Se você não é um daqueles que encaram a MPB como um gênero
musical ultrapassado, dificilmente vai se arrepender. Esqueça as inúmeras vezes
em que ouviu clones de Djavan, cantando seus sucessos em bares ou imitando seu
estilo nas rádios e TVs. Abstraia a leviandade dos que esnobam a obra desse
original compositor, cantor, violonista, arranjador e produtor por considerarem
que alguns versos de suas canções não fazem sentido – como se a poesia tivesse
que ser regida pela lógica cartesiana.
Ao reunir 18 álbuns de carreira e duas compilações com
gravações menos conhecidas, a caixa “Djavan - Obra Completa de 1976 a 2010”
(lançamento Sony Music) oferece a oportunidade de se apreciar, com os ouvidos de hoje, a produção quase
integral desse veterano autor e intérprete. Até porque a louvável iniciativa de
remasterizar os fonogramas das 236 canções incluídas nesta edição resultou em
uma definição sonora mais nítida, próxima dos padrões atuais de gravação.
No primeiro álbum, “A Voz, o Violão, a Música de Djavan”
(lançado em 1976), sambas como “Flor de Lis” e “Fato Consumado”, com versos
inusitados e divisões rítmicas inovadoras, já anunciam a personalidade autoral
do jovem estreante, que também dedilha um violão de causar inveja.
Diferentemente de outros cancionistas, Djavan tem o que se
costuma chamar de cabeça de músico – visão que se reflete no cuidado especial
ao escolher os instrumentistas para suas gravações e shows. Assim como no disco
de estreia, sucessos lançados no álbum “Djavan” (1978) – “Serrado”, “Samba
Dobrado”, “Cara de Índio” – também destacam músicos de ponta, como o baixista
Luizão Maia e o baterista Paulinho Braga (ambos do grupo de Elis Regina e César
Camargo Mariano), além do pianista Gilson
Peranzzetta.
Consciente da vantagem de contar com um grupo estável,
Djavan já esboça, no álbum “Alumbramento” (1980), a base da banda Sururu de
Capote, que esteve a seu lado durante uma década. Com o pianista Luiz Avelar, o
baixista Sizão Machado e o baterista Téo Lima, alcançou um padrão musical
superior, presente em outros clássicos de seu cancioneiro, como os
irresistíveis sambas “Obi” e “Avião” ou as românticas “Faltando um Pedaço” e
“Oceano”.
Se já no primeiro álbum demonstrava interesse pela
diversidade rítmica, essa característica de sua obra foi sendo ampliada a cada
novo projeto. “Luz” (1982) e “Lilás” (1984), álbuns gravados nos Estados Unidos
com músicos locais e brasileiros, trazem incursões pelo rhythm & blues (o
megahit “Samurai”, com participação de Stevie Wonder à gaita) e pelo jazz (a
melancólica balada “Esquinas”, com solo do saxofonista Ernie Watts).
Desde então, além dos sambas e canções de amor frequentes
em seus discos, Djavan experimentou e cultivou com talento diversos ritmos
brasileiros ou mesmo gêneros estrangeiros: xote (“Romance”), choro (“Você Bem
Sabe”), frevo (“Quero-Quero”), baião (“Canto da Lira”), bolero (“Cordilheira”),
funk (“A Carta”), pop (“Bicho Solto”), salsa (“Irma de Neon”), até uma canção
de protesto contra o apartheid na África do Sul (“Soweto”).
A razão dessa busca constante por novas formas e sensações
musicais, o próprio compositor revela, num livreto incluído na caixa com as
letras das canções e fichas técnicas de todos os álbuns: “Como um ator, se pode
ser outros como eu sempre sonhei”. Raros expoentes da MPB conseguiram ser
tantos outros, musicalmente, e tão únicos como Djavan. (resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 21/12/2014)
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