4.º POA Jazz: festival gaúcho se consolida como evento de padrão internacional

|

                                                 Gilson Peranzzetta, Zeca Assumpção e João Cortez, no POA Jazz

Em meio à crise econômica que tem devastado a produção cultural brasileira e, na área musical, já provocou o cancelamento de vários eventos similares pelo país, o POA Jazz Festival merece muitos aplausos. Não só pelo fato de ter conseguido realizar sua quarta edição, com atrações musicais de alta qualidade, mas também pelo requinte de sua produção -- da curadoria ao cuidadoso trabalho da equipe técnica, que resultou em um evento de padrão internacional. Isso já estava evidente na primeira noite do festival (9/11), que contou com a impactante apresentação do saxofonista Rudresh Mahanthappa, além dos shows do trio vocal argentino Bourbon Sweethearts e do quarteto gaúcho Marmota Jazz. 

Dois trios comandados por veteranos instrumentistas brasileiros se destacaram no programa de encerramento (domingo, 11/11), em Porto Alegre. O pianista e compositor carioca Gilson Peranzzetta, muito bem acompanhado por Zeca Assumpção (baixo acústico) e João Cortez (bateria), fechou a noite tocando grande parte do repertório jazzístico de seu recente álbum “Tributo a Oscar Peterson” (selo Fina Flor), recheado de composições de Cole Porter e Leonard Bernstein. Também relembrou sua belíssima composição “Obsession” (parceria com Dori Caymmi). E provocou sorrisos ao colorir o standard “It’s All Right With Me” (Porter) com ritmo de baião.

Quem esperaria que o cultuado gaitista e compositor carioca Maurício Einhorn (hoje com 86 anos) pudesse fazer uma apresentação tão divertida? Tanto que o guitarrista Nelson Faria, seu parceiro, chegou a sugerir, rindo, que se tratava de um show de “stand-up”. Além de contar causos engraçados, Einhorn (na foto acima) também destilou seu humor fazendo inusitadas citações durante os solos -- como ao introduzir trechos do “Hino Nacional Brasileiro” e do “Bolero” (de Ravel) no improviso da clássica bossa “Samba de Uma Nota Só” (Tom Jobim e Newton Mendonça). Contando com o suíngue de Faria e do baixista Guto Wirtti, Einhorn também homenageou o gaitista Toots Thielemans, seu ídolo, ao tocar a conhecida valsa-jazz “Bluesette”, de autoria do músico belga. 


A noite de domingo começou com o saboroso show do quinteto gaúcho Instrumental Picumã, formado por Paulinho Goulart (acordeon), Texo Cabral (flauta), Matheus Alves (violão), Miguel Tejera (baixo) e Bruno Coelho (percussão). Composições próprias como “Vanerão Chorado”, “Chacareta” e “Milonguera” já revelam nos próprios títulos o projeto do grupo: fundir ritmos regionais com as linguagens do jazz e da música instrumental brasileira.

Os improvisos do jazz e a diversidade rítmica da música instrumental brasileira também conviveram na noite de sábado (10/11). À frente de um quinteto de formação incomum, com Guilherme Ribeiro (acordeom), Daniel D’Alcântara (trompete e flugelhorn), Bruno Migotto (baixo elétrico) e Fernando Corrêa (guitarra), o baterista e compositor Edu Ribeiro (na foto ao lado), catarinense radicado em São Paulo, deliciou a plateia com o repertório de seu álbum “Na Calada do Dia” (de 2017). Calcadas em ritmos e gêneros musicais brasileiros, como o choro, o maracatu, o frevo e o baião, suas composições exploram sonoridades não usuais, como a opção de dobrar as melodias com o acordeom e o trompete. O prazer de tocar que esse quinteto demonstra no palco é contagiante. 

Antes se apresentou o afiado quinteto do trompetista argentino Mariano Loiácono (na foto ao lado), com Sebastian Loiácono (sax tenor), Ernesto Jodos (piano), Jerônimo Carmona (baixo acústico) e Eloy Michelini (bateria). Vestidos à caráter, como se estivessem tocando em um clube de jazz no final dos anos 1950, os irmãos Loiácono recriam com perfeição a estética sonora do hard bop. Entre os highlights do show desse quinteto, duas sensíveis baladas: “Soul Eyes” (de Mal Waldron) e “You Don’t Know What Love Is” (Gene de Paul e Don Raye). Destaque também para as criativas intervenções de Jodos, ao piano.

A programação do sábado foi aberta pelo quarteto do jovem pianista paulista Vitor Arantes. Ao vencer o Concurso Novos Talentos do Jazz, que é organizado pelos festivais POA Jazz, Sampa Jazz (SP) e Savassi Festival (MG), ele ganhou a oportunidade de se apresentar nesses eventos. Ao lado de Matheus Mota (guitarra), Jackson Lourenço (baixo acústico) e Jonatan Goes (bateria), Vitor exibiu temas autorais, com assumidas influências de expoentes do world jazz atual (como Avishai Cohen ou Shai Maestro), mas também demonstrou personalidade em releituras de “My Favorite Things” (Rodgers e Hammerstein) e “Bebê” (Hermeto Pascoal).

Tomara que as já prenunciadas dificuldades para o setor cultural, no próximo ano, não venham a comprometer a trajetória ascendente do POA Jazz Festival. A cena musical brasileira precisa de eventos com esse padrão de qualidade. 

(Cobertura realizada a convite da produção do festival)

4.º POA Jazz Festival: sax catártico de Rudresh Mahanthappa brilha na primeira noite

|

                                                                             O saxofonista Rudresh Mahanthappa

Não é comum se ver, em um festival de jazz, um grupo musical ser recebido aos gritos por uma plateia que, com poucas exceções, mal o conhecia. Foi assim que começou a espetacular apresentação do trio Indo-Pak Coalition, que encerrou a primeira noite do POA Jazz Festival, ontem, no Centro de Eventos BarraShoppingSul, em Porto Alegre (RS).

Liderado pelo energético saxofonista Rudresh Mahanthappa, musico de origem indiana radicado nos Estados Unidos, o trio destaca outros instrumentistas de alto calibre sonoro: o guitarrista paquistanês Rez Abbasi e o baterista norte-americano Dan Weiss, que também brilha ao percutir sua tabla.

O trio excitou e hipnotizou a plateia com composições de Mahanthappa, como a encantatória “Snap” e a meditativa “Showcase”, entre outras. Em alguns momentos, em meio a solos frenéticos que pareciam leva-lo ao transe, as pupilas do saxofonista quase desapareciam, evidenciando o caráter catártico dessa música.

Bastante aplaudido também foi o trio vocal argentino Bourbon Sweethearts. Mel Muñiz (violão e ukelele), Cecilia Bosso (baixo acústico) e Agustina Ferro (trombone) conquistaram a plateia tocando e cantando composições próprias, além de alguns clássicos da canção norte-americana, como “I Cried for You” (Billie Holiday) e “Swing It, Sister” (Mills Brothers), em arranjos que remetem ao estilo de grupos vocais dos anos 1930 e 1940.

O eclético programa da primeira noite do POA Jazz Festival começou com a apresentação do jovem quarteto local Marmota Jazz, formado por André Mendonça (baixo acústico), Pedro Moser (guitarra), Leonardo Bittencourt (piano) e Bruno Braga (bateria). Além de composições próprias, inspiradas em obras de jazzistas contemporâneos (como Aaron Parks ou Shai Maestro), o quarteto também tocou standards como “The Man I Love” (George & Ira Gershwin) e “My Funny Valentine” (Rodgers & Hart), com destaque para a participação de Pedro Veríssimo, nos vocais.

Nos intervalos entre um show e outro, a POA Jazz Band (com formação semelhante às bandas de rua norte-americanas do início do século 20), mantém a animação da plateia, lembrando dançantes clássicos do jazz tradicional. Difícil imaginar uma noite mais variada e bem-sucedida para a abertura do 4.o POA Jazz Festival.


(Cobertura realizada a convite da produção do festival)


 

©2009 Música de Alma Negra | Template Blue by TNB