Caribbean Sea Jazz: salsa tempera a receita musical do festival de Aruba

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                                A trompetista Maite Hontelé e o cantor Diego King, no Caribbean Sea Jazz 
 
Programar uma tradicional banda de salsa como atração derradeira de um festival de jazz pode ser uma decisão estratégica, pelo menos no Caribe. Ao encerrar sua 9ª edição com uma apresentação do Grupo Niche, consagrada instituição musical da Colômbia que se dedica ao cultivo da salsa há 35 anos (na foto abaixo), a produção do Caribbean Sea Jazz demonstra saber que, na ilha de Aruba, um festival desse gênero só consegue atrair grandes plateias se souber combinar os improvisos do jazz com os dançantes ritmos da tradição afro-cubana.

Foi o que se viu e ouviu, no último final de semana, quando 16 atrações musicais se alternaram em três palcos instalados no amplo Centro de Conferências do Hotel Renaissance, na região central dessa ilha caribenha. Organizada de maneira que a plateia pudesse acompanhar ao menos parte de todos os shows, a programação do evento reservou o auditório Purple (com seu providencial ar condicionado) para os concertos de jazz, deixando os palcos Padu e Divi, ambos ao ar livre, para as apresentações de ritmos latinos e black music.


Outra decisão acertada da direção do evento foi concentrar as atrações mais jazzísticas na noite de abertura (sexta-feira), reservando para sábado os shows dos artistas locais e internacionais que tocam salsa e outros ritmos afro-cubanos. Graças a essa divisão, a presença de turistas europeus e norte-americanos ficou mais concentrada na primeira noite do festival, assim como a população local esteve presente em maior número, na noite de sábado. 


Os fãs que só conheciam a faceta jazzística do versátil trompetista norte-americano Roy Hargrove podem ter se surpreendido vê-lo à frente do RH Factor –- seu projeto dedicado a vertentes da música negra contemporânea, como o R&B, o funk e o hip hop. Não bastasse a alta qualidade dos músicos, assim como o repertório calcado em contagiantes grooves, a banda ainda traz uma surpresa: a tecladista Renné Neufville, que troca literalmente de lugar com Hargrove. Enquanto esse se senta aos teclados, ela assume o centro do palco e brilha como cantora. 


Outro ponto alto da noite de abertura foi a apresentação da banda The Ploctones. O guitarrista Anton Goudsmit e o saxofonista Ephraim Trujillo (este cheio de caras e poses, na foto à direita) se destacam no explosivo quarteto holandês, cujo repertório original revela múltiplas influências: do funk ao punk rock; do R&B aos ritmos latinos. A unidade do grupo é tamanha que os improvisos dos solistas soam coletivos. Não foi apenas por gentileza que o guitarrista norte-americano Mike Stern, outra atração jazzística da noite, foi cumprimentar Goudsmit durante o show.

Naturalmente, boa parte da plateia presente nessa noite foi atraída pelo show “Earth Wind & Fire Experience”, cujo repertório reúne grandes hits da black music dos anos 1970 e 1980. Mesmo que a banda The Al McKay Allstars conte com apenas dois integrantes originais da EW&F, o profissionalismo de McKay (na foto baixo), guitarrista, arranjador e compositor de vários clássicos dessa influente banda norte-americana, assim como os bons vocalistas e dançarinos da atual formação, garantem a animação da festa, especialmente quando a banda revisita sucessos como “Shining Star”, “September” ou “Boogie Wonderland”. 


Um tanto prejudicado em sua missão de fazer o último concerto da noite, o excelente quarteto de Mike Stern entrou em cena, no auditório Purple, quando os Al McKay Allstars ainda finalizavam seu show lá fora, no palco principal. Muito bem acompanhado pelo saxofonista Bob Franceschini, pelo baixista Janek Gwisdala e o mestre da bateria Dennis Chambers, Stern não perdeu a animação, mesmo tocando para uma plateia reduzida. Azar de quem foi mais cedo para casa: desperdiçou a chance de ouvir um guitarrista sensacional, que sabe explorar todas as nuances e dinâmicas de uma improvisação.

A noite de sexta contou também com algumas atrações locais, como o refinado jazz do saxofonista Delbert Bernabela (na foto abaixo), músico de Aruba que se mudou para a Holanda, na década passada. Eclético, ele combina diversas influências em suas composições – da música clássica aos ritmos latinos. Já o baterista Michael Bremo comandou um sexteto de jazz contemporâneo, formado por competentes instrumentistas de Aruba, de Cuba e dos Estados Unidos.  


Assim como o show “Earth Wind & Fire Experience” polarizou a maior parte da plateia presente à primeira noite do festival, o Grupo Niche certamente atraiu a maior parcela de público, no sábado. Aliás, essa veterana banda colombiana de salsa tem vários aspectos em comum com a Earth Wind & Fire: durante décadas ambas produziram dezenas de sucessos, que seus fãs cantam e dançam junto com a banda durante a apresentação; ambas revelam um cuidado especial com a qualidade de seus arranjos; seus vocalistas também são ótimos dançarinos, capazes de executar vistosas coreografias durante quase todo o show.

Outra favorita da noite de sábado foi Maite Hontelé (foto no alto desta página), trompetista radicada na Colômbia, que arrancou aplausos eufóricos ao se apresentar à plateia de Aruba: “Eu sou uma holandesa nascida em um continente equivocado. Hoje sou muito feliz, tocando na América Latina”, afirmou, demonstrando orgulho. A carismática Maite comanda uma banda jovem e eficiente, com um repertório de boleros, sons e cha-cha-chas bem característicos da velha guarda musical de Cuba – uma década atrás ela chegou a viajar com a lendária banda cubana Buena Vista Social Club. O duo de Maite com o vocalista Diego King, na versão quase teatral do bolero “Perdón”, é um dos grandes momentos de seu show.  


Já a saxofonista norte-americana Jessy J (não confundir com a cantora pop britânica Jessie J), que se apresentou em seguida no auditório, foi a responsável pelo show mais medíocre da noite. Imagine uma patricinha com um vestido curto, tocando um jazz de ascendência pop com um sax tenor de sonoridade amadora. Pode piorar? Sim, quando Jessy (na foto à esquerda) tenta posar de cantora. Com sua voz de timbre infantil, ela parece fazer um sketch de humor ao cantar a latina “Paraiso Magico”.

Felizmente, a programação do sábado já havia exibido uma ótima cantora de jazz. Muito bem acompanhada por seu quarteto acústico, com destaque especial para o sax alto de Justin Robinson, a italiana Roberta Gambarini (na foto abaixo) cantou standards do gênero, como “Body and Soul” e dois temas da ópera negra “Porgy and Bess” (dos irmãos Gershwin e DuBose Heyward). Roberta também demonstrou sua afinidade com a música brasileira, ao interpretar “Chega de Saudade” (de Tom Jobim e Vinicius de Moraes). Pena que seu baterista tenha optado por uma condução espalhafatosa, mais próxima de um samba rasgado do que de uma intimista bossa nova.  


Entre as atrações locais, o pianista e arranjador Johnny Scharbaay (outro artista nascido em Aruba que estudou música na Holanda) foi esperto ao convocar Efraim Trujillo, o incendiário saxofonista do quarteto The Ploctones, para reforçar seu grupo. A vibrante releitura de “Cantaloop Island” (Herbie Hancock) foi um dos pontos altos de sua apresentação.

Com um balanço bem positivo, tanto sob o ponto de vista da organização do evento, como da qualidade exibida pelo elenco musical, o Caribbean Sea Jazz Festival já planeja sua 10ª edição, que promete ser especial. “Posso garantir que será uma edição muito forte”, afirma Erik Eman, diretor do festival, que pretende incluir música brasileira no programa de 2016.

Para os turistas brasileiros, que já conhecem ou não as belezas naturais e outras atrações da ilha (de privilegiados pontos para mergulhar no mar à saborosa culinária local), o Caribbean Sea Jazz pode ser um ótimo pretexto para se visitar Aruba no próximo ano.

(Cobertura feita a convite da produção do Caribbean Sea Jazz Festival e da Aruba Tourism Authority)











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