Cesar Camargo Mariano: plateia paulistana pede que o pianista volte mais ao país

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                                                               Cesar Camargo Mariano e a cantora Madison McFerrin

Bloqueios nas rodovias, imensas filas nos postos de gasolina e falta de abastecimento nos supermercados. Encarar as mazelas e os escândalos diários deste país desgovernado não tem sido fácil, mas ao menos ainda temos a música para nos aliviar um pouco de tantas tensões e frustrações.

Quem teve a sorte de estar no clube Bourbon Street, em São Paulo, na noite de ontem, certamente conseguiu esquecer um pouco desses problemas. Bastou Cesar Camargo Mariano começar a dedilhar o piano, sozinho na penumbra do palco, para nos transportar a uma outra dimensão: um universo cheio de belezas, onde tudo se combina de maneira harmônica. Como o diálogo precioso que o samba e o jazz travam em seu repertório desde os anos 1960.

Cesar imprime uma espécie de assinatura na música que cria, algo que só os grandes artistas são capazes de fazer. Sua maneira personalíssima de tocar samba, utilizando figuras rítmicas que ele mesmo criou e aprimorou durante décadas de shows e gravações, é hoje cultuada e imitada por músicos de diversas gerações.

Aos 74 anos, sua vitalidade é admirável. Não à toa, toca com um jovem quarteto, que destaca três dos melhores instrumentistas de São Paulo: Conrado Goys (violão), Thiago Rabello (bateria) e Sidiel Vieira (baixo elétrico e acústico), que o estimulam com energia e criatividade, nos improvisos.

Mais jovem ainda é a cantora Madison McFerrin, de 26 anos, sua convidada especial. Com um timbre vocal delicado e expressivo, ela demonstra talento e bagagem musical para encarar um repertório eclético, que inclui a sensual canção “Fever” (de Cooley & Davenport), o samba “Mas Que Nada” (Jorge Ben) e a bossa “Águas de Março” (Tom Jobim), entre outras. Também exibiu sua faceta R&B ao cantar “No Time to Lose”, de sua autoria, criando vocais em camadas com o auxílio de um pedal de loop.

“Cesar, você tem que tocar mais aqui”, gritou alguém na plateia, já quase ao final do show, lembrando aos outros fãs desse grande músico (radicado há mais de duas décadas nos Estados Unidos) que não podemos ouvi-lo ao vivo com a frequência que gostaríamos. Quem sabe, a admiração e o carinho demonstrados pela plateia de ontem o estimulem a se apresentar mais no país. Claro que isso depende, em grande parte, dos produtores de festivais e clubes brasileiros.

César Camargo Mariano e Madison McFerrin: pianista encontra cantora no Bourbon Street

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Embora já tenha se apresentado no Brasil em duas outras ocasiões, a cantora norte-americana Madison McFerrin, 26, ainda é pouco conhecida por aqui. Mas depois do show que fará hoje à noite no clube paulistano Bourbon Street, como convidada do pianista César Camargo Mariano, é provável que passe a contar com um fã-clube local.

“Nossa parceria deu uma liga musical muito boa. Madison também toca piano muito bem, além de outros instrumentos”, avaliza o conceituado músico e arranjador paulista, que vive nos Estados Unidos desde os anos 1990. No último sábado, ele e a cantora se apresentaram no Bourbon Festival Paraty (RJ).

Essa parceria nasceu por acaso, em 2016, no Festival Música em Trancoso, na Bahia. Madison foi convocada para substituir o cantor de jazz Bobby McFerrin (seu pai), quando ele cancelou a apresentação que faria com Mariano por um problema de saúde.

“Cantar com Cesar me traz uma sensação de grande conforto. Quando cantei ao lado dele pela primeira vez, em Trancoso, tive a sensação de que já fazíamos música juntos há muito tempo”, relembra Madison, que tem sido apontada como promissora revelação na área do R&B e da soul music por blogs e veículos especializados, como o site Pitchfork ou a rádio de jazz WBGO.

O acaso também a ajudou, dois anos atrás, quando decidiu compor material para um projeto de piano e voz. “Durante os primeiros shows que fiz sozinha eu não me sentia segura ao tocar as harmonias e cantar o que tinha escrito ao mesmo tempo. Então comecei a usar um ‘pedal de loop’ para reproduzir as harmonias”, conta, referindo-se ao recurso eletrônico que permite gravar sons e reproduzi-los, em uma sequência que se repete.

“Sinto muito prazer ao cantar ‘a capella’ [sem acompanhamento instrumental]. A melhor maneira de exibir música feita assim é mesmo ao vivo”, diz a cantora, confirmando que trouxe o pedal eletrônico para mostrar canções extraídas dos dois volumes de seu projeto “Founding Foundations”, já disponíveis no mercado.

E como Madison encara as comparações com seu pai, cuja canção “Don’t Worry, Be Happy” ocupou as primeiras posições das paradas de sucessos nos Estados Unidos, em 1988, por mais de quatro meses?

“Embora eu tenha começado a fazer música ‘a capella’ por acaso, sem a intenção de seguir o mesmo caminho de meu pai, eu adoro sua música, que é uma grande fonte de inspiração para o que faço”, diz ela, demonstrando segurança. “Quando você sente que está fazendo a coisa certa, deve seguir em frente sem se preocupar com comparações”.

Voltando à parceria, Mariano observa que a afinidade musical que sente com a cantora, apesar dos quase 50 anos que os separam, é natural. “Não gosto de rotular a música, mas o gênero que a Madison abraça, essa mistura de R&B, soul e jazz, me agrada bastante. Além disso, lá no fundo, essa música combina muito bem com o samba”, diz o pianista, cujo afiado quarteto inclui Conrado Goys (violão), Thiago Rabello (bateria) e Sidiel Vieira (contrabaixo).

Cesar Camargo Mariano convida Madison McFerrin
Bourbon Street, r. dos Chanés, 127, Moema, São Paulo, tel. (11) 5095-6100. Hoje (terça, 29/5), 21h30. Couvert artístico: R$ 145,00 e R$ 175,00. Censura: 18 anos.


(Texto publicado na "Folha de S. Paulo", em 28/5/2018)

Jazzmin's Big Band: orquestra feminina chega com formação e arranjos originais

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                                                                                  Instrumentistas da Jazzmin's Big Band

A falta de combustíveis e outros transtornos provocados pela greve dos caminhoneiros não impediram que o teatro do Sesc Consolação ficasse lotado, na noite de ontem, em São Paulo, para o show da Jazzmin’s Big Band. A plateia aplaudiu com animação os arranjos e improvisos dessa pioneira orquestra feminina e ainda exigiu bis.

Duas ou três décadas atrás, uma big band formada apenas por mulheres instrumentistas seria algo quase inimaginável. Com menos de um ano de atividade, a Jazzmin’s sugere no palco que não pretende apenas conquistar mais espaço profissional em um universo ainda majoritariamente masculino.

Trata-se de um trabalho musical seríssimo, a começar pelo fato de todos os arranjos interpretados pela Jazzmin’s serem originais. A própria formação não-convencional dessa big band, que inclui instrumentos como trompa, clarone e vibrafone, impede que ela utilize arranjos tradicionais para big bands.

Entre os números favoritos da plateia, no show de ontem, destacaram-se “Doralice” (de Dorival Caymmi), “Bebê” (Hermeto Pascoal) e “Duas Contas” (Garoto), além do saboroso samba “7 x 1” (composição da baixista Gê Cortes). São exemplos da alta qualidade do repertório que essa orquestra vem formando com o apoio de diversos arranjadores, como Gaia Wilmer, Thiago Costa, Luca Raele, Welbert Dias e Anderson Quevedo, entre outros.

Tomara que o primeiro disco da Jazzmin’s não demore.





Notas para turistas: novo hotel em New Orleans oferece preços acessíveis e restaurante

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Ao saber que durante minha estadia em New Orleans para acompanhar o 49º Jazz Fest eu ficaria hospedado no recém-inaugurado B on Canal Hotel, achei que teria uma sensação de “déjà vu”. Foi naquele mesmo edifício da hoje renovada Canal Street que me hospedei algumas vezes, no início da década passada, quando ali funcionava o Clarion Hotel, também recém-inaugurado na época. 

No lugar de mais um hotel padronizado, como os de tantas outras cidades norte-americanas, encontrei agora um simpático hotel boutique. A decoração é inspirada no charme da antiga New Orleans e das marcantes influências que a cidade recebeu da cultura francesa desde sua fundação, três séculos atrás, em 1718. Como as coloridas máscaras do Mardi Gras (o carnaval local), que você vê enfeitando os corredores e paredes do hotel.  

Com diárias bem acessíveis, o hotel oferece 155 quartos e suítes com dimensões variadas, para atender aos bolsos ou aos tamanhos dos grupos que ali se hospedam. Fiquei em uma suíte bastante confortável no 11.º andar (semelhante à da foto abaixo), com sala, frigobar e TV de tela plana, além de uma vista privilegiada da Canal Street e seus arredores, com o lendário rio Mississippi ao fundo. 

Como a maioria dos hotéis nos Estados Unidos, o B on Canal não inclui o café da manhã no preço de suas diárias. Essa refeição é oferecida no Madam’s, bar e restaurante que funciona no piso térreo do hotel. Para quem, como eu, não aprecia o pesado café da manhã local, recomendo o delicioso Croque Madam’s, versão do popular sanduíche francês.

Já na hora do almoço ou no jantar, o menu do Madam’s combina clássicos da original culinária de New Orleans, como o Gumbo (sopa de frutos do mar) ou a Muffuletta (sanduíche de diversos frios e queijos), com pratos de ascendência francesa, latina e asiática. Se você tiver a sorte de ser atendido pela simpática garçonete Cat, certamente vai deixar uma boa gorjeta.

Situado na região central da cidade, próximo aos teatros e a apenas duas quadras do disputado French Quarter (bairro histórico e destino mais frequente dos turistas), o B on Canal tem a vantagem de não ser atingido pelos incômodos congestionamentos que costumam acontecer durante os dias do Jazz Fest. Para quem passa seis ou sete horas diárias correndo de um palco para outro, em busca das melhores atrações do festival, voltar à noite para o quarto de um hotel em uma área mais tranquila é um bálsamo.

Viagem realizada a convite do New Orleans Visitors Bureau e do B on Canal Hotel.

New Orleans Jazz Fest: alto nível da 49ª edição promete grande festa no próximo ano

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                                                                     A cantora Dianne Reeves, no New Orleans Jazz Fest 2018

Terminou no último domingo a 49.a edição do New Orleans Jazz & Heritage Festival, um dos maiores eventos musicais do mundo. A comemoração dos 300 anos da cidade, capital cultural do estado americano da Lousiana, fazia prever muitas menções a essa efeméride durante as sete tardes de shows, mas a música acabou falando mais alto.

Atração final do festival no maior de seus 12 palcos, o instrumentista e cantor Trombone Shorty (hoje o musico mais popular de Nova Orleans na cena internacional) fez uma homenagem ao saxofonista Charles Neville. Ex-integrante da lendária banda The Neville Brothers, que encerrou o Jazz Fest durante decadas, ele morreu aos 79 anos em 26/4, véspera da abertura do evento.

Shorty, de 32 anos, relembrou emocionado do convite que recebeu, ainda adolescente, para participar de um show dos Neville Brothers no Jazz Fest. E chamou ao palco os músicos Cyril, Ian e Ivan Neville (irmão e sobrinhos do saxofonista) para cantarem juntos "Fire on the Bayou", um dos hits dos irmãos Neville.

Conhecida dos paulistanos por suas temporadas no clube Bourbon Street, a cantora Charmaine Neville dançou muito durante sua exuberante apresentação, no sábado. "Sei que meu pai está aqui em espírito", disse, logo ao entrar em cena, tentando conter a emoção. 


No dia anterior, o cultuado cantor Aaron Neville (na foto ao lado), que se apresenta com os Neville Brothers desde 1977, já tinha levado para o palco o saxofone do irmão, em seu show no festival. "Ele está aqui com a gente", disse, visivelmente abatido. 

Tristezas à parte, não faltaram alegria e animação durante o último final de semana. "Não sei explicar como isso aconteceu, mas este é o nosso 40.º show no Jazz Fest", brincou no sábado Tony Dagradi, saxofonista do Astral Project, sensacional quarteto de jazz da cidade, que merece ser mais conhecido internacionalmente.

No mesmo palco dedicado ao jazz moderno, a carismática cantora Dianne Reeves já foi ovacionada logo ao entrar em cena. Seu excelente guitarrista e violonista, o carioca Romero Lubambo, também brilhou durante todo o show, especialmente na releitura jazzística da bossa "Corcovado” (Tom Jobim).

No domingo, enquanto Jack White entretia a plateia mais jovem com seu rock, no palco dedicado à música negra urbana, o veterano cantor Smokey Robinson, 78, atraiu uma multidão de fãs de várias geracões para ouvir sucessos do soul e do R&B, que compôs para o clássico selo Motown, como "My Girl", "Get Ready" e "I Second That Emotion".

Outro veterano que o público de domingo não queria deixar sair mais de cena foi o guitarrista e cantor Buddy Guy. Aos 81 aos, o expoente do blues de Chicago não deixou por menos: depois de eletrizar a plateia por mais de uma hora, ainda desceu do palco e foi tocar "Slippin'in" no meio dos fãs.

Como já é habitual, num festival com cerca de 500 atrações musicais, não faltaram revelações. Como a talentosa cantora Quiana Lynell, que fez uma participação especial no show do trompetista Terence Blanchard, que está produzindo seu disco de estreia. Ou o guitarrista e cantor Mr. Sipp, músico do Mississippi que surpreendeu na tenda de blues.

Pelo alto nível musical que o New Orleans Jazz & Heritage Festival exibiu neste ano, sua edição de 50 anos promete uma daquelas festas para ficar na memória por muito tempo.

Resenha publicada parcialmente na "Folha de S. Paulo", em 8/05/2018. Viagem realizada a convite do New Orleans Visitors Bureau e do B on Canal Hotel. 



New Orleans Jazz Fest: Terrace Martin e Archie Shepp dialogam com o passado e o presente

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                                                                  O saxofonista Archie Shepp, no New Orleans Jazz Fest 

Entre as mais de 70 atrações de ontem no New Orleans Jazz & Heritage Festival, dois shows programados para a tenda dedicada ao jazz moderno chamaram atenção por representarem, de certo modo, um diálogo entre o presente e o passado desse centenário gênero musical.

Primeiro foi o show de Terrace Martin, 39, saxofonista, rapper e produtor de Los Angeles, conhecido por suas parcerias com os rappers Kendrick Lamar e Snoop Dog, assim como por colaborações com os jazzistas Kamasi Washington e Billy Higgins.

Em seguida subiu ao palco o lendário saxofonista, cantor e professor universitário Archie Shepp, 80, um dos últimos expoentes da geração que cultivou durante a década de 1960 o politizado “free jazz”, vertente de vanguarda do jazz.

Como bom rapper que é, Martin (na foto abaixo) fala bastante, quase tanto quanto toca seu sax alto ou os teclados eletrônicos. Entre uma música e outra elogiou bastante os colegas da banda, que inclui o extravagante baixista MonoNeon. Também brincou com a plateia e logo a conquistou ao se referir à emoção de tocar pela primeira vez em Nova Orleans.

Não era apenas conversa mole de rapper. Ao anunciar sua composição "Untitled File", chamou ao palco o trompetista Nicholas Payton, um dos jazzistas de Nova Orleans mais respeitados na cena mundial do jazz, cobrindo-o de afagos. 


Outro ponto alto do show foi uma versão bem livre de "Butterfly", composição do pianista Herbie Hancock. Martin já vem trabalhando com esse cultuado jazzista desde 2015, num aguardado álbum que deve incluir o produtor Flying Lotus e o baixista Thunderbird entre outros badalados nomes da geração que mistura jazz com hip hop e música eletrônica.

Num dia pouco feliz, Archie Shepp já entrou no palco ao estilo de Tim Maia, reclamando com os técnicos da sonorização. Para alívio da plateia, sua expressão ranzinza se suavizou um pouco ao abrir o show com uma composição em homenagem ao lendário saxofonista John Coltrane, seu grande mentor musical.

Outro tema que remeteu à fase mais radical da carreira de Shepp foi "Revolution", composição que destaca um raivoso poema de sua autoria. No entanto, em termos de linguagem, hoje sua música está bem distante das arritmias e do atonalismo do free jazz. Daquela época só restou, praticamente, o habito de borrar algumas notas do sax com t
remidos do maxilar. 

Não deixa de ser uma ironia que o número mais aplaudido do show tenha sido justamente o mais tradicional: uma versão de "Don't Get Around Much Anymore", clássico do jazzista Duke Ellington, que Shepp canta com roucos trejeitos vocais de blueseiro.

No programa jazzístico de ontem, em New Orleans, também se destacou uma atração com músicos locais. Intitulado "A Arte da Voz", o show comandado pelo pianista Larry Siebert reuniu saborosos arranjos de clássicos do jazz (a romântica "My Funny Valentine"), da soul music e do funk (a dançante "September", da banda Earth, Wind & Fire”), com destaque para os vocais de Yolanda Robinson, Tonya Boyd-Cannon e JarrellB. O que não falta na cena musical da cosmopolita New Orleans é diversidade. 


Texto publicado parcialmente na "Folha de S. Paulo", em 4/05/2018. Viagem realizada a convite do New Orleans Visitors Bureau e do B on Canal Hotel.



 

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