Itamar Assumpção: canções inéditas interpretadas por Sergio Molina e Miriam Maria

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No mês em que Itamar Assumpção (1949-2003) completaria 60 anos, o compositor e violonista Sergio Molina finaliza com o lançamento do CD “Sem Pensar, Nem Pensar” (lançamento Cooperativa/Tratore), uma missão que recebeu desse expoente da chamada Vanguarda Paulista, meses antes de sua morte prematura.

Molina, que já havia composto uma canção com ele (“Não Importa”, que abre o disco), recebeu dez letras inéditas para musicar, além da sugestão de gravá-las com Miriam Maria, talentosa cantora que acompanhou Itamar em shows e discos. Antes de gravar “ao vivo” (sem cortes), no Estúdio Zabumba, em São Paulo, Molina e Miriam exibiram essas canções em mais de 20 shows.

Quem acompanhou as primeiras apresentações, em 2008, vai perceber como essa temporada contribuiu para que, burilados a cada noite, os arranjos das composições soem mais fluentes. Clara Bastos (baixo e vocais), Mariô Rebouças (piano) e Priscila Brigante (bateria e percussão) completam o quinteto que gravou o disco.

Com carta branca para dar um tratamento melódico e harmônico diferente daquele que Itamar utilizava em sua obra, Molina foi fundo. Buscou em sua bagagem musical (tanto erudita como popular, incluindo as improvisações do jazz), elementos para aproximar algumas dessas composições das obras de Arrigo Barnabé ou do grupo Rumo, cujas canções, mais do que as de Itamar, atraíram o rótulo Vanguarda Paulista.

Não é à toa que a canção que dá título ao CD traz em sua introdução a voz do próprio Arrigo, com aquele timbre rouco que marcou sua performática “Clara Crocodilo”. Os versos da letra de temática incomum (“enquanto quem pensa que pensa / fala o que pensa sem nem pensar / num canto quem pensa pensa / sem pensar, nem pensar!”), assim como os vocais femininos, remetem aos característicos arranjos de Arrigo, do Rumo ou das próprias bandas de Itamar.

O canto falado (aquela maneira de entoar os versos da canção bem próxima da fala cotidiana, muito utilizada pelo Rumo) também está presente em “Nem James Brown”, baião dissonante que soa mais próximo da música de vanguarda do que da tradição da música popular brasileira.

Estranha também, com um arranjo colorido por notas esparsas do piano e efeitos eletrônicos, a irônica “Caiu a Ficha” tem apenas três versos (“era tão extensa esta letra / que de repente caiu a ficha / pelo tema isso não passa de vinheta”) que lembram a concisão de um haikai.

Não faltam também canções de temática amorosa, frequentes na obra de Itamar, como a insólita “Autorização” (“ninguém vai invadindo / assim meu coração / sem que eu diga que venha / sem uma senha / sem minha expressa permissão”). Ou a pungente “Estranha Ideia”, interpretada com emoção e precisão vocal por Miriam. A dramaticidade dos versos (“que és meu dilúvio / não meu alívio / que és para mim um par afiado de esporas”) é realçada pelos intervalos incomuns da bela melodia criada por Molina. Uma difícil missão musical cumprida com inventividade e elegância.

(Resenha publicada no Guia da Folha de Livros, Discos e Filmes, em 25/09/2009) 

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