AsuJazz: festival do Paraguai entra no circuito mundial valorizando sotaques regionais

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                           O harpista paraguaio Juanjo Corbalán e o saxofonista espanhol José Luís Gutiérrez

Já era madrugada de domingo (7/10), quando Ivan Lins e seu grupo deixaram o palco instalado na Praça da Liberdade, na cidade de Assunção. O comemorado show do compositor e cantor brasileiro encerrou a terceira edição do AsuJazz, festival que ofereceu uma extensa programação musical, totalmente gratuita, em diversos palcos da capital paraguaia durante uma semana. 

Ivan já entrou em cena cantando uma seleção de sucessos de sua carreira: “Daquilo que Eu Sei”, “Meu País” e “Somos Todos Iguais Neste Noite” (parcerias com Vitor Martins). Bastava olhar os rostos iluminados na multidão presente na praça, para se constatar a admiração que os paraguaios têm por ele e pela música popular brasileira – até então só presente de maneira ocasional nos repertórios de alguns shows do festival.

Foi uma noite eclética, que também destacou o trio do saxofonista italiano Enzo Favata e seu jazz cheio de melancolia, com influência da música folclórica da região da Sardenha. Ou ainda o quarteto alemão de sopros Talking Horns, com um repertório bem diversificado, que vai do jazz tradicional à música circense, passando até pela música sacra. 


A noite de sábado (6/10) também contou com uma revelação: a radiante baterista cubana Yissy Garcia (na foto ao lado) e seu quinteto Bandancha. Filha de Bernardo Garcia (percussionista do lendário grupo Irakere), Yissi toca sorrindo. Uma das referências mais evidentes de seu jazz de fusão é o baixista norte-americano Marcus Miller, que ela homenageia na composição “Mr. Miller” (com um belo vídeo no YouTube). Também tocou uma releitura de “Tutu” (tema de Miller, da época que foi parceiro de Miles Davis), recheada de scratches pelo DJ Jigüe.

Na noite anterior, no mesmo palco, a atração mais esperada era a banda comandada por dois veteranos expoentes do jazz fusion: o guitarrista Mike Stern e o baterista Dave Weckl. Recebidos como popstars, com fãs gritando seus nomes, os dois abriram o show com uma frenética versão de “Nothing Personal” (de Michael Brecker). Para alguém que sofreu um grave acidente dois anos atrás, a garra 
e a velocidade dos solos de Stern (na foto abaixo) impressionam. 

Surpresas não faltaram também na apresentação do saxofonista espanhol José Luís Gutiérrez, que hipnotizou a plateia com seus improvisos, acompanhado pela bateria de seu conterrâneo Lar Legido e pela harpa do paraguaio Juanjo Corbalán. Não bastassem as expressivas melodias de ascendência ibérica que toca com o sax alto ou o soprano, Gutierrez também encantou os ouvintes com o “panderidoo”, insólito instrumento que inventou. Trata-se de um grande pandeiro envolvido por um tubo, que ao ser soprado produz um som bastante grave e estranho.

Original também é a música instrumental do violonista e compositor chileno Antonio Monasterio. O título de seu recente álbum “Centro y Periferia” parece aludir ao dilema dos jazzistas que vivem fora do suposto eixo de circulação desse gênero musical. O timbre do oud (instrumento de cordas de origem árabe, que lembra um alaúde) acrescenta um tempero especial à sonoridade do grupo de Monasterio.

No Brasil, já vimos artistas nacionais serem tratados como atrações secundárias em vários festivais, inclusive de outros gêneros musicais. No AsuJazz, ao contrário, há uma assumida intenção de apoiar os instrumentistas e grupos de jazz paraguaios, especialmente aqueles que têm consciência de que sua música terá mais identidade se contar com ritmos, sonoridades e sotaques locais.

Esse é o caso, por exemplo, do talentoso pianista Oscar Aldama, que hoje vive no Brasil depois se formar no Conservatório de Tatuí (no interior de São Paulo). Em sua apresentação, no sábado, exibiu composições próprias calcadas em ritmos latino-americanos, como o chamamé e a polca paraguaia, o festejo peruano ou mesmo o samba-jazz brasileiro. 

Outros músicos locais que também tiveram lugares de destaque no festival para exibir suas incursões jazzísticas calcadas em ritmos regionais foram o guitarrista Gustavo Viera, o violonista José Villamayor, o baterista Toti Morel e o já citado harpista Juanjo Corbalán, que também se apresentou com seu grupo.

Já a banda Néstor Ló y los Caminantes, que fez o show mais bem-humorado do festival, aproxima o folclore local da linguagem da música pop, com direito a um naipe de sopros. “Nós respeitamos as raízes da música paraguaia, mas também podemos sair dela”, justificou-se o líder e cantor Néstor López, pouco antes de concluir o show da banda com um dançante funk.

Para aqueles que gostam de dar uma esticada depois dos shows do festival, o ponto de encontro de músicos e fãs de jazz é o Drácena, no centro de Assunção. Comandado pelo baterista Seba Ramirez (que também tocou no festival), esse misto de bar e espaço cultural costuma realizar jam sessions e concertos.

Muito bem organizado, o AsuJazz demonstrou em sua terceira edição que já está pronto para ingressar no circuito internacional de eventos desse gênero. Diferentemente de festivais que apenas oferecem à plateia um cardápio de atrações musicais e algumas atividades paralelas, o AsuJazz é um festival com uma missão mais ambiciosa: exibir a música instrumental e o jazz produzidos hoje no Paraguai aos ouvidos do mundo.

(Cobertura realizada a convite da produção do festival AsuJazz)

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