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"Conexão Brasil-Cuba": espetáculo reativa intercâmbio musical entre esses países

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                              A cantora Omara Portuondo, no centro, com Toninho Ferragutti e Fabiana Cozza

Ao beijar as mãos da veterana cantora Omara Portuondo (ontem, no encerramento da temporada do espetáculo “Conexão Brasil-Cuba”, no Teatro Alfa, em São Paulo), a cantora brasileira Fabiana Cozza não estava expressando apenas sua admiração por essa carismática intérprete cubana. Seu gesto carinhoso também representou a grande afinidade, praticamente uma ligação ancestral, que une as tradições musicais de Brasil e de Cuba.

Logo no início do espetáculo, a maestrina Zenaide Romeu, líder da excelente Camerata Romeu, referiu-se a essa longeva relação musical com uma referência inusitada. Agradeceu ao Brasil por ter criado a bossa nova, o estilo moderno de samba que se tornou mundialmente conhecido e cultivado na década de 1960. Segundo a regente, a bossa nova teria permitido aos cubanos tocar jazz numa época em que esse gênero musical de origem norte-americana não era bem visto em seu país.

Difícil apontar destaques nesse show tão bem engendrado pela produtora Myriam Taubkin com o violonista Swami Jr., que assinam a curadoria e a direção musical. A composição de Egberto Gismonti, “Sertões Veredas: Tributo à Miscigenação”, interpretada com brilho pela Camerata Romeu; o envolvente bloco de canções do pianista João Donato (“Amazonas”, “Emoriô” e “Nasci Para Bailar”); as vibrantes aparições de Omara Portuondo, interpretando os boleros “Dos Gardenias” e “Lágrimas Negras”; as emotivas versões de Fabiana Cozza para “Ay, Amor” (de Bola de Nieve) e “Estrela, Estrela” (Vitor Ramil); ou ainda o belíssimo arranjo de Edson Alves para “Sanfonema”, composição do acordeonista Toninho Ferragutti, que a interpretou com a Camerata Romeu.

Deve-se destacar também a alta qualidade dos músicos liderados por Swami Jr., que acompanharam os intérpretes: Pepe Cisneros (piano), Julito Padron (trompete), Gastón Joya (contrabaixo), Felipe Roseno (percussão) e Oliver Valdés (bateria). Tomara que esse espetáculo, idealizado para comemorar os 20 anos do Teatro Alfa, seja o primeiro de uma série.

Fabiana Cozza: cantora se inspira na negritude afro-brasileira, em seu álbum "Partir"

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A cantora Fabiana Cozza sintetiza, em apenas uma palavra, tanto a essência musical de seu novo disco, como a fase de transição que marca hoje sua carreira. Em “Partir” (lançamento independente), seu quinto álbum, a intérprete paulista reúne canções que exibem a diversidade rítmica da diáspora africana. Esse trabalho reflete também o processo de internacionalização de sua carreira, já esboçado em turnês que tem feito pela Europa, nos últimos anos.

Identificada ainda como uma cantora de samba, Fabiana (filha de Osvaldo dos Santos, sambista da escola paulistana Camisa Verde e Branco) confirma nesse trabalho que tem bagagem musical e sensibilidade interpretativa para se dedicar também a outras vertentes da música de ascendência africana. Um caminho que pode lhe abrir mais portas no cenário internacional.

Curiosamente, “Partir” deriva de um projeto que não chegou ao seu destino: um álbum que a cantora faria só com canções do compositor Roberto Mendes, baiano do Recôncavo que conhece como poucos a música dessa região. O projeto foi interrompido, mas Fabiana saiu com cinco canções, todas presentes neste disco. O samba de roda “Não Pedi” (parceria de Mendes com Nizaldo Costa) é elogiado textualmente pela cantora Maria Bethânia, em um carinhoso bilhete incluído no encarte do CD, no qual declara ser fã de Fabiana, sua assumida discípula.

Outro compositor baiano que se destaca no repertório do álbum é Tiganá Santana. Além de “Mama Kalunga” (recém-gravada também pela cantora baiana Virginia Rodrigues), quase uma prece em forma de canção, ele assina “Le Mali Chez la Carte Invisible”, delicada canção em francês que alude ao preconceito racial enfrentado pelos africanos no continente europeu.

Fabiana também encontrou canções de ascendência negra em outras regiões do país. A reverente “Velhos da Coroa”, que abre o disco, foi composta pelo mineiro Sérgio Pererê, ex-integrante do grupo Tambolelê, conhecido por incursões pelos ritmos afro-brasileiros.

A contagiante “Chigala”, do carioca João Cavalcanti, vai mais longe: o ritmo e os versos remetem à África, em especial à terra dos antepassados paternos da cantora. “Quando a vida é em Angola / Se meu coração rebola / Meu peito já não machuca”, diz a letra.

Carregada de melancolia, “Entre o Mangue e o Mar” (parceria da mato-grossense Alzira E com o poeta paulistano Arruda) ganhou uma releitura bem próxima das mornas de Cabo Verde, que conquistaram o mundo na voz de Cesária Évora. Já a dançante “Borzeguita” (do paraense Leandro Medina), com letra em espanhol e português, vem embalada por um ritmo tipicamente caribenho.

Muito bem produzido e dirigido pelo violonista paulistano Swami Jr., que já assinou trabalhos da cubana Omara Portuondo, o álbum também chama atenção pela elegância despojada dos arranjos, centrados em instrumentos de cordas e percussão – com destaque para as participações de Jurandir Santana (guitarra, violão e viola caipira) e dos percussionistas Douglas Alonso e Felipe Roseno.

Com o original repertório que reúne no álbum “Partir” e a maturidade como intérprete que demonstra nessas gravações, Fabiana Cozza prova que o rótulo de sambista já não se adequa mais à música que faz hoje. Está pronta para se tornar, merecidamente, uma cantora do mundo.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 29/08/2015)



 

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