Preta Jazz Festival: evento teve predominância negra e feminina em seu elenco

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                                                              O pianista pernambucano Amaro Freitas, no Preta Jazz Festival  

Um comentário do compositor e cantor Renato Gama sobre o fato de o elenco do Preta Jazz Jazz Festival (ontem, 20/11, em São Paulo) reunir artistas negros, majoritariamente, chamou a atenção da plateia do Auditório Ibirapuera para o ineditismo daquela noite. Nada mais coerente tratando-se de um festival de música ligado à Feira Preta – o maior evento dedicado ao empreendedorismo negro da América Latina.

Se a predominância de artistas negros é habitual em alguns festivais de jazz pelo mundo, como o de Nova Orleans (nos Estados Unidos) ou o da Cidade do Cabo (na África do Sul), por exemplo, não se pode dizer o mesmo de eventos similares no Brasil – um país no qual, ironicamente, mais da metade da população é afrodescendente.

Vale destacar também outra proeza do Preta Jazz, que nem chegou a ser mencionada durante os shows: com exceção do trio do pianista Amaro Freitas, as outras três atrações do festival eram majoritariamente compostas por mulheres. Nos últimos anos, muitos festivais de jazz pelo mundo vêm tentando aumentar a proporção de mulheres em seus elencos, mas a predominância ainda é marcadamente masculina.

Pena que parte da plateia do Preta Jazz (provavelmente não acostumada a noites musicais com mais de três horas de duração, comuns em festivais do gênero) tenha ido embora antes do último show. Quem ficou se encantou com a inédita e bem-humorada parceria da cantora moçambicana Lenna Bahule com a baixista Ana Karina Sebastião (ex-Quartabê), que entraram em cena cantando o clássico samba “Alguém me Avisou” (de Dona Ivone Lara) e exibiram composições próprias recheadas de improvisos (na foto abaixo).   


Atração mais impactante da noite, o pianista e compositor pernambucano Amaro Freitas demonstrou mais uma vez – à frente de seu poderoso trio, com o baixista Jean Elton e o baterista Hugo Medeiros – porque é festejado como a grande revelação do jazz em nosso país, nos últimos anos. Amaro não se repete: a cada nova apresentação revela uma disposição maior ainda por experimentar novos caminhos e estruturas musicais, em seus improvisos e composições, desprezando clichês. Amaro é um daqueles músicos que podem se apresentar com sucesso em qualquer festival do gênero no mundo.

Conhecido como líder da banda Nhocuné Soul, a qual lidera há mais de duas décadas, Renato Gama abriu mais uma vertente em sua obra, dois anos atrás. Com uma formação instrumental incomum (que inclui fagote e violoncelo ao lado de flauta e sax alto), a Orquestra Profunda de Delicadeza empresta sua sofisticada sonoridade a poemas musicados de escritoras negras. Renato também preparou uma boa surpresa: numa sacada típica de festival de jazz, convidou Amaro Freitas para uma “canja” com integrantes de sua compacta orquestra.

Naruna Costa, Naloana Lima e Martinha Soares, as cantadeiras urbanas do grupo Clarianas (que também são instrumentistas), abriram a noite com um envolvente repertório de cantorias populares que abordam o cotidiano das periferias de nosso país. Não à toa cantam e tocam descalças.

Com um programa original, que inscreve o jazz e a música instrumental dentro da ampla diversidade da música brasileira de ascendência negra, o Preta Jazz Festival estreou bem. Tomara que retorne em 2020.


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