulo, é um exemplo perfeito de como o oportunismo comercial pode prejudicar um evento artístico.

A curadoria de um festival de jazz também precisa contar com uma boa dose de ousadia para assumir, por exemplo, o risco de incluir uma atração mais sofisticada, ou mesmo inusitada, que desafie a sensibilidade da plateia. Foi o que Braga fez ao programar a apresentação da cantora Mônica Salmaso com o quinteto Sujeito a Guincho (na foto acima). Um concerto de voz e cinco clarinetes, com arranjos camerísticos de clássicos da música popular brasileira (de Noel Rosa, Hermeto Pascoal, Wilson Batista e Ataulfo Alves, entre outros) ou até do “Hino Nacional Brasileiro”, seria um programa mais adequado para um teatro, mas a atenção da plateia e seus aplausos entusiasmados mostraram que vale a pena correr riscos, especialmente  quando se trata de música de alta qualidade, interpretada com emoção.

A apresentação da talentosa dupla Vanessa Moreno e Fi Maróstica, ainda pouco conhecida fora do circuito alternativo, também agradou à plateia de Ilhabela. Manter a atenção de tantos ouvintes por mais de uma hora, com muitos improvisos de voz e contrabaixo, foi uma proeza. Claro que o repertório do show –- extraído do recém lançado álbum da dupla, com releituras de canções de Gilberto Gil –- ajudou bastante.

Ainda na categoria revelação, a apresentação do trio do pianista Robson Nogueira, que abriu o evento, não poderia ser mais feliz. Suas composições calcadas em ritmos brasileiros, além da versão em samba do clássico “Tune Up” (de Miles Davis), provaram que esse músico “prata da casa” merecia estar no elenco do festival mesmo que não tivesse vivido nessa cidade.

Discorrer agora sobre os artistas mais conhecidos e experientes do elenco seria, de certo modo, chover no molhado. Qualquer ouvinte que acompanha a cena musical de hoje sabe que o pianista César Camargo Mariano, o guitarrista Stanley Jordan, o trombonista Raul de Souza ou a Nelson Ayres Big Band, todos muito aplaudidos em suas apresentações, podem brilhar em qualquer festival de jazz no mundo.
 

Desse grupo também fazem parte, naturalmente, o bandolinista Hamilton de Holanda e o baixista camaronês Richard Bona (na foto ao lado), que protagonizaram um episódio inesperado. O baile de gafieira de Hamilton, programado para encerrar o festival, não chegou a contagiar muitos dançarinos: grande parte da plateia preferiu acompanhar sentada os saborosos improvisos do bandolinista e dos craques de sua banda. Curiosamente, na noite anterior, o carismático Bona e sua banda Mandekan Cubano logo incendiaram a plateia com seus ritmos afro-cubanos, transformando o show em uma festa dançante.

Importante destacar ainda, no elenco musical do Ilhabela in Jazz, a alta qualidade das apresentações de outros três grupos instrumentais de São Paulo – todos eles bastante aplaudidos. A beleza das composições e dos arranjos do quinteto Vento em Madeira (com participação especial de Mônica Salmaso, nos vocais), os improvisos contagiantes do “power trio” comandado pelo violinista Ricardo Herz e o criativo mergulho do quinteto do baterista Edu Ribeiro na diversidade rítmica brasileira (com ênfase em ritmos do sul do país) também figuraram entre os momentos mais saborosos do festival.

Bem organizado, com evidente aprovação da plateia durante as quatro noites de shows, o festival paulista se consolida como um dos melhores do pais. E deixa uma lição: contando com apenas duas atrações estrangeiras entre as 12 de seu elenco musical, o Ilhabela in Jazz demonstrou ser possível fazer um evento de sucesso apostando, antes de tudo, na riqueza da música instrumental brasileira, que vive nesta década uma grande fase.

A cobertura do 4º Ilhabela in Jazz foi realizada a convite da produção do festival.


2 comentários:

Johnny disse...

Estive lá e gostei muito !Música para quem ama música de qualidade !Muito bom !inclusive os banheiros !
FALTOU:1-Marketing no local , com venda de livros e CDs principalmente dos músicos que se apresentaram
2-Educação para considerável parte dos assistentes na platéia falando ao celular e alguns inclusive de costas para o palco bantendo papo como se estivessem em um boteco !

Carlos Calado disse...

Concordo com você, Johnny. Músicos de alto quilate, como os que se apresentaram no Ilhabela in Jazz, merecem toda a atenção dos ouvintes! Infelizmente, essa falta de educação das plateias em shows tem piorado bastante, tanto em festivais como em clubes, bares e teatros. É uma inaceitável falta de consideração pelo trabalho de artistas que dedicam suas vidas à música.

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