Alexandre Ribeiro: clarinetista revela ousadia e inventividade em projeto solo

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                                                           O clarinetista Alexandre Ribeiro / Foto de divulgação

Não bastasse ser um dos instrumentistas brasileiros mais brilhantes da nova geração, o clarinetista e compositor Alexandre Ribeiro demonstra que também é um artista ousado. Com uma carreira em franca ascensão, marcada por projetos e parcerias que até agora o associavam ao universo do choro, ele não teve receio de encarar os riscos da aventura musical que resultou no álbum “De Pé na Proa” – lançamento com o selo de qualidade da gravadora Borandá.

Nesse projeto solo, Alexandre interpreta ao clarinete e ao clarone (também conhecido como clarinete-baixo) nove composições de sua autoria, quase todas feitas especialmente para esse disco. Ao cria-las, utilizou diversos ruídos e efeitos sonoros produzidos por pedais e harmonizers – recursos eletrônicos usados com mais frequência na música pop, no jazz contemporâneo ou na música eletroacústica.

O que estimulou Alexandre a utilizar esses recursos foi a possibilidade de gravar o som do clarinete e trabalha-lo. “Além de montar um acorde com o harmonizador, eu posso separar uma das vozes desse acorde e processá-la eu mesmo”, explica o músico, que assim pôde gravar sozinho todas as dez faixas do disco, inclusive o virtual naipe de sopros que o acompanha, em certas passagens. O fato de esse novo repertório não incluir algum choro vai, provavelmente, surpreender fãs de seus trabalhos anteriores.

“Sempre encarei o choro ou o samba como músicas para serem tocadas com mais alguém, seja em duo, quarteto ou mesmo com um regional”, diz o clarinetista, que já gravou álbuns com o violonista Alessandro Penezzi (“Cordas ao Vento”, 2010) ou com seu próprio grupo (“Alexandre Ribeiro Quarteto”, 2014), além de dezenas de participações em discos de outros músicos. “Para este projeto solo, eu tinha outra sonoridade na cabeça. Não teria sentido fazer um disco de choro com efeitos eletrônicos. Eu queria fazer outra música, com outros recursos sonoros”, justifica.

Desde 2012, quando começou a experimentar o primeiro pedal eletrônico (um Loop Station) para processar sons de seus clarinetes, Alexandre pesquisou várias possibilidades, até sentir que estava pronto para fazer um disco, utilizando esses recursos. Para as gravações do álbum “De Pé na Proa”, contou com um Loop Station RC300 e um harmonizador TC-Helicon.

Como estímulo para se lançar em um projeto como esse, ele relembra, foi importante ter assistido a concertos de músicos que utilizam recursos eletrônicos semelhantes, como o clarinetista argentino Marcelo Moguilevsky ou o trompetista norte-americano Terence Blanchard. Essenciais também foram os primeiros contatos que teve com a música eletroacústica do compositor Flo Menezes, ainda na década passada, ao cursar o bacharelado em clarinete na Unesp.

“Gosto muito da música mais tradicional e tento seguir os mestres do clarinete, mas, por outro lado, admiro os músicos que levam seus instrumentos um pouco além. Quando descobri a possibilidade de introduzir o clarinete em outras circunstâncias sonoras, senti que devia enfrentar esse desafio”, observa.

Nascido na interiorana cidade paulista de São Simão, Alexandre começou a estudar clarinete aos 12 anos, mas antes disso já dedilhava um cavaquinho nas folias de Reis – costume que mantém até hoje, nos meses de janeiro. Seu pai, bancário aposentado, transmitiu aos filhos o gosto por diferentes gêneros de música.

“Aos domingos, na hora do descanso, ele colocava o som da vitrola no último volume. Então ouvíamos Tião Carreiro, a ‘Quinta Sinfonia’ de Beethoven, depois Pink Floyd ou Camisa de Vênus. Talvez por isso eu sempre gostei de sonoridades malucas e outras ousadias”, comenta o músico.   


Gravar um disco com solos de clarinete, ainda mais utilizando ruídos e recursos eletrônicos, não deixa de ser um projeto ousado que poderia resultar em algo monótono ou até hermético, mas Alexandre e o conceituado produtor Swami Jr. conseguiram encontrar o necessário equilíbrio entre improvisos, experimentos sonoros e os sentimentos embutidos no repertório do álbum. Um exemplo disso é a emotiva “Obrigado”, que o clarinetista compôs para agradecer, literalmente, a todos que o ajudaram a enfrentar uma arriscada cirurgia, alguns anos atrás.

Outra beleza do álbum é “Andarilho”, composição que Alexandre dedica a seu pai. “Ele me disse que o sonho dele era ser um andarilho, para poder aprender mais sobre a vida”, conta o clarinetista, que criou com poucos elementos sonoros uma atmosfera de mistério e lirismo. Por esse caminho também segue “De Pé na Proa”, composição inspirada nos passeios de barco e pescarias que o músico dividiu com o pai e o irmão, quando ainda era garoto. Já a alegre “Lau e Joji”, que ele dedica a seus filhos, é uma composição cheia de surpresas melódicas e rítmicas.

“Pensei neles brincando no quintal. Os dois são muito peraltas”, comenta Alexandre, que se remete a lembranças da própria infância, ao incluir no álbum uma releitura instrumental de um canto folclórico. A faixa “Canto das Almas” começa com a gravação de um canto religioso interpretado pelo Terno dos Irmãos Paiva, da cidade paulista de Santo Antônio da Alegria. “Eles saem à meia-noite, na Quaresma, sem instrumentos, usando capuzes. É um ritual de arrepiar”, comenta.

Mais singelo e dançante, o xaxado “Chalumô” brinca com o nome do arcaico chalumeau (instrumento de madeira precursor do clarinete, que lembra uma flauta doce). Só mesmo um clarinetista poderia imaginar algo como “ClarinetPsicose”, a faixa mais extensa do álbum. Descrita por Alexandre como “uma viagem pela cabeça de um clarinetista”, ela busca representar, em nervoso ritmo de marcha, as manias e excentricidades de músicos que se dedicam a esse instrumento.

Humor também não falta a “Ranquei”, faixa que Alexandre compôs no próprio estúdio, em parceria com Swami e o técnico de som (e baterista) Thiago Rabello. Nela, os sons dos clarinetes se misturam a efeitos eletrônicos e ruídos extraídos das palhetas, chaves ou campanas desses instrumentos. Em “Na Trilha da Trilha”, até a voz do músico contribui para um encantatório contraponto comandado pelos clarinetes. Por outro lado, “De Fianco” é uma composição bem estruturada e de essência contemporânea, que serve de veículo para o virtuosismo do próprio clarinetista e autor.

“Fazer esse disco foi a realização de um sonho. Estou curtindo muito essa chance de poder mostrar um outro lado meu”, comemora Alexandre, dizendo esperar que esse projeto resulte em novas parcerias. Tomara que outros instrumentistas da nova geração sigam seu exemplo, no sentido de buscar novas formas de criação. A tradição musical brasileira é riquíssima e deve ser valorizada, mas a música não avança, nem se renova, sem a ousadia e a inventividade de artistas como Alexandre Ribeiro. 


(Texto escrito a convite da gravadora Borandá)







Swami Jr, Teco Cardoso e Bebê Kramer: trio inédito se apresenta no Sesc Pompeia

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                                                             Swami Jr, Teco Cardoso e Bebê Kramer / Fotos de divulgação 

Meses atrás, ao ser convidado pelo Sesc Pompeia a participar da série Encontros Instrumentais, o violonista e produtor paulistano Swami Jr. pensou que essa era uma oportunidade pela qual esperava há tempos. Finalmente, poderia se apresentar com dois músicos que admira: o acordeonista Bebê Kramer e o flautista e saxofonista Teco Cardoso.

“Conheço o Teco há uns 30 anos. Vivemos em São Paulo e temos quase a mesma idade, mas ainda não tínhamos tocado juntos”, comenta Swami, referindo-se ao conceituado instrumentista e arranjador, integrante dos grupos Pau Brasil e Vento em Madeira. O convite foi estendido ao gaúcho Bebê, músico e compositor que tem se destacado na cena instrumental, em parcerias com Yamandu Costa, Gabriel Grossi e Arismar do Espírito Santo, entre outros.

Assim que as agendas permitiram a definição das apresentações do inédito trio, por ironia do destino, Swami e Bebê se encontraram no Sesc Pompeia (em setembro). A convite do violonista Marco Pereira, eles participaram do show de lançamento do álbum “Dois Destinos”.

“Esse não valeu porque só tocamos duas músicas juntos”, diz Swami, argumentando que o casual encontro não diminuiu a vontade de tocar com esse trio de formação rara (violão de sete cordas, acordeom e flauta ou saxofone). “Teco e Bebê têm em comum esse traço universal. Eles são muito brasileiros, mas fazem esse diálogo com outros mundos musicais, algo que eu tento fazer também”, comenta o violonista e baixista, que também já trabalhou com cantores de alto quilate, como Omara Portuondo, Luciana Souza e Chico César.

Para Teco, esse encontro oferece um irresistível desafio: a chance de os três saírem de suas zonas de conforto. “Por mais que eu já tenha gravado ou tocado uma composição minha, vou ter que achar outra maneira diferente de tocá-la. Nunca toquei flauta com acordeom e violão de sete cordas antes”, explica.

Referindo-se à afinidade que tem com Swami, Teco acha que as concepções musicais de ambos refletem o caráter cosmopolita da capital paulista. “Pelo fato de São Paulo não cultivar um gênero predominante, como Recife tem o frevo ou o Rio está comprometido com o choro ou o samba, temos um olhar mais democrático. Aqui eu posso colocar uma salsa no meio de um maracatu e ninguém vai pegar no meu pé”.

Por outro lado, nem o fato de Bebê ter nascido na interiorana cidade de Vacaria (RS), nem o de pertencer a uma geração mais jovem, o impedem de se identificar com Swami e Teco. “Acho que a minha cabeça é parecida com a deles. Ouço muita música erudita, muito jazz, muito folclore de todos os lugares do mundo. Se a música é tão grande, por que eu deveria tocar uma coisa só?”, questiona o acordeonista gaúcho.

Entre as composições próprias que os três selecionaram para as duas noites estão o choro “Virou Fumaça” (de Swami), o chamamé “Xamã” (de Bebê) e o maracatu “Theozim na Flauta”, que Teco compôs especialmente para esse encontro. Com tantas afinidades e talentos, como não pensar que esse trio tem um promissor futuro à sua frente? 


(Texto para o programa do show, escrito a convite da equipe de programação do Sesc Pompeia)

Kurt Elling: premiado vocalista de jazz traz seu repertório eclético a São Paulo

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                                           O vocalista de jazz Kurt Elling - Foto de Palma Kolansky/Divulgação


Chamá-lo simplesmente de cantor não faz jus à sua sofisticada concepção musical. Kurt Elling utiliza a voz como um instrumento, na melhor tradição dos grandes vocalistas do jazz – de Louis Armstrong a Jon Hendricks e Mark Murphy, que o influenciaram.

“O jazz é a música por meio da qual eu encontro e interpreto o mundo”, diz o norte-americano de Chicago, em entrevista à "Folha de S. Paulo". Nesta quarta (19/10), ele canta na Sala São Paulo, em concerto beneficente promovido pela Tucca (Associação para Crianças e Adolescentes Carentes com Câncer).

Num universo musical dominado por cantoras, Elling reinou quase absoluto neste século. A revista especializada “Down Beat” o elegeu “melhor vocalista masculino de jazz” por 14 anos consecutivos. Indicado 12 vezes para o prêmio Grammy, saiu vencedor em 2009, com o álbum “Dedicated for You”.

“Não se ganha muito dinheiro ou fama como cantor de jazz – nada comparado ao que você consegue ao se tornar um astro pop”, ele comenta, tentando explicar a hegemonia feminina. “A maioria dos garotos atraídos pelo jazz prefere tocar um instrumento. E a maior parte dos que evoluem cantando acaba deixando o jazz”.

Em duas décadas de carreira, Elling já lançou 11 álbuns. Nos últimos anos, deixou de se limitar aos "standards" do repertório jazzístico. Em “Passion World” (2015), seu álbum mais recente, ele interpreta canções de vários países, como a cubana “Si Te Contara” (Felix Altuna), a francesa “La Vie em Rose” (Louiguy e Piaf) e a brasileira “Você Já Foi à Bahia” (Dorival Caymmi).

Também já gravou releituras de canções pop de Paul Simon, Sam Cooke e Carole King, no álbum “1619 Broadway” (2012). E recriou sucessos do rock de King Crimson e Beatles, em “The Gate” (2010).

O critério para escolher o repertório é, segundo ele, bem pessoal. “Preciso sentir, de algum modo, minha própria história naquela canção, que ela é capaz de despertar minha memória e meus sentimentos. Também tenho de sentir que posso acrescentar algo meu à história dessa canção no mundo”.

Já na hora de interpretar a canção, ou mesmo de improvisar com a voz, Elling acha que é essencial pensar antes de tudo no ouvinte. “Meu objetivo é criar música para as pessoas, cantar para a plateia. O grande jazz sempre foi feito para as pessoas”, afirma.

Admirador da música brasileira, Elling ressalta que, embora já tenha interpretado clássicas canções de “prodígios da criatividade, como Caymmi, Jobim e Vinicius de Moraes”, costuma estar aberto para aprender com músicos mais jovens.

“O Brasil transborda em talento, diversidade e beleza musical”, elogia, destacando os cantores Seu Jorge e Ana Carolina entre seus favoritos. “Adriana Calcanhotto, Bixiga 70 e Ava Rocha também fazem parte de minha coleção”, acrescenta.

A poucas semanas das conturbadas eleições para a presidência dos EUA, Elling diz acreditar na derrota de Donald Trump.

“É uma catástrofe que esse sujeito intolerante e repulsivo tenha chegado a representar uma face dos Estados Unidos para o mundo. É um insulto para as pessoas de boas intenções em todo o mundo que esse homem tenha recebido tamanho destaque, mas eu acredito que Trump será derrotado por maioria esmagadora”.


(Texto publicado na edição online da "Folha de S. Paulo", em 18/10/2016)



 

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