Fabiana Cozza: cantora se inspira na negritude afro-brasileira, em seu álbum "Partir"

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A cantora Fabiana Cozza sintetiza, em apenas uma palavra, tanto a essência musical de seu novo disco, como a fase de transição que marca hoje sua carreira. Em “Partir” (lançamento independente), seu quinto álbum, a intérprete paulista reúne canções que exibem a diversidade rítmica da diáspora africana. Esse trabalho reflete também o processo de internacionalização de sua carreira, já esboçado em turnês que tem feito pela Europa, nos últimos anos.

Identificada ainda como uma cantora de samba, Fabiana (filha de Osvaldo dos Santos, sambista da escola paulistana Camisa Verde e Branco) confirma nesse trabalho que tem bagagem musical e sensibilidade interpretativa para se dedicar também a outras vertentes da música de ascendência africana. Um caminho que pode lhe abrir mais portas no cenário internacional.

Curiosamente, “Partir” deriva de um projeto que não chegou ao seu destino: um álbum que a cantora faria só com canções do compositor Roberto Mendes, baiano do Recôncavo que conhece como poucos a música dessa região. O projeto foi interrompido, mas Fabiana saiu com cinco canções, todas presentes neste disco. O samba de roda “Não Pedi” (parceria de Mendes com Nizaldo Costa) é elogiado textualmente pela cantora Maria Bethânia, em um carinhoso bilhete incluído no encarte do CD, no qual declara ser fã de Fabiana, sua assumida discípula.

Outro compositor baiano que se destaca no repertório do álbum é Tiganá Santana. Além de “Mama Kalunga” (recém-gravada também pela cantora baiana Virginia Rodrigues), quase uma prece em forma de canção, ele assina “Le Mali Chez la Carte Invisible”, delicada canção em francês que alude ao preconceito racial enfrentado pelos africanos no continente europeu.

Fabiana também encontrou canções de ascendência negra em outras regiões do país. A reverente “Velhos da Coroa”, que abre o disco, foi composta pelo mineiro Sérgio Pererê, ex-integrante do grupo Tambolelê, conhecido por incursões pelos ritmos afro-brasileiros.

A contagiante “Chigala”, do carioca João Cavalcanti, vai mais longe: o ritmo e os versos remetem à África, em especial à terra dos antepassados paternos da cantora. “Quando a vida é em Angola / Se meu coração rebola / Meu peito já não machuca”, diz a letra.

Carregada de melancolia, “Entre o Mangue e o Mar” (parceria da mato-grossense Alzira E com o poeta paulistano Arruda) ganhou uma releitura bem próxima das mornas de Cabo Verde, que conquistaram o mundo na voz de Cesária Évora. Já a dançante “Borzeguita” (do paraense Leandro Medina), com letra em espanhol e português, vem embalada por um ritmo tipicamente caribenho.

Muito bem produzido e dirigido pelo violonista paulistano Swami Jr., que já assinou trabalhos da cubana Omara Portuondo, o álbum também chama atenção pela elegância despojada dos arranjos, centrados em instrumentos de cordas e percussão – com destaque para as participações de Jurandir Santana (guitarra, violão e viola caipira) e dos percussionistas Douglas Alonso e Felipe Roseno.

Com o original repertório que reúne no álbum “Partir” e a maturidade como intérprete que demonstra nessas gravações, Fabiana Cozza prova que o rótulo de sambista já não se adequa mais à música que faz hoje. Está pronta para se tornar, merecidamente, uma cantora do mundo.


(Resenha publicada no "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", em 29/08/2015)



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